Por que exigências de retorno ao trabalho presencial são um tiro pela culatra
Especialistas apontam que empresas que exigem o retorno ao esquema presencial correm o risco de perder seus principais talentos

Em 2025, Amazon, Dell, Apple, Google, IBM, Meta, Salesforce e dezenas de outras companhias reforçaram a exigência para que funcionários retornem ao esquema presencial ao menos três vezes por semana, quando não todos os cinco dias. E estão conseguindo exatamente o que querem.
Quando se diz “exatamente o que querem”, poderia se imaginar trabalhadores felizes voltando aos deslocamentos diários, rodovias congestionadas, escritórios claustrofóbicos, interrupções constantes e gastos extras – tudo recompensado por um ganho expressivo de produtividade.
Só que isso não está acontecendo. E quanto mais o cenário se prolonga, mais evidente fica o “teatro da produtividade”. A verdade é que a ciência ainda não chegou a uma conclusão definitiva sobre essa questão.
Para especialistas com décadas de experiência, o ponto não é saber se as pessoas produzem mais em casa, mas se as empresas podem se dar ao luxo de perder seus melhores talentos por causa disso.
No mercado norte-americano, neste momento, profissionais de tecnologia estão desesperados. As empresas sabem disso. É por isso que a Amazon pode exigir cinco dias presenciais e conseguir com que os trabalhadores concordem, em vez de pedir demissão.
Mas o mercado de trabalho não é estático, nem nunca foi. Ele oscila a cada poucos anos. Em 2022, por exemplo, empresas nos EUA imploravam por candidatos; entrevistas eram ignoradas. O cenário era o oposto.
Observando a história recente, especialistas argumentam que muitas empresas que exigem o retorno ao presencial estão, na prática, redigindo cartas de demissão antecipadas de seus principais talentos – que serão usadas no momento em que o mercado de tecnologia deixar de ser tão desfavorável aos profissionais.
COMO VOLTAMOS AO ESQUEMA PRESENCIAL
É irônico que o trabalho remoto tenha se acelerado a partir de outro tipo de imposição: ficar em casa durante boa parte de 2020 e 2021, por conta da pandemia de Covid-19. Com o fim das restrições sanitárias, em 2022, a convocação para o retorno ao trabalho presencial foi recebida com resistência inesperada.
“Não, obrigado. Estamos mais produtivos, nosso equilíbrio entre vida pessoal e profissional é melhor, nos sentimos melhor – e, de toda forma, vocês disseram que a gente podia”, foi a atitude mais comum.
A reação chegou ao auge em 2024, quando muitos funcionários da Dell preferiram prejudicar suas perspectivas de crescimento na empresa a retornar ao escritório. “Tudo bem. Podemos fazer um trabalho melhor com mais conforto. Aliás, nos mudamos para a Nova Zelândia.”

A situação beirou o ridículo. E as corporações de tecnologia não encararam tudo passivamente. Para os empregadores, funcionários precisavam voltar porque… sempre foi assim. Importa que, em um mundo digital pós-pandemia, proximidade física seja cada vez menos relevante? Não.
Conforme as empresas endureciam o discurso, especialistas alertavam para o senso comum: problemas para atrair talentos, queda de moral e de produtividade poderiam, no longo prazo, superar quaisquer perdas relacionadas a espaços físicos.
o ponto é saber se as empresas podem se dar ao luxo de perder seus melhores talentos por causa do esquema presencial.
Ainda assim, o setor tentou outra abordagem. A suposição equivocada passou a ser que os funcionários mais resistentes ao esquema presencial eram justamente aqueles de quem a empresa poderia abrir mão. Voltar ao escritório tornou-se um mecanismo natural de triagem.
Funcionou – até certo ponto. Os contestadores foram embora, alguns batendo a porta na saída. Mas os acomodados que ficaram começaram a performar menos e a apenas “parecer” ocupados. O restante da força de trabalho se preparava para uma revolta.
Foi então que as empresas foram salvas pelo pior mercado de trabalho em tecnologia da história dos EUA. Quando há mais candidatos do que vagas, os empregadores podem exigir até que se cante um hino de lealdade à empresa todo de manha que a equipe vai tratar de preparar a voz.
O QUE O FUTURO NOS RESERVA
Produtividade está nos olhos de quem avalia. Em funções que exigem criatividade, inovação ou tomada de decisão, não há métricas estáveis que provem uma relação direta entre presença física e desempenho.
Sem indicadores definitivos, resta observar a evolução. Ela não chega com panfletos explicativos. Não avisa sua próxima fase. Ela simplesmente acontece. É preciso acompanhar ou ficar para trás.
Se não foi possível perceber previamente que a internet havia tornado irrelevante a proximidade física em todas as situações em que não é obrigatória (como cirurgias, construção civil ou transporte, por exemplo), os lockdowns ajudaram a esfregar essa realidade na nossa cara.

Como argumento da evolução, a discussão sobre produtividade perde sentido – o mesmo já aconteceu quando se questionava se deveria ser obrigatório usar terno ou saia no trabalho.
Em 2022, esperava-se que, a esta altura, o mercado tivesse se recuperado. Não foi o caso, o que deu confiança às empresas para aproveitar o poder que possuem sobre empregos escassos. Mas um dia as coisas mudam.
Para os empregadores, funcionários precisavam voltar porque… sempre foi assim.
Quando isso acontecer, vão surgir perguntas incômodas: “por que estou em uma videoconferência com alguém que está a poucos metros de mim?”; “por que só podemos contratar quem vive a no máximo duas horas de um dos metros quadrados mais caros do país?”; “por que estou usando terno de três peças, chapéu e relógio de bolso? Sou administrador de banco de dados”.
Quando o funcionário recupera o poder, tais exigências deixam de fazer sentido. E as mesmas empresas que hoje impõem o retorno presencial poderão ser obrigadas a oferecer trabalho remoto para competir por talentos valiosos.
Assim, elas vão acabar voltando ao ponto de partida, enquanto os melhores profissionais migram para companhias que enxergam o trabalho remoto como evolução e criam soluções híbridas sem conflito.