Nasce um bebê, nasce uma mãe. E também uma CEO

Habilidades profissionais de quem tem filhos são força e não obstáculo para o crescimento na carreira

Créditos: Nicoleta Ionescu/ iStock

Camila de Lira 5 minutos de leitura

A profissão mais amada e difícil do mundo sempre tem vagas abertas. Os requisitos: conhecimento em gestão de múltiplas tarefas, análise de risco, capacidade de gerenciar crises, visão estratégica, agilidade e flexibilidade, excelentes habilidades de comunicação, atenção aos detalhes, aptidão para resolver problemas, capacidade de liderança e competências socioemocionais. Resiliência, proatividade e empatia são essenciais.

O cargo em questão? Mãe.

A parentalidade é um grande acúmulo de habilidades aprendidas à base de muita paciência e de desafios diários. Do ponto de vista de quem tem filhos, a observação faz todo sentido, dado o tamanho do trabalho que é criar um ser humano. Não seria hora de o mercado de trabalho seguir esta lógica?

“Os filhos não são um obstáculo, mas uma potência na nossa vida profissional”, afirma Michelle Terni, CEO e cofundadora da consultoria Filhos no Currículo.

Michelle Terni (Crédito: Divulgação)

A mãe de Thomas (cinco anos) e Alex (sete) vê no desafio de provocar uma transformação cultural no mercado uma oportunidade para que as companhias promovam equidade e bem-estar. Há também outra chance, ainda mais provocativa, que é a de incentivar mães a não terem mais que escolher entre filhos ou carreira.

“Quando você ganha um filho, é promovido a um cargo de CEO. Tudo que aprendeu sobre liderança precisará aplicar em casa. E vice-versa”, diz Michelle.

Questões como empatia, resiliência e paciência, as chamadas soft skills – tão desejadas e procuradas pelo mercado –, são colocadas em prática todos os dias, várias vezes ao dia. Tais habilidades não ficam em casa quando as mães vão trabalhar. Elas permanecem e vão para o currículo.

Outras aptidões, como visão, gestão e valores também estão no DNA da maternidade e da paternidade. Visão e estratégia são essenciais para o líder, seja ele de uma empresa ou de uma família.

Mães e pais costumam aplicar esse olhar para o futuro sem perder os desafios do presente nos mínimos detalhes quando se trata dos filhos. Um exemplo é a escolha da alimentação das crianças. Pode parecer corriqueiro, mas é um ato que exige a aplicação de visão de futuro, gestão do presente e estratégias de gerenciamento de recursos.

BEM-ESTAR PARENTAL É DE TODOS

Há sete anos, Michelle se viu forçada a responder à pergunta: filhos ou carreira? Acabou deixando a carreira executiva no mercado de publicidade para se dedicar ao seu primeiro filho.

Números da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostram que ela não é exceção. Mulheres com filhos com menos de um ano têm 49,6% menos probabilidade de estar no mercado de trabalho.

Questões como empatia, resiliência e paciência, as chamadas soft skills, são colocadas em prática todos os dias, várias vezes ao dia.

As pesquisas sobre maternidade ativa fizeram Michelle encontrar outra mãe, Camila Antunes. Vindas do mercado executivo, elas perceberam que havia muito mais em comum entre uma mãe e um CEO do que se poderia imaginar. Juntas, criaram a Filhos no Currículo, consultoria que promove a criação de ambientes de bem-estar parental nas companhias.

No Brasil, empreender é o caminho que as mulheres encontram para driblar a falta de oportunidades no mercado de trabalho depois da maternidade. Sete em cada dez brasileiras empreendem logo após se tornarem mães, indica o Instituto Rede Mulher Empreendedora.

Longe de ser uma escolha, 55% das donas de negócio empreendem por necessidade, enquanto 54% dos homens o fazem pela oportunidade, como indicam os dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2022.

“A parentalidade faz bem para os negócios, é uma conversa sobre resultados, sobre equidade de gênero e de ESG”, comenta Michelle.

ENVOLVIMENTO DA LIDERANÇA

O ambiente de bem-estar parental é dotado de políticas, práticas e sistemas que amparam aqueles que têm filhos ou cuidam de crianças. Políticas como licença parental, disponibilização de creches e flexibilidade de horários fazem parte desse conjunto de ações. Mas, para as políticas virarem ação, precisa haver comprometimento da liderança.

Crédito: Freepik

As estatísticas brasileiras refletem essa ponte. Segundo a FGV,  nos dois anos seguintes ao nascimento da criança, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade estão fora do mercado de trabalho. O estudo mostra ainda que 50% dessas mulheres foram desligadas logo que acabou a licença.

Segundo Michelle, não adianta a empresa ter as melhores políticas para pais e mães, mas faltar empatia da parte dos líderes. Quatro em cada 10 entrevistadas em uma pesquisa feita pela Filhos no Currículo disseram não se sentir seguras para dar a notícia da gestação para os líderes.

O estudo, feito em parceria com o Talenses Group e com o Movimento Mulher 360, indica ainda que 45% dos colaboradores dizem ficar inseguros para comunicar necessidades com clareza para seus gestores diretos.

A diversidade tem um papel fundamental nessa discussão. Nas empresas brasileiras de capital aberto, apenas 8% das mulheres são CEOs. Além disso, dado do Grant Thornon Institute mostra que menos de 40% dos cargos de liderança em companhias brasileiras de médio e grande porte são ocupados por mulheres.

BOM ATÉ PARA QUEM NÃO TEM FILHOS

O processo de criar um ambiente de segurança psicológica tem que ser constante e consistente – não muito diferente da maternidade, que é construída a cada dia, com erros e acertos.

O bom lugar para uma mãe trabalhar é um bom lugar para todos trabalharem.

A conversa também traz benefícios para aqueles que não têm filhos, por apoiar a criação de um local de trabalho que prioriza a transparência e a comunicação clara entre colaboradores e gestores. “O bom lugar para uma mãe trabalhar é um bom lugar para todos trabalharem”, aponta Michelle.

É uma transformação desafiadora para as empresas e para as lideranças, uma reinvenção total. “Ter um filho é receber um convite, nem sempre doce, muitas vezes doloroso, de se reinventar”, lembra a empreendedora.

Este chamado é o mesmo que está sendo feito para lideranças e empresas: se reinventar, repensar e recriar. Inspirar a criação de novos líderes, novas pessoas.

É um trabalho árduo, difícil e cansativo. Mas basta olhar para as mães para ver que, apesar da exaustão, a recompensa vale a pena. Porque ser mãe é ser o CEO mais cobrado do mundo – mas também o mais amado.


SOBRE A AUTORA

Camila de Lira é jornalista formada pela ECA-USP, early adopter de tecnologias (e curiosa nata) e especializada em storytelling para n... saiba mais