Mentoria 2.0: da figura do grande guru ao coletivo criativo
Novas formas de mentoria estão substituindo o velho modelo do “mestre e aprendiz”

No começo da minha carreira, tive a sorte de conhecer um mentor que mudou não só a forma como eu enxergava o design, mas também a maneira como eu via a mim mesma. Ele tinha uma calma inspiradora e um humor afiado – e mostrava, com o exemplo, que inteligência e humildade podem andar juntas no processo criativo.
Foi ele quem me ensinou a contar histórias por meio do design, a lidar com limitações e a encontrar sentido em cada projeto – não só nos que despertavam empolgação. Ele sempre dizia que a criatividade nasce da curiosidade e da leveza, e que, quando a diversão acaba, o trabalho perde a alma.
Com ele, aprendi que mentoria não é apenas ensinar técnicas, mas compartilhar um olhar, uma forma de pensar e se relacionar com o próprio fazer criativo.
O modelo clássico de mentoria – aquela relação próxima e duradoura entre um mestre experiente e um aprendiz dedicado – está dando lugar a algo mais colaborativo e imaginativo.
Essa transformação pode ser vista em redes criativas como a AIGA, que estimulam conexões e crescimento profissional. Plataformas como a ADP List, por exemplo, ajudam criativos a resolver desafios e aprimorar seus portfólios com conversas rápidas de feedback que duram cerca de 20 minutos.
Essa nova geração de mentoria está reinventando o jeito de aprender uns com os outros em um mundo pós-pandemia, onde estar fisicamente junto já não é a regra. Ela quebra a ideia de que o aprendizado criativo precisa de proximidade e propõe algo mais fluido, acessível e democrático.
O FIM DO MODELO “GURU”
Na época da mentoria presencial, o aprendizado não vinha só do que o outro fazia, vinha também de como ele pensava. Muito se aprendia pela convivência, pelas conversas e pelas trocas espontâneas. Quando entrei na Fifty Thousand Feet, em 2004, as lições do meu mentor se tornaram a base de como enxergo liderança e o próprio design.
Com o tempo, percebi que mentoria não é algo que se restringe à uma única relação, ela se espalha. Quando designers mais experientes lembram suas equipes de que confiança é tão importante quanto estética, a mentoria deixa de ser individual e passa a ser coletiva. É assim que crescemos juntos.
Desde a pandemia, novas formas de mentoria têm ganhado força, combinando estrutura com flexibilidade e acesso.
Mas, quando a pandemia chegou, os estúdios criativos ficaram em silêncio. De um dia para o outro, o trabalho baseado na convivência e na espontaneidade foi substituído por telas e reuniões. Perdemos aquele aprendizado casual que acontecia no corredor – o insight inesperado, o lampejo que surgia da colaboração.
Muitos líderes tentaram recriar essa conexão com reuniões online, check-ins e encontros virtuais. Mas algo se perdeu no caminho. A energia do espaço compartilhado, as conversas naturais, o ritmo criativo – nada disso era fácil de reproduzir.
A colaboração ficou mais planejada, mas menos espontânea. E foi nesse vazio que o setor criativo começou a buscar novas formas de se conectar e continuar aprendendo, mesmo à distância.
A ASCENSÃO DOS NOVOS MODELOS DE MENTORIA
O que veio depois foi um período de experimentação. Desde a pandemia, novas formas de mentoria têm ganhado força, combinando estrutura com flexibilidade e acesso.
A micromentoria se tornou um dos formatos preferidos. São encontros curtos e diretos, pensados para o momento de cada profissional – seja revisar um portfólio, preparar uma apresentação ou superar um bloqueio criativo.
Essa abordagem troca hierarquia por agilidade. Para quem está começando, é uma chance de aprender com várias pessoas em vez de depender de um único mentor. Para quem ensina, é uma oportunidade de compartilhar experiência exatamente quando ela faz mais diferença.

Ao mesmo tempo, as comunidades de aprendizado entre pares estão mudando a forma como os criativos se conectam. Esses grupos dispensam títulos e incentivam trocas verdadeiras. Em uma semana você é o mentor, na seguinte, o aprendiz.
Os mais jovens trazem domínio de novas ferramentas e referências culturais; os veteranos oferecem visão e repertório. Essa troca mantém a cultura criativa viva e em constante evolução.
Enquanto isso, as comunidades digitais se consolidaram como novos pontos de encontro do setor. Organizadas por temas ou áreas, elas criam espaços para conversas contínuas, workshops e trocas de portfólios.
Esses novos formatos mostram que a mentoria não desapareceu na pandemia – ela evoluiu. Está mais ágil, mais aberta e, acima de tudo, mais humana.
VANTAGENS DA NOVA MENTORIA EM COMUNIDADES
Novas formas de mentoria quebram as barreiras geográficas, hierárquicas e de privilégio. Um designer em Nairóbi agora pode receber feedback de um diretor criativo em Nova York. Um freelancer pode encontrar um senso de pertencimento em um fórum online global.
Outra vantagem é a diversificação das vozes que moldam as carreiras criativas. A mentoria tradicional muitas vezes refletia a proximidade – quem sentava perto de quem, quem pertencia a qual agência, quem era notado.
as comunidades de aprendizado entre pares estão mudando a forma como os criativos se conectam.
A mentoria baseada na comunidade abre as portas para pessoas com diferentes experiências, disciplinas e perspectivas. Essa diversidade incentiva a inovação, expondo os criativos a novas maneiras de pensar e trabalhar.
A mentoria entre pares e a micromentoria também permitem feedback em tempo real, em vez de esperar por avaliações anuais ou raros momentos de contato. Elas tornam a mentoria uma parte viva do dia a dia de trabalho.
E, talvez o mais importante, elas distribuem o trabalho emocional da mentoria. Em vez de depender de um único relacionamento, os profissionais podem construir uma constelação de guias, semelhante a uma rede que evolui à medida que suas carreiras progridem.
RISCOS E BENEFÍCIOS
No entanto, a eficiência tem seus custos. O construção da confiança e a história compartilhada que formam o longo arco da mentoria é mais difícil de replicar online. O conhecimento tácito, o tipo de conhecimento que vem de observar como alguém lida com conflitos ou interpreta o ambiente, pode ser difícil de transferir em um ambiente virtual.
Há também o valor do imponderável. O trabalho presencial cria aprendizado não planejado: a percepção ouvida por acaso, o comentário casual que desperta uma ideia. As plataformas virtuais tendem a otimizar a estrutura, não a descoberta. Sem cuidado, a mentoria corre o risco de se tornar transacional, algo a ser agendado em vez de algo a ser vivenciado.

Mas não precisamos perder as coisas boas da mentoria individual. O futuro da mentoria criativa pode não ser sobre escolher um modelo em detrimento de outro. É sobre síntese.
Os relacionamentos individuais que moldaram gerações de criativos podem coexistir com os sistemas distribuídos e impulsionados pela comunidade de hoje. A chave é preservar a conexão humana no cerne da mentoria, expandindo quem pode participar.
A mentoria é a forma como a cultura criativa se renova. Seja presencial ou virtual, continua sendo a maneira mais humana de aprendermos a criar, liderar e crescer.