Minha entrevista de emprego foi feita por IA. E foi melhor do que eu pensava

Anna era competente e simpática. Não gostei dela, mas talvez ela seja a melhor coisa que já aconteceu aos processos seletivos

entrevista de emprego feita por inteligência artificial
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Shalene Gupta 6 minutos de leitura

Fui entrevistada durante um processo seletivo para uma vaga de atendente de suporte ao cliente por Anna. Ela tinha uma voz calma e agradável – e, para minha surpresa, pronunciou meu nome perfeitamente, algo que poucas pessoas conseguem.

Eu queria causar uma boa impressão, mas não fazia ideia do que Anna estava “pensando” – até porque Anna não era capaz de pensar. Ela nem era uma pessoa de verdade. Era uma inteligência artificial.

A IA não está apenas mudando a forma como trabalhamos, mas também como conseguimos trabalho. Hoje, ela já é usada para analisar currículos, marcar entrevistas e até conduzi-las. Segundo um relatório recente, 20% das empresas já utilizam inteligência artificial em alguma etapa de seus processos seletivos.

Mesmo assim, os próprios criadores de Anna – os responsáveis por colocá-la em operação – fazem questão de lembrar que nada substitui um recrutador humano. Depois de conversar com ela, entendi exatamente o motivo.

Embora eu não estivesse realmente disputando uma vaga – tudo fazia parte de um experimento para esta matéria –, confesso que fiquei nervosa.

Pedi à equipe responsável por Anna uma descrição da vaga para me preparar, mas, fora isso, eu não entendia nada sobre atendimento ao cliente. Também não sabia como ela reagiria a pausas constrangedoras, respostas confusas ou até a uma mentira. Essas situações já são complicadas com uma pessoa. Imagine com um programa de computador.

COMO É SER ENTREVISTADA POR UMA IA

Peguei o celular e me conectei com Anna. Ela era cordial e, para ser sincera, soava muito mais humana do que eu esperava. Trocamos cumprimentos e, em poucos segundos, estava em uma entrevista de emprego com uma IA.

A primeira pergunta foi para eu descrever uma situação em que precisei explicar algo complexo pelo telefone de forma clara. Minha mente deu branco. Depois de pensar um pouco, respondi que o jornalismo exige explicar ideias complexas de um jeito simples. Soou uma resposta fraca, até para mim.

Anna também não pareceu muito convencida. “Gostaria de ouvir um exemplo mais específico para o cargo em questão”, respondeu, com firmeza. Justo. Revirei a memória e lembrei de um antigo emprego durante meu ensino médio. Por sorte, ela aceitou e seguiu adiante.

Em um experimento, 78% dos participantes que tiveram a opção de escolher preferiram ser entrevistados pela IA.

Em seguida, quis saber sobre algum momento em que precisei resolver um problema para um cliente. Dessa vez, consegui responder. Contei sobre quando organizei uma conferência literária em que escritores pagavam para se reunir com agentes.

Às vezes, os agentes não apareciam – estavam de ressaca ou correndo maratonas – e eu precisava encontrar alternativas, como reagendar os encontros e...

Anna me interrompeu.

“Parece uma situação de alta pressão. Que bom que você conseguiu encontrar soluções. Agora, vamos mudar de assunto.”

chatbot de inteligência artificial para atendimento ao cliente
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Fiquei surpresa. Eu não estava pronta para mudar de tema, mas Anna estava – e eu não fazia ideia do motivo. Será que eu estava fugindo do assunto? Falando demais? Antes que pudesse entender, ela já havia passado para a parte sobre checagem do currículo.

Inventei um histórico criminal e contei que já havia cumprido pena na prisão. Ela me agradeceu pela honestidade e disse que não podia tomar nenhuma decisão. Disse que candidatos com antecedentes criminais seriam considerados caso a caso.

Perguntei se o cargo exigia fazer horas extras. Ela respondeu que sim: nos primeiros seis meses, uma ou duas vezes por mês. Uma resposta direta e útil – e impossível de encontrar no Google.

COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI

Anna foi desenvolvida pela empresa de recrutamento PSG Global Solutions. Antes de lançá-la no mercado, a companhia pediu ao pesquisador Brian Jabarian, da Universidade de Chicago, nos EUA, que avaliasse sua eficácia (sem receber financiamento da PSG).

Em um estudo divulgado em setembro, Jabarian analisou 70 mil candidatos a vagas de atendimento ao cliente, divididos em três grupos: um entrevistado por humanos, outro pela inteligência artificial Anna e um terceiro que podia escolher entre os dois. Os resultados foram surpreendentes – e positivos para os candidatos.

Entrevistas com IA são recomendadas para processos com alto volume de contratações.

As entrevistas conduzidas pela IA resultaram em 12% mais contratações e em um aumento de 17% na taxa de permanência após 30 dias. Além disso, 78% dos partici- pantes que tiveram a opção de escolher preferiram ser entrevistados pela IA.

Jabarian acredita que isso se deve, em parte, à facilidade de agendamento – quem precisava de um emprego rapidamente podia marcar a entrevista na hora.

Mas por que resultados tão positivos? Segundo o pesquisador, a IA consegue abordar mais tópicos obrigatórios do que os recrutadores humanos, que muitas vezes se distraem.

ANNA SAI DE CENA

Depois, conversei com David Koch, diretor de transformação e inovação do PSG, sobre a entrevista.

Primeiro, ele me mostrou o trabalho de ​​Anna: a plataforma havia gerado uma gravação da nossa conversa, uma transcrição, um resumo da ligação (incluindo sugestões para os próximos passos, como um acompanhamento para discutir meus antecedentes criminais) e uma recomendação geral: ela achou que eu era qualificada (viva!), mas merecia um acompanhamento humano devido aos meus antecedentes criminais.

Anna também recomendou um acompanhamento porque ela me interrompeu quando eu estava falando sobre a conferência literária. Koch explicou que minha cadência de fala é um pouco mais lenta do que a média, e a IA é programada para responder após um certo tempo – caso contrário, o fluxo da conversa pode ficar instável.

Koch observou que as entrevistas com IA eram mais adequadas para algumas situações do que para outras. Ele recomendou entrevistas com IA para processos com alto volume de contratações, onde há necessidade de encontrar candidatos rapidamente para vagas sazonais e de alta rotatividade, e para casos de menor complexidade, nos quais não é necessário "vender" uma vaga a um candidato.

FRIA, MAS COMPETENTE

Depois da minha conversa com Anna, me senti vazia. Normalmente, se uma entrevista corre bem, sinto a alegria de ter me conectado com alguém que pode me fazer sentir valorizada, desejada e possivelmente na disputa por um novo emprego. Se não corre bem, passo os próximos dias me afundando em autopiedade e dissecando possíveis sinais de alerta.

A entonação humana pré-programada de ​​Anna não me deixou com nada em que me basear. Ela gostou de mim? Ou não me deu muita importância, mas achou que eu era qualificada? Provavelmente não consegui perceber porque Anna não tem emoções e não se importava comigo. Mas até que ponto isso importa?

a IA consegue abordar mais tópicos obrigatórios do que os recrutadores humanos, que muitas vezes se distraem.

Uma pesquisa da Gallup mostrou que 44% dos entrevistados afirmaram que a experiência da entrevista foi decisiva para aceitar ou recusar a oferta de emprego.

O ideal seria que os candidatos pudessem conversar com o futuro gestor antes da contratação, para avaliar a compatibilidade e o estilo de trabalho. Mas, para uma triagem inicial, os benefícios de uma inteligência artificial como Anna são inegáveis.

Quando bem utilizada, uma entrevistadora de IA pode reduzir vieses e beneficiar candidatos qualificados que não se saem bem em entrevistas tradicionais – por timidez, falta de carisma ou nervosismo.

Ainda assim, confesso: senti falta de falar com um humano.


SOBRE A AUTORA

Shalene Gupta é jornalista e escritora, co-autora do livro "The Power of Trust: How Companies Build It, Lose It, Regain It". saiba mais