Masculinidade em xeque: o peso silencioso de “ser homem” no trabalho
Estudos mostram que a competição por performar masculinidade afeta produtividade, saúde mental e padrões de liderança

No início do ano, Mark Zuckerberg chamou atenção ao afirmar que a cultura corporativa precisaria de mais “energia masculina”. A declaração ecoou o apelo do secretário de defesa dos EUA, Pete Hegseth, para que o exército norte-americano retomasse o “espírito guerreiro”, promovendo padrões tradicionais de masculinidade, como agressividade e perfil atlético.
Os padrões de masculinidade, porém, são nebulosos e muitas vezes contraditórios. A pesquisa State of Masculinity 2025, realizada pela revista "GQ" com 1.929 homens norte-americanos, mostrou que eles definem masculinidade como “força”, “proteção” e “resistência”. Mas, quando perguntados como gostariam de ser descritos por um amigo, responderam “respeitoso”, “honesto” e “responsável”.
Parece que nem os próprios homens sabem exatamente o que é masculinidade. Ainda assim, o levantamento da "GQ" revelou que 68% deles pensam sobre como ser masculinos no dia a dia.
“Os homens estão seguiando por mensagens contraditórias”, afirma a pesquisadora de igualdade de gênero e masculinidade Sarah DiMuccio, líder de pesquisa e desenvolvimento da Above & Beyond, consultoria de diversidade, equidade e inclusão com sede em Copenhague, na Dinamarca. Eles ouvem “seja mais aberto e empático”, mas também “aguente firme” e “seja decidido”.
No mundo atual, líderes corporativos reforçam uma visão estreita – quase tóxica – de masculinidade, definindo quem é ouvido e promovido, quais comportamentos são recompensados e qual é o tom das organizações. Isso impacta como os homens se comportam, como definem sucesso e influencia tanto os negócios quanto a cultura em geral.
PERFORMANCE MASCULINA E ANSIEDADE
Como homem gay, nunca fui ingênuo sobre o funcionamento da masculinidade como moeda social. Um estudo de 2022 publicado em "Sex Roles: A Journal of Research" mostrou que homens gays e heterossexuais tendem a preferir que colegas homossexuais em posições de liderança apresentem um perfil masculino.
“Às vezes, pouco importa como performamos nosso gênero ou nossa sexualidade no ambiente de trabalho – são os outros que decidem se isso é aceitável ou não”, explica o sociólogo Travis Speice, especialista em gênero e sexualidade.
Além das definições confusas e das demonstrações públicas de masculinidade, a pressão para performar masculinidade no trabalho afeta negativamente todos ao redor.

Um estudo de 2018, publicado no "Journal of Social Issues", apontou que ambientes corporativos onde homens competem para demonstrar masculinidade tendem a apresentar liderança tóxica e bullying, além de menos oportunidades, mais burnout e pior bem-estar para as mulheres.
“O sucesso deixa de estar ligado ao cumprimento de metas e passa a depender de provar que você é mais homem do que o colega ao lado. Assim, ser um profissional de alto desempenho torna-se sinônimo de ser ‘o cara’”, diz o estudo.
líderes corporativos reforçam uma visão estreita, quase tóxica, de masculinidade.
A necessidade de provar masculinidade pode levar homens a comportamentos agressivos, arriscados e até a assediar colegas. Metade deles já tirou dias de folga para lidar com questões de saúde mental, mas menos de um em cada 10 admitiria essas dificuldades.
DiMuccio participou de um estudo de 2021, "Masculine Anxiety and Interrupting Sexism at Work", que revelou que 94% dos homens experimentam “ansiedade masculina”, ou seja, o estresse de atender às expectativas de masculinidade.
Ela observa que essa ansiedade nem sempre parece nervosismo. “Às vezes se manifesta como bravata, competição ou retraimento. Em alguns ambientes, homens heterossexuais podem sentir ainda mais pressão para performar masculinidade tradicional”, diz ela, na tentativa de provar um status de “homem de verdade”.
TECH BRO, O ARQUÉTIPO MAIS BARULHENTO
Poucos setores encarnam tão bem a caricatura da masculinidade estreita quanto o da tecnologia. “O Vale do Silício está abraçando uma nova era da masculinidade”, escreveu Zoe Bernard em um artigo de 2023 para a" Vox".
Os líderes da indústria de tecnologia, segundo ela, são “poderosos, viris e musculosos.” Os tech bros modernos – Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, Elon Musk – se tornaram os garotos-propaganda da masculinidade performática, trocando moletons e mesas de pebolim por MMA e arco e flecha.

Papéis masculinos tradicionais garantiam privilégios que alguns homens sentem estar perdendo diante dos avanços da igualdade de gênero e das políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI), analisa o professor de psicologia da Universidade Lawrence Peter Glick, coautor do estudo "Work as a Masculinity Contest".
“Minha impressão é que entramos em uma fase de masculinidade altamente reativa, defensiva e ressentida”, diz ele, especialmente entre “homens que se ressentem da perda de status, poder, propósito e clareza sobre como cumprir uma identidade masculina”.
A necessidade de provar masculinidade pode levar homens a comportamentos agressivos.
DiMuccio concorda, citando a influência da manosfera: uma rede de blogs, fóruns e perfis nas redes sociais que promove a masculinidade tradicional e critica ferozmente tudo que considera “feminista”.
“Esses espaços prometem pertencimento e propósito, mas de um jeito profundamente problemático, misógino e ainda mais restritivo”, diz ela. Eles prosperam alimentados pela ansiedade masculina, transformando o medo de perder status ou identidade em ressentimento e performance.
“Se você está acostumado a privilégios, a igualdade parece opressão”, disse Nick Clegg, ex-vice-presidente de assuntos globais da Meta, em uma entrevista ao jornal britânico "The Guardian" na qual criticou os tech bros – embora tenha falado bem de Zuckerberg como colega.
REPENSANDO A MASCULINIDADE
DiMuccio acredita que, no fundo, “a maioria dos homens sabe, em algum nível, que esses comportamentos [tóxicos] – silenciar os outros, exagerar, recusar ajuda – prejudicam o trabalho em equipe e o desempenho”. Mas ela ressalta que, em muitos ambientes, as recompensas sociais por ser percebido como "masculino" ainda justificam essa performance.
“Não é que os homens não se importem com objetivos maiores. Eles se importam. Mas o roteiro cultural da masculinidade é tão forte que pode sobrepor à lógica. Mudar isso exige redefinir o que recompensamos e reconhecemos como liderança e sucesso no trabalho”, afirma.

Para o bem ou para o mal, a masculinidade continuará moldando a maneira como vivemos e trabalhamos. Podemos apontar suas hipocrisias e absurdos, mas a verdade é que a forma como os homens escolhem demonstrar masculinidade define quem avança, quem é ouvido e como equipes funcionam.
Isso reflete uma tendência cultural mais ampla de valorizar aparência, conformidade e sinais sociais acima da substância. Reconhecer essa dinâmica pode dar às pessoas o poder de identificar essas ilusões, denunciá-las e permitir que mais homens parem de fingir.