Mudança de carreira depois dos 40: malabarismo, etarismo e escalada

Não se prender ao job description, ter humildade, valorizar as boa conexões e autocuidado são alguns dos aprendizados

Créditos: Sergey Khakimullin/ iStock/ grátispng

Paulo Emediato 6 minutos de leitura

Comecei a escrever este artigo há seis meses. Levou um tempinho para colocar as ideias em ordem. O tempo ajuda a clarear a perspectiva. Vamos mergulhar na "Mudança de carreira após os 40", que eu prefiro chamar de "Baile da meia idade com estranhos".

Sim, me encontrei em 2022, aos 42 anos, com vontade de deixar algum conforto construído como empreendedor e consultor para retornar à arena corporativa. Será que aprendi algo, transitando por tantas organizações, que justificasse uma nova posição no tabuleiro?

No início das sondagens ao mercado, alguém fez com que me sentisse velho pela primeira vez.

Com mais de uma década de experiência no ecossistema de inovação, o desafio não me assustava. Mas o primeiro obstáculo foi o julgamento em relação ao desejo de mudança. É como se algo tivesse que dar muito errado para motivar a busca por outros caminhos. Você quer mudar e a primeira pergunta que ouve é "mas, por quê?".

O fato é que já não cabia mais onde estava, muito mais de dentro para fora, do que por influência de fatores externos. Minha resposta era "por que não?"

Os holofotes da expectativa, adornados com a beleza da idealização, sugeriam um caminho tranquilo. Com uma trilha de casos de sucesso, alguns fracassos épicos (elementos inestimáveis para a receita), uma rede de relacionamentos considerável, uma pilha de formações acadêmicas e muitos treinamentos executivos, acreditei que estaria em uma nova cadeira num piscar de olhos.

No entanto, a realidade, meus amigos, é uma mestra astuta, com uma reputação notória por esmagar expectativas.

SUPERCONFIANÇA

Embarcar rumo ao desconhecido não é simples. Está mais para a descida de um elevador, parte de uma escalada já percorrida, para então subir novamente de escada, degrau por degrau, tal como escalar o Everest de chinelos.

Você precisa de um plano e de muita paciência, misturando a necessidade de aprender sobre novos negócios e práticas emergentes com uma dose significativa de humildade. A superconfiança, nesta etapa, é tão útil quanto um desentortador de bananas.

Já nas primeiras entrevistas, tateando a melhor forma de me reapresentar ao mercado, momentos de mal-estar e incerteza, onde a extravagância do ego executivo e do jargão corporativo com seus "heads", "leads," "managers 'encobria a realidade de um achatamento (salarial) e no pipeline de liderança, decorados com nomenclaturas mais palatáveis.

Você precisa de um plano e de muita paciência. A superconfiança, nesta etapa, é tão útil quanto um desentortador de bananas.

Ainda bem que a maioria dos processos seletivos não dá em nada. Por mais que fira a autoestima, se comprometer com uma escolha equivocada incomodaria bem mais. Não faltam posições "bucha de canhão", disfarçadas de "a chance dos sonhos", para as quais um olhar menos atento pode se deixar enganar pela ansiedade ou por necessidade mesmo. Diria que uma a cada 10 conversas fez sentido. Felizmente, entre elas aconteceu uma conexão legítima que abriu os caminhos.

No início das sondagens ao mercado, alguém fez com que me sentisse velho pela primeira vez. Não acho que eu seja, mas a headhunter deixou claro que as empresas se interessavam por talentos até os 35 anos. Com 42, meu perfil já não é tão atrativo. Isso se repetiu duas ou três vezes.

Felizmente ainda há pessoas abertas a experimentar e ouvir gente com uma biografia menos ortodoxa. Talvez este seja um sinal interessante para orientar sua escolha: o quanto estão abertos a cocriar algo com você? Hoje, ao contrário do etarismo restritivo sentido em outros lugares, o tema virou uma brincadeira leve na convivência diária.

VULNERABILIDADE

Um dos aprendizados é não se prender ao job description da posição. É no dia a dia que as coisas vão se formatar e cabe a você influenciar no resultado. No entanto, nem sempre encontramos organizações flexíveis. Se a possibilidade existe, já temos aqui um segundo sinal positivo.

Em alguns momentos, pode ser que você se sinta vulnerável no universo corporativo. Mesmo que pareça andar para trás, não se engane: este é um novo playground e a busca de uma posição estratégica não é um concurso de popularidade, mas sim uma prova de longo prazo, paciência, resiliência e, acima de tudo, de autodescoberta.

Mudar de carreira pode ser uma oportunidade rara de contribuir com a construção de algo que desperte potencialidades escondidas em você.

Imagine deixar de lado sua especialidade para navegar em três novos campos de conhecimento: corporate venture capital, desenvolvimento sustentável e indústria química, ao mesmo tempo?

Apesar da incerteza, a transição é algo que muitos de nós enfrentaremos e que pode, nem sempre, ser uma opção (vide a temporada atual de layoffs). Mudar de carreira, abrir mão da trajetória percorrida, sair do protagonismo para servir a um novo objetivo são desafios em que o custo transacional aumenta com a idade. Mas também pode ser uma oportunidade rara de contribuir com a construção de algo que desperte potencialidades escondidas em você.

O fundamental é certificar-se de que está em boa companhia na missão. Não mude por mudar. É importante perceber que aquilo que você traz para a mesa é reconhecido por quem está junto e que há espaço para troca. Sozinho, vai ser sempre mais difícil. E aqui temos o terceiro ponto de destaque: quem está contigo.

HUMILDADE

Não sei o segredo de uma transição de carreira bem-sucedida. Sinto que é menos sobre se tornar alguém diferente e mais sobre trazer sua experiência, habilidades e, o mais importante, sua humanidade para o novo papel.

A humildade é a chave. Confesso que nunca foi meu forte, mas estou praticando para melhorar. Mesmo que já tenha vivido algumas histórias, ainda há muito para aprender. Afinal, o jogo nunca termina - apenas se transforma.

Não se esqueça do autocuidado, da saúde física e mental. Manter a mente aberta faz toda a diferença, mesmo que suas convicções sejam testadas constantemente.

Deixo aqui mais algumas dicas que podem ser úteis:

  • Você não é seu trabalho. Essa é só uma parte da sua vida.
  • Não saia DE algum lugar. Saia PARA algum lugar: Foco no que vem adiante e não no que ficou para trás.
  • Confie no acaso e na serendipidade, mas ajude a sorte a te ajudar, preparando-se e articulando sua rede.
  • Reconheça seus pontos fracos e vulnerabilidades. O que faz a diferença é como você lida com elas.
  • A generosidade é uma espiral positiva, destrava caminhos e nos ajuda a operar na abundância. Entre competitividade e generosidade, aposte na segunda.
  • Respeite os limites do seu corpo, mas lembre-se que aquilo que pesa no começo faz parte da curva de adaptação.
  • Cuidado para que sua ansiedade não estresse as relações ao redor.
  • Você vai se surpreender positiva e negativamente com as pessoas. Raramente é uma questão pessoal. Nunca sabemos o que elas estão vivendo para conciliar o acolhimento ao nosso chamado.
  • Valorize as pequenas vitórias e lembre-se que são tão naturais quanto as derrapadas no caminho.

SOBRE O AUTOR

Paulo Emediato é CMO na Oxygea, especialista em inovação e design thinking, sócio da DTG Brasil, professor de liderança criativa da Mi... saiba mais