O desafio de colocar humano no centro dos ecossistemas
Quando mergulha no processo de (re)pensar futuros, Barbara Olivier, diretora de inovação e tecnologia da Afferolab, consultoria em aprendizagem corporativa, olha sobretudo para relatórios de economia comportamental e/ou de tendências de marcas e comportamentos, como as da WGSN.
Há pouco ela tomou contato, por exemplo, com o estudo da Dazed Media sobre a Era do Monomass – termo que o grupo de (multi)mídia britânico criou para descrever hiperindividualismo e tendências de massa existindo confortavelmente lado a lado. Esses relatórios tratam de como as pessoas têm se comportado, o que mais as tem instigado (ou incomodado). “Isso, para mim, indica muito mais as reações que o mundo vai ter do que reports sobre o futuro do trabalho”, afirma Barbara. “O futuro é muito amplo e é contínuo.”
“É custoso e complexo colocar o humano no centro. Logo, a maioria das organizações prefere concentrar as decisões na cúpula e disseminá-las, sempre de cima para baixo”
Seu desafio é “ler as pessoas” e, a partir do comportamento delas, entender tendências como a da economia circular, da colaboração (e os cruzamentos entre elas) e aplicá-las no âmbito da aprendizagem. Estudando relatórios sobre comportamentos, Barbara tem olhado para a tendência de se colocar “o humano no centro”.
Para essa síntese entre hiperindividualismo e cultura de massa. “Isso tem tudo a ver com aprendizagem. A gente cada vez mais tem aportado tecnologia e metodologias para conseguir escala aceleradamente, mas cada vez mais também precisa de personalização”, nota ela. Outro tema no radar da Afferolab é influência. “Há, cada vez mais, um questionamento das pessoas sobre os influenciadores, porque eles só deveriam permanecer influenciando se forem de verdade. Se forem honestos, corajosos mesmo. Se eles consideram o outro tanto quanto se consideram.”
Humano no centro contrapõe-se à organização no ponto focal das preocupações. “Não existe um reconhecimento do papel de cada um que colabora para aquele propósito, naquela empresa”, diz Barbara. É custoso e complexo colocar o humano no centro. Logo, a maioria das organizações prefere concentrar as decisões na cúpula e disseminá-las, sempre de cima para baixo. “Funciona com sorte. Você não sabe mais se vai funcionar amanhã”, afirma ela. “A dificuldade de se navegar num cenário tão incerto, tão complexo, tão turbulento e tão angustiante fez com que elas [as organizações] entendessem que a tecnologia pela tecnologia, a metodologia pela metodologia, não vão resolver sozinhas”. A solução? Cenários colaborativos, adaptativos e diversos.
“Cem anos atrás (…) existiam as seguintes polarizações: um grupo que queria andar para trás e voltar ao normal; outro grupo abraçando o caos pós-pandemia de gripe espanhola”
As organizações também foram entendendo que era melhor abrir espaço e ‘parceirar’ do que fechar e concorrer, diz Barbara, uma entusiasta do conceito de frenemies – que hoje mais colaboram do que competem. Isso exige uma transformação cultural que faça frente à tentação de retorno ao normal. Amy Webb, CEO do Future Today Institute e palestrante assídua do SXSW, traça um paralelo entre 2020 e 1920. Cem anos atrás, diz Webb, existiam as seguintes polarizações: um grupo que queria andar para trás e voltar ao normal; outro grupo abraçando o caos pós-pandemia de gripe espanhola, pós Primeira Guerra Mundial, e disposto a construir o futuro. Esses grupos viviam em embates, como vemos novamente desde o ano passado.
Esse embate se deu dentro da própria Afferolab, quando a liderança começou a falar em desapegar e redesenhar. “Muita gente ficou zangada. Eram colegas, mas não conseguiam entender o benefício [do redesenho]”. O que a liderança via era uma organização hierárquica, em que as áreas de negócios eram 100% separadas umas das outras. Não estamos falando de um gigante corporativo, mas de uma empresa de 350 funcionários, que vive justamente de identificar e de ensinar as tais habilidades do futuro.
“Na hora de aplicar na vida real, você não sabe como faz acontecer”, nota Barbara. A Afferolab patinou cerca de um ano antes de deslanchar em sua transformação digital, de dois anos para cá. Resultados? Fortalecimento da marca, conversas melhores com clientes igualmente envolvidos em digitalização e metodologias ágeis, mais gente querendo trabalhar na empresa. A operação, segundo ela, vem convidando os profissionais a viver em um cenário no qual podem errar. Barbara vê seus colegas e os consultores da empresa mais maduros e preparados para lidar com imprevistos do que antes.
“Como é que reúno milhares de plataformas, desenho uma teia em meio a isso e permito que a pessoa acesse esse conteúdo no contexto dela, no momento que faz sentido para ela?” — Barbara Olivier
Com a casa arrumada, o momento é de exportar a revolução. Os clientes também estão passando por mudanças na sua estrutura, nos seus times, na sua cultura e mentalidade. E aprender que errar faz parte do jogo. “Nenhum de nós vai pegar pesquisas da Bersin, estudos do Fórum Econômico Mundial, botar para rodar e esperar que funcione”. O que a Afferolab tem feito cada vez mais é desenhar projetos de aprendizagem a partir dos horizontes de inovação da McKinsey. “Horizonte 1” é tudo o que se faz hoje em dia. Por exemplo, LMS (Learning Management System ou Sistema de Gestão de Aprendizagem). “É um negócio que já está aí, a gente sabe como funciona, no máximo vai dar uma melhoradinha.”
O “horizonte 2” tem a ver com o futuro da aprendizagem. Envolve conceitos como aprendizagem no fluxo da vida, no fluxo do trabalho e aprendizagem contínua. Desafio típico: “Como é que reúno milhares de plataformas, elementos, desenho uma teia em meio a isso e permito que a pessoa acesse esse conteúdo no contexto dela, no momento que faz sentido para ela, numa linguagem que tenha a ver com a dela e da organização a que pertence?”.
No “horizonte 3”, a pergunta é: “Como tecnologias que são muito complexas, ainda nebulosas, do tipo blockchain, podem vir a ajudar na aprendizagem de uma maneira ética e humana?”.