Mulheres no trabalho: criticadas por se arrumarem muito – ou pouco

Reconhecer a persistência desse dilema é a única maneira de começar a mudá-lo

Crédito: Joel Muniz/ Unsplash

Leilani Carver-Madalon 6 minutos de leitura

Apesar do retorno generalizado aos escritórios, 52% das mulheres têm preferido trabalhar de casa. O maior motivo para isso é que ficar em casa diminui o tempo, o gasto financeiro e o estresse enfrentado por elas no esforço diário para se adequar à imagem que nossa sociedade faz das “mulheres profissionais”.

Trabalhar de casa alivia as mulheres da ansiedade de precisar manter sua imagem, porque elas podem simplesmente desligar a câmera ou, pelo menos, se arrumar um pouco menos, porque não vão aparecer por inteiro como nas interações ao vivo. Isso se soma, é claro, a outros benefícios do home office, como mais flexibilidade para cuidar das crianças.

Levando esse problema em consideração, os líderes precisam repensar os padrões historicamente impostos às mulheres em relação à sua aparência e ao que vestem. Reconhecer a persistência desse preconceito de gênero é a única maneira de começarmos a mudá-lo.

PRODUTIVIDADE X "PROFISSIONALISMO"

Mesmo as mulheres mais poderosas são vítimas desses padrões paradoxais, como ficou claro recentemente quando a primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, foi duramente criticada depois que vazou um vídeo em que ela dançava com amigos.

Entre os que atiçaram a polêmica estava um locutor esportivo finlandês, Aleksi Valavuori, que twittou: “por favor, pegue logo a sua jaqueta de couro e renuncie”. A tal “jaqueta de couro” era uma referência à roupa que ela tinha usado para ir a um festival de rock.

Mas, seja por conta de uma jaqueta de couro ou de um blazer com decote profundo, a questão é que Sanna Marin sempre foi julgada mais pelo que veste do que por sua capacidade de liderança, por seu bom desempenho durante a pandemia ou pelo papel da Finlândia na OTAN.

Sanna Marin, primeira-ministra da Finlândia, sempre foi julgada mais pelo que veste do que por sua capacidade de liderança.

Mulheres de todo o mundo se identificam com esse tipo de machismo enfrentado por Sanna e vêm dando apoio a ela nas mídias sociais com a hashtag #solidaritywithsanna.

A política não é o único ramo em que as mulheres são policiadas por aquilo que gostam de vestir ou que escolhem fazer em sua vida privada. Na mídia, a co-âncora do programa Today da Austrália foi criticada depois de ter usado a mesma blusa com quatro meses de intervalo.  Em um gesto de apoio, seu colega homem usou exatamente o mesmo terno por um ano inteiro – nem uma única pessoa comentou ou sequer notou. 

Na verdade, vemos o oposto desse tipo de cancelamento no mundo da tecnologia, onde homens que usam a mesma roupa todos os dias – como Steve Jobs, Mark Zuckerberg ou mesmo o ex-presidente Obama – são elogiados por criar uma marca e imagem pessoal distinta. Eles são enaltecidos por não desperdiçar poder intelectual em algo tão trivial quanto pensar diariamente sobre o que vestir.

APRESENTAÇÃO X ESTEREÓTIPOS 

As mulheres são julgadas por sua aparência em geral. É como se sobre elas recaísse uma espécie de “imposto da beleza”. Tradicionalmente, ser mulher no local de trabalho requer manter uma aparência feminina, e isso significa usar maquiagem. Em termos de tempo e de dinheiro, não é um custo pequeno.

Quando as mulheres não cumprem os padrões de beleza ocidentais, há consequências sensíveis ​​para suas carreiras.

Quando as mulheres não cumprem os padrões de beleza ocidentais, há consequências sensíveis ​​para suas carreiras. A Universidade de Cornell descobriu, por exemplo, que se a mulher branca média ganha 64 libras, seus salários podem cair até 9% por esse motivo.

Se as roupas femininas e os padrões de beleza fossem bem definidos, conformar-se a eles seria uma questão simples. Mas esse não é o caso, infelizmente. As mulheres, ainda por cima, precisam ser cautelosas para não parecerem atraentes demais, por medo de serem penalizadas por isso também.

Em um estudo, mulheres de negócios muito atraentes foram julgadas como sendo menos verdadeiras e mais merecedoras de demissão. Em outro, as mulheres que se vestiam de maneira “sexy” foram igualmente percebidas como menos confiáveis ​​e menos competentes.

Ou seja, as profissionais estão em um beco sem saída: são condenadas se estiverem dentro do padrão e arrumadas “demais” e condenadas se não se adequarem a esse padrão ou se andarem “pouco arrumadas”. Não é de se admirar que muitas prefiram trabalhar de casa.

NOVAS POLÍTICAS X ANTIGOS PRECONCEITOS

Embora trabalhar de casa não tenha eliminado os dilemas dos rótulos machistas sobre as mulheres, o que a nova configuração fez foi dar a elas algum espaço para respirar quando se trata da pressão constante sobre o que vestir e como se apresentar.

Para muitas, pelo menos havia a opção de manter a câmera desligada durante as reuniões do Zoom. Mas agora, com tantos trabalhadores retornando aos escritórios, as mulheres podem acabar descobrindo que a pressão está de volta.

no mundo da tecnologia, homens que usam a mesma roupa todos os dias são elogiados por criar uma imagem pessoal distinta.

Embora a atmosfera geral de muitas empresas pareça permitir um visual descontraído e casual – e embora possam até incorporar oficialmente alguma liberdade em seus códigos de vestimenta –, os resultados positivos dessas políticas para as mulheres não são palpáveis. Políticas formais são uma coisa; preconceitos implícitos são outra.

As mulheres continuarão sendo tratadas de forma diferente por se vestirem de forma mais casual, apesar de atenderem às diretrizes da empresa? Ou elas se encontrarão em outra situação sem saída, em que são instruídas a usar maquiagem e roupas pouco confortáveis, mas, ao mesmo tempo, são vistas como menos profissionais ou competentes se o fizerem? Ou será que elas se beneficiarão com algumas das novas liberdades, estejam atrás das telas ou não?

LIBERDADE X EXPECTATIVA

Só o tempo e a experiência poderão trazer essas respostas. Enquanto isso, os líderes precisam, em primeiro lugar, mostrar às funcionárias que elas são valorizadas por suas contribuições profissionais. Depois, devem liderar com exemplos visíveis, para ilustrar suas expectativas de códigos de vestimenta.

Assim como fez o co-apresentador do programa Today, na Austrália, os líderes também precisam chamar a atenção para quaisquer padrões que são aplicados com dois pesos e duas medidas, a depender do gênero, e para os preconceitos implícitos que enxergam. Afinal, eles ocupam posições de onde suas vozes são ouvidas mais alto e de onde o tom da cultura organizacional é definido.

A primeira-ministra da Finlândia deveria ter a liberdade de dançar durante o fim de semana, pois isso não tem nada a ver com seu desempenho no trabalho. A imagem de uma profissional não deve ter a ver com a adequação a um ideal cultural, mas sim com a qualidade do trabalho que alguém faz. Pode dançar à vontade, Sanna!


SOBRE A AUTORA

Leilani Carver-Madtaldon é diretora de comunicação estratégica e liderança de graduação, diretora de comunicação de graduação e profes... saiba mais