O mito da abelha-rainha – quando só há espaço para uma mulher no topo

O estereótipo diz menos sobre mulheres e mais sobre culturas corporativas hostis à liderança feminina

abelha em fundo colorido
Créditos: usgs/ owekiofu/ Unsplash

Ginka Toegel 5 minutos de leitura

A ideia da “abelha-rainha” zune pela vida corporativa há décadas. Você já ouviu a história: uma mulher finalmente rompe o teto de vidro e chega à alta liderança – apenas para, em seguida, impedir que outras mulheres subam também.

Ela é territorial, fria, talvez até hostil. Depois de lutar com unhas e dentes para chegar ao topo, diz a lógica, ela pretende permanecer ali sozinha.

É uma imagem poderosa – e é exatamente por isso que sobreviveu. Ela oferece aos gestores uma explicação simples para a desigualdade de gênero: talvez as mulheres simplesmente não se apoiem. Talvez o problema não seja o sistema; talvez o problema sejam… as mulheres. Mas essa explicação desmorona no instante em que é examinada de perto.

O termo “abelha-rainha” (queen bee, em inglês) foi cunhado por Graham Staines e seus colegas em um artigo de 1973 na revista "Psychology Today". Os pesquisadores observaram um pequeno número de mulheres em altos cargos que pareciam se distanciar de outras mulheres em ambientes fortemente dominados por homens.

Mesmo no estudo original, esse comportamento não era descrito como maldade. Era entendido como adaptação. Essas mulheres navegavam em contextos nos quais havia espaço para exatamente uma delas ter sucesso. Em um mundo de soma zero, estratégias de sobrevivência facilmente parecem frieza.

Nos 50 anos seguintes, o mundo corporativo conseguiu transformar a observação de uma situação em um diagnóstico de personalidade. As pesquisas mais recentes, porém, deixam algo claro: o estereótipo da abelha-rainha diz muito pouco sobre as mulheres – e muito sobre as culturas nas quais elas atuam.

Uma das evidências mais contundentes vem de um estudo de 2024 publicado no "Journal of Business Ethics", que analisou o que acontece quando líderes mulheres se distanciam de outras mulheres.

Crédito: Anton Vierietin/ iStock

A descoberta surpreendente não foi que o distanciamento ocorre, mas quem paga o preço quando isso acontece. Subordinadas relataram menor sensação de pertencimento, menor ambição de liderança e maior intenção de deixar a empresa.

Subordinados homens, por outro lado, não foram afetados. Em outras palavras, quando a cultura pressiona uma líder mulher a “se misturar” ao grupo dominante, o custo é absorvido pelas mulheres abaixo dela.

Os pesquisadores são claros: o distanciamento não nasce da rivalidade, mas da discriminação. Mulheres que vivenciam vieses no início da carreira frequentemente aprendem que alinhar-se à cultura dominante – muitas vezes masculina – é o caminho mais seguro para avançar.

Esse alinhamento pode se manifestar como dureza, hipercompetência ou recusa em orientar mulheres mais jovens, porque lhes foi ensinado que visibilidade é perigosa. Trata-se de uma armadura, não de malícia.

QUANDO A IDENTIDADE VIRA UM FARDO

Uma revisão ampla da literatura, também de 2024, vai além e argumenta que o termo “abelha-rainha” passou a ser tão mal utilizado que hoje obscurece mais do que esclarece.

O termo recomendado é “distanciamento do próprio grupo”, que descreve como membros de qualquer grupo subrepresentado podem se comportar quando sua identidade se torna um risco.

Esse comportamento é amplamente documentado entre minorias raciais, profissionais de primeira geração, funcionários LGBTQ+ – qualquer pessoa que sinta que tem algo a perder ao se associar demais ao próprio grupo. Não é um “problema das mulheres”. É um problema de escassez.

Em empresas com CEOs mulheres, a próxima geração de líderes femininas é maior.

E a escassez é real. Quando líderes me falam de uma “abelha-rainha”, costumo fazer uma única pergunta: “quantas mulheres estão na sala onde as decisões são tomadas?”. A resposta quase sempre é a mesma: uma, talvez duas.

Nesses ambientes, não surpreende que algumas mulheres sintam a pressão de provar que são diferentes do estereótipo da mulher emocional, inexperiente ou inadequada para liderar. O distanciamento se torna uma forma de sinalizar “não sou como elas”. Não é bonito, mas é previsível.

O que raramente é reconhecido é como essas dinâmicas mudam quando as mulheres deixam de ser exceção. Estudos com organizações globais mostram que, quando mulheres ocupam vários cargos de liderança sênior, o incentivo entre mulheres aumenta – não diminui.

Em empresas com CEOs mulheres, a próxima geração de líderes femininas é maior. Os pipelines de liderança são mais saudáveis. E os padrões da chamada abelha-rainha, que tanto preocupam gestores, praticamente desaparecem. Em termos simples: quando as mulheres deixam de ser “a única”, a motivação para o distanciamento evapora.

SEM ESSA DE "ABELHA-RAINHA"

Para entender como isso se manifesta na prática, considere a experiência de uma líder. No início da carreira, ela trabalhou sob a supervisão de uma mulher conhecida por ser dura. Colegas cochichavam que ela era uma clássica abelha-rainha.

Minha cliente também pensava assim, até descobrir que essa líder havia sido repetidamente informada de que era “boa demais” e “pouco decisiva”, críticas que seus colegas homens jamais recebiam.

Ela construiu um estilo de liderança focado em eliminar qualquer traço que pudesse ser interpretado como feminino. Seus padrões elevados não tinham como objetivo sabotar outras mulheres, mas garantir que ninguém questionasse sua competência – ou a delas.

É aqui que muitos gestores erram. Comportamentos que parecem frieza podem, na verdade, ser medo. Comportamentos que parecem competitividade podem ser autoproteção. Quando surgem conflitos entre mulheres, o rótulo de abelha-rainha aparece rapidamente. A história que contamos molda o comportamento que enxergamos.

abelha rainha/ silhueta feminina com colmeia ao fundo
Créditos: Freepik/ Fast Company

Para gestores que desejam uma cultura mais saudável, a tarefa não é eliminar abelhas-rainhas. É remover as condições que as criam.

Isso começa pela representação. Quando há mulheres suficientes em cargos sêniores, a solidariedade se torna mais fácil do que o distanciamento. Mas também exige sistemas de avaliação mais claros, porque critérios vagos dão espaço para estereótipos.

Exige recompensar incentivo e colaboração, não apenas desempenho individual – porque as pessoas investem no que é reconhecido. E exige atenção aos pequenos sinais do dia a dia: quem é interrompido, quem é convidado para reuniões, quem tem seus erros mais criticados.

Quando surgem conflitos entre mulheres, o rótulo de abelha-rainha aparece rapidamente.

Se você acredita que uma líder mulher está agindo como uma abelha-rainha, a primeira pergunta a fazer é: o que nessa cultura fez o distanciamento parecer necessário?

Quando líderes adotam essa abordagem, eles deixam de tratar o comportamento das mulheres como um problema a ser corrigido e passam a tratar a cultura como um sistema a ser redesenhado.

O mito da abelha-rainha persiste porque é simples. Mas ambientes de trabalho não são simples e pessoas, menos ainda. A verdade é bem menos dramática e muito mais útil: quando a colmeia é hostil, as abelhas se protegem. Quando a colmeia é saudável, elas se apoiam.


SOBRE A AUTORA

Ginka Toegel é professora de comportamento organizacional e liderança na IMD Business School e autora de "The Confidence Myth: How Wom... saiba mais