O poder dos generalistas e por que ele importa (mais) agora
Com a inteligência artificial ocupando funções antes vistas como altamente especializadas, o diferencial humano está na capacidade de combinar habilidades e se reinventar

Por muito tempo, a receita do sucesso profissional parecia clara: dominar uma especialidade, virar referência em um campo e construir carreira sobre esse foco. Mas essa lógica já não funciona tão bem. Aprendi cedo que existem dois caminhos possíveis: ser especialista em uma única coisa ou acumular habilidades diversas e aprender a conectá-las.
Foi nessa segunda opção que encontrei força. Tornar-se um profissional movido por habilidades, e não apenas por títulos, é o que garante sobrevivência no futuro do trabalho. O modelo do especialista, tão valorizado no passado, não serve para todos.
Uma pesquisa da McKinsey mostra que 44% dos americanos querem mudar de carreira, mas quase metade diz que a maior barreira é a falta de competências. E não se trata apenas de conhecimento técnico. A lacuna mais crítica está na adaptabilidade. Empresas buscam gente que aprende rápido, veste diferentes chapéus e resolve problemas de forma transversal. Em outras palavras: querem generalistas.
SER “BOM O BASTANTE” EM MUITAS COISAS
Não é sobre ser tudo. É sobre ser suficiente em muitas frentes. Um generalista não precisa dominar cada detalhe, mas ser capaz de cruzar áreas, enxergar conexões e propor soluções que especialistas talvez não vejam. Como lembra David Epstein, autor do livro Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas (GLOBO LIVROS, 2020), “o trabalho moderno exige transferência de conhecimento, a capacidade de aplicar aprendizados a novas situações e domínios”.
Em vez de imaginar uma carreira como uma linha reta, pense em uma canivete suíço: múltiplas ferramentas que, combinadas, tornam a pessoa preparada para a complexidade do ambiente de trabalho.
O PODER DO SKILL STACKING
O segredo está em fazer um “stack” de habilidades e fazê-las conversar entre si. O que torna alguém indispensável raramente é uma única competência. É a combinação. Imagine alguém que entende de escrita, programação e psicologia. Nenhuma dessas habilidades isoladas o colocaria no topo. Mas juntas, essa pessoa pode ser a chave para projetar um aplicativo com interface mais intuitiva, em que a tecnologia conversa com o comportamento humano em cada interação.
O skill stacking aumenta o valor de mercado porque cria um repertório único, mesmo sem a necessidade de atingir a excelência em cada área.
NÃO SE TRATA DE SER “O MELHOR”
Sempre haverá alguém mais especializado em um assunto. Ser generalista é abrir mão da obsessão pelo título de “o melhor” e investir naquilo que importa: ser adaptável, curioso e útil em contextos inesperados. Essa plasticidade é cada vez mais valorizada pelas empresas.
A IA pode escrever códigos mais rápidos que você. Um especialista pode ter mais profundidade em um nicho. Mas ninguém terá exatamente a mesma combinação de habilidades, experiências e perspectivas que você acumulou. É aí que mora a defesa contra a obsolescência.
O GENERALISTA APRENDE SEMPRE
Cada nova habilidade traz um ganho: ensina a aprender de forma mais ágil, a ouvir melhor, a conectar áreas. Com o tempo, o foco deixa de ser cargos ou títulos e passa a ser a construção de um arsenal de ferramentas para lidar com qualquer mudança.
Hoje, talento está em todo lugar. O que diferencia um profissional é a capacidade de aprender e se reinventar. É essa disposição que dá liberdade: de migrar de área, de liderar em novos contextos, de criar relevância em cenários incertos.
COMO CONSTRUIR ESSE CAMINHO
Não rejeite a especialização se algo faz seus olhos brilharem. Mergulhar fundo também pode ser parte do percurso. Mas esteja aberto a erguer pontes entre áreas. Aprenda a escrever com clareza, a pensar criticamente, a apresentar ideias. Desenvolva as chamadas “habilidades de sobrevivência”, aquelas que permanecem mesmo quando os cargos desaparecem ou os títulos mudam.
Mais importante: siga o que desperta curiosidade. Carl Rogers chamava isso de ser uma “pessoa plenamente funcional”, aberta à experiência e em constante evolução. Generalistas não são apenas “faz-tudo”. São mestres da reinvenção.
O DIFERENCIAL HUMANO
Especialistas enxergam árvores. Generalistas veem a floresta e os caminhos possíveis entre uma e outra. Essa combinação de perspectiva e adaptabilidade explica por que empresas valorizam hoje a capacidade de aprendizado acima da expertise fixa.
O futuro do trabalho não será definido pelo que você já sabe, mas pela velocidade com que consegue aprender algo novo e aplicar esse conhecimento. A lição é simples, mas poderosa: não tente vencer a IA sendo mais técnico do que ela. Vença sendo mais humano.