O que é a “decepção estratégica” e por que os líderes deveriam praticá-la mais
Quanto maior o sucesso, maior a chance de frustrar expectativas. Em vez de evitar isso, líderes estão aprendendo a lidar com essa realidade de forma consciente

Quando a Apple decidiu eliminar a entrada para fones de ouvido no iPhone 7, em 2016, a reação foi imediata – e intensa. Críticos chamaram a decisão de “hostil" e "estúpida”. Consumidores fizeram petições. Concorrentes lançaram campanhas zombando da mudança. Mas, hoje, com os fones sem fio dominando o mercado, a escolha da Apple parece mais visionária do que equivocada.
O que ela entendeu – e o que muitos líderes preparados para o futuro acabam aprendendo – é que inovar de verdade muitas vezes exige decepcionar pessoas, de forma intencional e estratégica.
Esse não é o tipo de conselho que costumamos ouvir por aí. Em geral, fala-se em inspirar, buscar consenso, tentar agradar a todos.
Mas, por trás desses discursos bem-intencionados, existe uma verdade desconfortável: quanto maior o impacto, maior a chance de frustrar alguém. Os líderes mais preparados são justamente aqueles que aprendem a lidar com isso de forma consciente.
QUANDO O SUCESSO SE TORNA UMA ARMADILHA DE EXPECTATIVAS
A escritora Rebecca Solnit descreveu bem esse paradoxo. Ao apoiar uma amiga que teve um sucesso inesperado com seu primeiro livro, ela deu um aviso.
“O sucesso vem cheio de fracassos – pelo menos aos olhos dos outros, que começam a querer mais, mais rápido e mais do que você pode entregar. Aí você passa a viver sob uma pressão constante, cercado de expectativas não atendidas.”
Esse tipo de situação é ainda mais comum entre líderes do setor de tecnologia, que muitas vezes precisam tomar decisões antes mesmo de o mercado estar pronto.
Assim que você entrega algo realmente inovador, as pessoas começam a criar expectativas sobre os próximos passos – que, muitas vezes, entram em conflito com a própria inovação que chamou atenção no início.
Um bom exemplo disso é a virada da Netflix, quando a empresa abandonou o modelo de entrega de DVDs para focar no streaming. Em 2011, quando anunciou a mudança, perdeu 800 mil assinantes e viu suas ações despencarem 77%. Hoje, essa mesma decisão é vista como o ponto de virada que garantiu o futuro da empresa.
decepcionar pessoas não é uma falha de liderança. Muitas vezes, é o preço para uma inovação significativa.
Parte do problema está na maneira como entendemos confiança. Daniel Kahneman, psicólogo ganhador do prêmio Nobel, explicou que sentir-se confiante em uma decisão não significa que ela está certa.
"Confiança é apenas uma sensação, que tem mais a ver com o quanto a informação parece coerente e com a facilidade com que nosso cérebro as processa”, apontou Kahneman, considerado o "pai" da economia comportamental.
Ou seja, muitas vezes, nos sentimos confiantes porque a história “faz sentido”, não porque ela está correta. E isso pode ser um risco para líderes, pois decisões aparentemente “seguras” podem apenas refletir o que os outros querem ouvir – e não o que realmente é melhor a longo prazo.
COMO PRATICAR A DECEPÇÃO ESTRATÉGICA
A pesquisadora Tressie McMillan Cottom defende que aprender a lidar com a decepção dos outros é uma habilidade essencial e que vale a pena praticá-la intencionalmente.
Ela sugere um exercício ousado: se proponha a decepcionar pelo menos uma pessoa nas próximas 24 horas. Segundo ela, quanto mais confortável você estiver com esse risco, mais as coisas começam a fluir.
Para líderes, isso pode incluir:
- Entender os diferentes tipos de decepção: saber distinguir entre frustrações que geram crescimento e aquelas que causam danos desnecessários.
- Ter critérios claros para tomar decisões: comunicar com transparência os princípios que guiam suas escolhas, especialmente quando for preciso abrir mão de algo.
- Explicar o “porquê” com visão de longo prazo: justificar decisões impopulares com foco no que elas possibilitam no futuro, e não apenas em ganhos imediatos.
- Desenvolver resiliência emocional: criar formas de lidar com o desconforto de ser criticado ou incompreendido por decisões que você acredita serem certas.
- Medir o impacto real: estabelecer indicadores que avaliem o valor gerado ao longo do tempo, e não apenas satisfação e aprovação no curto prazo.
LIDERANÇA INOVADORA POR MEIO DA DECEPÇÃO ESTRATÉGICA
Quando o CEO da Microsoft, Satya Nadella, decidiu mudar o foco da empresa do Windows para a computação em nuvem e inteligência artificial, muitos ficaram decepcionados.
O Windows era a joia da coroa da Microsoft há décadas. Desenvolvedores, parceiros e até mesmo equipes internas que construíram carreiras em torno do sistema operacional se sentiram traídos por essa mudança
Mas Nadella estava praticando a decepção estratégica. Em vez de tentar agradar a todos os stakeholders no curto prazo, ele decepcionou alguns intencionalmente para posicionar a Microsoft para relevância a longo prazo.

Os resultados falam por si. O valor de mercado da Microsoft aumentou de aproximadamente US$ 300 bilhões quando Nadella assumiu para mais de US$ 3 trilhões hoje, tornando-a uma das empresas mais valiosas do mundo.
Mais importante ainda, essa mudança posicionou a Microsoft como líder em inteligência artificial e computação em nuvem – as mesmas tecnologias que moldam o nosso futuro.
A mudança estratégica de Nadella demonstra uma verdade crucial para líderes preparados para o futuro: decepcionar pessoas não é uma falha de liderança. Muitas vezes, é o preço necessário para uma inovação significativa.
A confiança para adotar a decepção estratégica não vem da certeza de estar certo. Vem da clareza de saber quando agradar agora pode comprometer resultados futuros – e da coragem de escolher o que gera mais impacto, mesmo que isso traga críticas no presente.
Em um mundo que avança rápido demais para certezas absolutas, os líderes mais valiosos serão aqueles que têm coragem de decepcionar conscientemente – e que usam a decepção, quando necessário, como ferramenta para construir algo realmente transformador.