O teatro do trabalho e a ilusão da separação
Como a ilusão da separação mantém o absurdo corporativo e bloqueia a consciência

Observe uma reunião corporativa típica. Personalidades artificiais sentam ao redor de uma mesa, cada uma defendendo territórios imaginários, protegendo egos construídos, performando importância para outros performers.
Todos sabem que a reunião poderia ser um e-mail, que as decisões são irrelevantes, que o projeto será eventualmente deixado de lado pelo hype do momento. Mas o ritual continua porque cada “eu” separado precisa justificar sua existência individual.
A arquitetura corporativa – torres de vidro, saguões de mármore, escritórios fechados – materializa fisicamente nossa crença na separação. Cada cubículo é uma célula da prisão que construímos ao acreditar que somos fragmentos isolados lutando pela sobrevivência.
Relatórios, reuniões, cargos, organogramas, tudo isso mantém viva a ficção de que somos fragmentos isolados, quando na realidade expressamos a mesma consciência.
O cansaço de hoje não vem de esforço físico, mas de sustentar identidades artificiais. É esgotante viver 10, 12 horas por dia como se seu “eu profissional” fosse real, como se as tarefas tivessem significado intrínseco, como se fosse preciso defender um território que nunca existiu.
As empresas vivem um processo parecido com a secularização das religiões: abandonamos a fé nos rituais, mas seguimos presos à crença que os sustentava. Já não acreditamos que reuniões e relatórios tenham importância, mas ainda insistimos que somos indivíduos isolados competindo pela sobrevivência.
Como David Graeber observou em seu livro “Bullshit Jobs”, evoluímos para ecossistemas inteiros de absurdo mútuo. Mas a raiz desta patologia não está nas estruturas econômicas, está na crença fundamental de que somos seres separados uns dos outros e da realidade.
Alguns começam a ver isso. São os hereges corporativos, aqueles que cumprem seus papéis sem se confundir com eles, que usam os recursos do sistema para criar algo genuíno e que reconhecem colegas não como rivais, mas como expressões da mesma consciência. Poucos, muito poucos ainda, mas já começam a aparecer.

Estes pioneiros descobrem que quando você para de defender um "eu" separado, o jogo de cena do trabalho torna-se menos exaustivo. Não há mais energia sendo desperdiçada mantendo fronteiras imaginárias ou protegendo territórios que nunca foram reais.
Quando essa percepção se instala, o teatro perde força, porque não há mais energia sendo gasta para proteger fronteiras imaginárias.
Todas as tentativas de reformar o sistema mantendo a premissa da separação estão condenadas. Benefícios, home office, discursos de propósito – tudo continua partindo da mesma ilusão: a de que somos indivíduos isolados que precisam ser motivados e geridos.
SEM ENCENAÇÃO NO TEATRO DO TRABALHO
A única transformação real começa quando vemos que não somos pessoas competindo, mas uma única Consciência se experimentando em diferentes formas.
Nesse instante, a competição perde sentido, a hierarquia se revela absurda e a colaboração acontece sem esforço. Empresas formadas por pessoas que vivem essa clareza não precisam de protocolos sofisticados, porque a própria base da disfunção desapareceu.
O teatro corporativo só existe enquanto acreditamos nos personagens. Quando reconhecemos que somos a Consciência que interpreta todos os papéis, a encenação se dissolve e o trabalho pode finalmente deixar de ser um fardo sem sentido.
Todas as tentativas de reformar o sistema mantendo a premissa da separação estão condenadas.
No fundo, é o medo que mantém o teatro de pé: medo de perder poder, de deixar de ser influente, de não ser mais reconhecido, de ser visto como irrelevante. O medo funciona como cimento invisível da separação, aprisionando líderes e profissionais em papéis frágeis que precisam ser defendidos a cada instante.
Enquanto o medo ocupa os espaços, a energia vital é desperdiçada na manutenção de personagens que nunca existiram de fato. Ver esse mecanismo com clareza não significa negar o trabalho ou a liderança, mas sim libertá-los da necessidade de máscaras, permitindo que sejam vividos de outro lugar, sem a defesa constante de uma ilusão.
O verdadeiro desafio não é liderar os outros, mas ter a coragem de desmascarar o próprio medo. Liderança é uma ideia, não um indivíduo.