Por que as mulheres são mais relutantes em adotar IA no trabalho
Estudos revelam que a diferença de gênero persiste em todas as regiões, setores e profissões

Como profissional de tecnologia, acompanhei diversas ondas de inovação que transformaram o mundo dos negócios e mudaram profundamente a forma como trabalhamos. Agora, com a inteligência artificial se consolidando como a próxima grande revolução, o mercado global está passando a exigir novas habilidades e competências.
O que tem chamado atenção é que muitas mulheres estão adotando uma postura mais cautelosa diante dessa transformação. Elas reconhecem os benefícios da IA, mas também ponderam sobre os riscos envolvidos.
Esse cuidado pode estar afastando algumas delas do uso da tecnologia no trabalho – seja por receio de prejudicar sua imagem ou pelo medo de julgamentos mais severos que coloquem sua competência em dúvida.
Uma pesquisa recente conduzida por Rembrand Koning, professor associado da Harvard Business School, mostra que mulheres usam IA, em média, 25% menos do que os homens.
O estudo reuniu dados de 18 pesquisas, com mais de 140 mil participantes de todo mundo, além de estimativas sobre o perfil de gênero dos milhões de usuários de plataformas de IA generativa. O resultado é claro: essa diferença persiste independentemente da região, setor ou profissão analisada.
Embora a pesquisa destaque a importância de reduzir essa disparidade – tanto para o crescimento dos negócios quanto para o desenvolvimento de tecnologias mais justas e inclusivas –, é fundamental entender melhor o que está por trás dessa resistência.
A seguir, exploramos alguns dos fatores éticos, reputacionais e estruturais que ajudam a explicar por que tantas mulheres ainda hesitam em adotar a IA no ambiente profissional – e o que as empresas podem fazer para mudar esse cenário.
PREOCUPAÇÕES ÉTICAS
Estudos indicam que as mulheres tendem a ser mais cautelosas do que os homens ao usar tecnologias baseadas em inteligência artificial, levando em conta princípios como ética, transparência, responsabilidade, explicabilidade e justiça.
Com a entrada de mais mulheres especialistas em ética e políticas públicas no setor de IA, crescem também as discussões sobre questões como viés algorítmico, privacidade de dados e possíveis efeitos colaterais negativos do uso dessas ferramentas.
as organizações devem garantir que as mulheres estejam presentes em todas as conversas sobre IA.
Muitas dessas profissionais sentem que têm uma responsabilidade ainda maior em buscar respostas antes de adotar soluções tecnológicas inovadoras.
Casos recentes reforçaram essa preocupação. A demissão da pesquisadora Timnit Gebru, que liderava a equipe de ética em IA do Google, após se recusar a retirar um artigo científico que apontava riscos nos modelos de linguagem avançados, teve repercussão mundial.
Pouco tempo depois, Margaret Mitchell também foi desligada da empresa por apoiar Gebru e levantar preocupações semelhantes. Esses episódios deixaram um recado claro: denunciar os riscos da inteligência artificial pode custar caro profissionalmente.
MEDO DE JULGAMENTOS
Além das questões éticas, muitas mulheres também temem serem julgadas por usar IA no trabalho. Elas enfrentam, com frequência, expectativas mais altas em relação às suas competências técnicas e desempenho. P
or isso, há o receio de que recorrer à inteligência artificial seja visto como uma forma de “facilitar demais” o trabalho – ou, pior, como sinal de despreparo.

Esse tipo de julgamento se intensifica quando os erros gerados pelas ferramentas de IA acabam sendo atribuídos a quem as utilizou, alimentando a ideia de que a pessoa não sabia o que estava fazendo. E tudo isso acontece em um cenário já marcado por desigualdades estruturais.
Muitos modelos de inteligência artificial são treinados com dados que não refletem adequadamente a vivência feminina no mercado de trabalho. Isso reforça a sensação de que essas tecnologias não foram feitas para elas. Além disso, a falta de diversidade nas equipes que criam essas soluções acaba dificultando ainda mais a inclusão.
SEGURANÇA PARA MULHERES QUE USAM IA
As consequências dessa exclusão vão muito além de um simples desconforto. Ferramentas mal desenvolvidas podem reproduzir estereótipos de gênero e aprofundar desigualdades – especialmente em áreas críticas, como processos seletivos, avaliações de desempenho e promoções.
Um exemplo claro são ferramentas de recrutamento treinadas com dados históricos que acabam excluindo candidatas mulheres de cargos de liderança simplesmente porque esses postos, no passado, foram majoritariamente ocupados por homens. Isso só aumenta ainda mais a lacuna que tantas empresas dizem querer reduzir.
Além das questões éticas, muitas mulheres também temem serem julgadas por usar IA no trabalho.
Para que mais mulheres se sintam seguras ao usar ferramentas de IA no trabalho, as empresas precisam garantir um ambiente que promova tanto segurança quanto liberdade para experimentar novas tecnologias. É essencial cultivar uma cultura de segurança psicológica na qual seja possível levantar questões, propor melhorias e testar soluções sem medo de retaliações.
Mais do que isso, as organizações devem garantir que as mulheres estejam presentes em todas as conversas sobre inteligência artificial. Diversidade de perspectivas é crucial para identificar falhas e pontos cegos – e, ao fazer isso, as empresas também mostram, na prática, que representatividade importa.
Quando mulheres veem outras mulheres liderando o uso da IA com ética, responsabilidade e impacto real, elas se sentem mais confiantes e motivadas a participar desse movimento.