Para que discutir? Aprenda como debater de forma racional e produtiva

Só depois de compreendermos o outro lado de qualquer questão é que podemos ter a certeza de que compreendemos plenamente o nosso

Crédito: Meeko Media/ iStock

Yonason Goldson 5 minutos de leitura

Você se lembra da última vez em que se meteu em uma discussão com uma criança de seis anos? Lembra-se de ter uma discussão com um adulto que raciocina como uma criança de seis anos? Pode ter soado mais ou menos assim:

"Isso não faz sentido!"

"Faz sim!"

"Mas isso nem sequer é um argumento."

"É sim!"

"Não, não é. Um argumento é uma série de afirmações conectadas, que no fim vão estabelecer uma proposição."

"Não, não é!"

"É, sim! Não é só dizer 'não, não é'."

"É sim!"

"Não, não é! Uma discussão é um processo intelectual. A contradição é apenas a negação automática de tudo o que a outra pessoa diz."

"Não é!"

Se você não é do tempo dos esquetes do grupo Monty Python (e mesmo que seja), dê uma paradinha e assista o esquete “The Argument Clinic” (Clínica de Discussão, em tradução livre). São quatro minutos de pura sátira, que vão fazer você rir e se identificar com alguma das situações apresentadas.

Até não muito tempo atrás, o debate político envolvia usar a razão dentro de um contexto baseado em fatos, em busca de uma compreensão verdadeira. Hoje em dia, o método preferido consiste em escolher fatos convenientes (ou simplesmente inventá-los) e depois usá-los de forma depreciativa ou sarcástica para atacar os adversários.

Fazer isso é mais fácil do que elaborar um raciocínio coerente para refutar uma posição contrária. Mas pouco contribui para fazer avançar a compreensão ou promover a clareza de pensamento. A arte da elegância silogística, que vem desaparecendo rapidamente, dá voz à mais recente adição ao Léxico Ético:

Quodlibet (quod-li-bet) substantivo - Argumento sutil ou elaborado, frequentemente sobre um assunto filosófico ou teológico; combinação extravagante de composições musicais que consiste em duas ou mais melodias independentes e harmonicamente complementares.

Poucas questões dignas de debate são só preto e branco. É sempre tentador reduzir questões a escolhas binárias entre certo e errado, bom e mau. Mas, em última análise, isso é autodestrutivo. O pensamento binário desencoraja o raciocínio complexo, ao mesmo tempo em que incentiva a superficialidade e a distorção.

PODEMOS CONCORDAR EM DISCORDAR

A segunda definição de "quodlibet" é particularmente instrutiva. A música é construída na harmonia, na fusão de componentes complementares em um todo contínuo. Avançar um passo além, integrando dois ou mais temas totalmente independentes, adiciona um elemento inesperado. A graça surge dessa justaposição imprevista.

Talvez seja por isso que a predisposição da sociedade moderna em simplificar todo debate em "ou isso, ou aquilo" coincida com nossa perda coletiva de senso de humor. Comediantes geralmente encontram humor desafiando limites e ultrapassando barreiras sociais.

O simples processo de ouvir respeitosamente e reformular ideias que não nos são familiares ajuda a entender melhor nossas próprias posições.

É bem verdade que, às vezes, eles vão longe demais. Mas cada vez mais comediantes lamentam que até mesmo ligeiras derrapadas no “politicamente incorreto” geram ondas de cancelamento e pedidos de censura. Cresce a visão de que a redução da nossa capacidade de perceber nuances e de entender contextos está destruindo o senso de humor.

Já é ruim o suficiente quando a simplificação excessiva define o mundo da política. Ainda pior é a maneira como o posicionamento político se infiltrou em nossa vida pessoal e profissional.

O modo como olhamos para o mundo tem muito a ver com nossos traços de personalidade. As pessoas com um alto grau de abertura são mais propensas a adotar perspectivas liberais, enquanto aqueles mais cuidadosos e diligentes tendem a ser mais conservadores do ponto de vista político.

Aplicado aos negócios, é provável que o primeiro grupo prefira novidade, experimentação e tomada de riscos, enquanto o segundo adote uma abordagem mais segura, tradicional e testada pelo tempo.

ADVOGADO DO DIABO

O pensamento racional frequentemente exige ter em mente duas ideias concorrentes ou contraditórias ao mesmo tempo. Roubar é errado, exceto talvez para salvar uma vida. Mentir é errado, mas talvez não quando a verdade pode causar mais mal do que bem. Fofocar é errado, exceto quando compartilhar informações se torna essencial para prevenir danos.

É por isso que advogados e legisladores bem-sucedidos fazem resumos ou documentos antecipando os argumentos da oposição. Também é por isso que executivos de negócios são aconselhados a escolher um “advogado do diabo”, alguém cuja tarefa é encontrar falhas em investimentos e empreendimentos propostos.

Somente quando entendemos o outro lado de qualquer questão podemos ter confiança de que compreendemos plenamente o nosso próprio lado. Quando admitimos o quanto somos propensos a ser irracionais e a nos defender a qualquer custo, nos tornamos mais dispostos a considerar perspectivas que nos parecem contraintuitivas e a dar uma chance justa de ouvir opiniões diferentes das nossas.

É sempre tentador reduzir questões a escolhas binárias entre certo e errado, bom e mau. Mas, em última análise, isso é autodestrutivo.

O simples processo de ouvir respeitosamente e reformular ideias que não nos são familiares ajuda a entender melhor nossas próprias posições, para que possamos avaliar quão sólidas elas são. Isso também pode amenizar o clima, chamando a atenção para a tensão irônica de duas propostas diferentes, cada uma delas com lógica e mérito para apoiá-la.

Quando usamos o argumento como uma arma, cada desacordo se transforma em uma guerra santa, na qual não há comprometimento, não há convergência de ideias, não existe outro lado da questão. Não há espaço para o humor, que é o elemento que torna as interações sociais mais suaves e faz com que tudo corra com mais leveza.

O melhor jeito para recuperar a nuance e o contexto é agir com humildade. Será realmente tão assustador admitir que talvez não tenhamos o monopólio da verdade, que podem nos faltar informações importantes, que opiniões contrárias podem ter mérito?

Ao empregar o "quodlibet" para formular ideias com integridade intelectual, nos beneficiaremos da diversidade de pensamento que é, sem dúvida, o recurso mais precioso para fazer avançar o sucesso de qualquer comunidade.


SOBRE O AUTOR

Yonason Goldson é autor, apresentador de podcast e palestrante do TEDx. saiba mais