O que os Jetsons acertaram e erraram sobre o trabalho do futuro
Para começar, George Jetson só precisava ir ao escritório duas vezes por semana, durante uma hora por dia
Há 60 anos, chegava ao fim a primeira e única temporada de Os Jetsons. Foram apenas 24 episódios, veiculados pela primeira vez entre setembro de 1962 e março de 1963. Apesar disso, o desenho animado teve grande influência na cultura popular.
Reprisado inúmeras vezes na televisão, ganhou duas novas temporadas (51 episódios) em meados da década de 1980 e virou um longa-metragem em 1990.
Os Jetsons foram criados pelo estúdio Hanna-Barbera. A ideia era fazer uma versão futurista dos Flintstones, que havia sido a primeira série de animação a ser transmitida no horário nobre. Mas, enquanto os Flintstones viviam em uma idade da pedra ficcional, os Jetsons viviam em um futuro muito próximo – em 2062.
Ambos eram programas voltados principalmente para crianças. Os Jetsons não era um exercício sério de futurologia, apenas brincava com ideias sobre o futuro, para fazer rir. Mesmo assim, é um produto cultural interessante, que nos ajuda a entender as expectativas das pessoas sobre a tecnologia e a sociedade.
Entre as tecnologias extravagantes imaginadas pelos roteiristas estão carros voadores, empregadas robóticas, videochamadas, relógios inteligentes, impressora de alimentos e turismo espacial.
Muitas dessas apostas parecem premonitórias, mas também há grandes pontos cegos. Os carros voadores do desenho, por exemplo, ainda precisam ser conduzidos por motoristas.
Há três aspectos, em especial, nos quais os criadores do desenhos erraram feio: o lugar das mulheres no mercado trabalho, onde trabalharíamos e por quanto tempo.
ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO
Assim como os Flintstones, Os Jetsons gira em torno de uma família nuclear na sociedade industrializada de meados do século 20. Ela é composta pelo pai, George (com cerca de 40 anos); sua esposa, Jane (cerca de 33); a filha adolescente, Judy (15), o filho mais novo, Elroy; um cachorro chamado Astro e uma empregada robô (Rosie).
Podemos deduzir que Jane ainda devia ser adolescente quando se tornou mãe. Ela é chefe de uma empresa de reciclagem, mas isso não parece tomar muito do seu tempo. Na maioria das cenas, Jane age como uma dona de casa típica do imaginário norte-americano.
Só que, hoje em dia, esse comportamento é cada vez menos comum. E é improvável que nos próximos 40 anos haja alguma reversão no aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho.
Se o desenho animado tivesse sido feito uma década depois, talvez as previsões que fez para 2062 já fossem influenciadas pelo movimento feminista. No filme de 1990, por exemplo, Jane é uma ativista ambiental. Em uma história em quadrinhos relançada em 2017, ela é uma cientista que trabalha na Estação Espacial Internacional.
JORNADA DE TRABALHO
Uma justificativa para o fato de Jane quase não trabalhar fora de casa é que George também precisa trabalhar muito pouco. Sua função como “operador de índice digital” ocupa apenas dois dias da semana, durante uma hora por dia.
O trabalho consiste em apertar botões para manter um supercomputador atômico chamado RUDI (abreviação de Referential Universal Digital Indexer, ou Indexador Digital Universal de Referência, em tradução livre).
As horas de trabalho de George refletem o otimismo da década de 1960 com os ganhos obtidos pelos trabalhadores na primeira metade do século 20. Foi na década de 1950 que a semana de cinco dias e 40 horas passou a ser a norma.
Os mais otimistas achavam que os ganhos de produtividade com a automação culminariam em uma “sociedade voltada para o lazer”.
Os mais otimistas achavam que a carga horária diminuiria na segunda metade do século e que, até o ano 2000, os ganhos de produtividade com a automação culminariam em uma “sociedade voltada para o lazer”. É claro que essa estimativa não se confirmou. Desde então, houve reduções muito pequenas nas horas de trabalho, e para poucos.
Como observou a economista e socióloga norte-americana Juliet Schor, a ideia de que a tecnologia, por si só, poderia levar a trabalhar menos não considera o sistema econômico no qual o trabalho é feito.
O capitalismo é voltado para o aumento do consumo (e, portanto, dos lucros). A ênfase tem sido, portanto, ganhar mais dinheiro como chave para a felicidade e, portanto, trabalhar ainda mais – não menos.
Podemos perceber que esse dilema está presente até no atual movimento pela semana de quatro dias. Existe a promessa de redução da semana de trabalho de 38 horas e cinco dias para 32 horas e quatro dias, mas desde que a mesma produtividade seja mantida.
Ou seja, a probabilidade de redução significativa nas horas de trabalho para a maioria das pessoas nos próximos 40 anos parece bem pequena.
TRABALHO REMOTO
Mesmo que George só precise trabalhar duas horas por semana, ele ainda tem que ir a um escritório só para apertar botões de lá. Isso reflete o fato de que a internet e a revolução do computador pessoal ainda não tinham ocorrido quando o programa foi lançado. Os futurologistas só começaram a se entusiasmar com as perspectivas do trabalho remoto na década de 1970.
Mas talvez eles não conseguissem imaginar uma alternativa porque essa era uma concepção arraigada: o trabalho era algo que precisava ser feito sob o olhar atento da chefia.
Tal configuração também criava oportunidades para brincar com situações envolvendo o chefe de George, o mal-humorado sr. Spacely, um personagem semelhante ao chefe de Fred Flintstone, sr. Slate, e ao sr. Burns, de Os Simpsons.
Na verdade, a resistência ao trabalho remoto sem supervisão direta dos gerentes era forte até a pandemia de Covid-19 forçar uma mudança cultural.
Onde e quanto trabalharemos no futuro são questões que, sem dúvida, ainda vão depender muito dos rumos da tecnologia. Mas nossas percepções e expectativas sobre o que pode ser conquistado são igualmente importantes.
Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.