Por que os críticos declarados do trabalho remoto estão errados

É possível que as empresas construam culturas fortes, mesmo sem encontros presenciais, defende este CEO de tecnologia

Crédito: Ken Tomita/ Pexels/ rawpixel.com

Bjorn Reynolds 5 minutos de leitura

Eu costumava pensar como o jornalista Malcolm Gladwell, que tem um pé atrás com o trabalho remoto: como alguém pode querer ficar o dia inteiro em casa de pijama? Com certeza, trabalhadores remotos perderiam o “sentimento de pertencimento” e não “se sentiriam mais necessários”.

Apesar de trabalhar do seu sofá e de cafés, Gladwell escreveu, em um artigo para a CNBC, que os escritórios são realmente importantes”, especialmente para “o trabalho colaborativo e criativo” – para não ser acusado de hipocrisia. 

Mas, depois, veio a Covid-19. Empresas de todo o mundo fecharam escritórios e todos tiveram que trabalhar em casa. Para minha surpresa, nossos funcionários se saíram muito bem. A produtividade nunca foi impactada. Sem precisar enfrentar duas horas de trânsito, as equipes puderam experimentar um equilíbrio diferente na vida. Muitas pessoas pareciam mais felizes, apesar da triste situação global.

Em agosto de 2021, quando entrevistamos nosso pessoal para uma pesquisa sobre trabalho remoto, apenas 2% queriam voltar ao escritório em tempo integral (admito, eu fazia parte desses 2%). Será que meus colegas – profissionais talentosos e trabalhadores – não sabem o que é de seu “melhor interesse”?

Todo esse entusiasmo pelo trabalho remoto desafiou a equipe de liderança a não apenas aceitar o trabalho remoto, mas a testar todo o seu potencial. Talvez não entendamos o trabalho e a cultura remotos tão bem quanto pensávamos.

UMA CULTURA SEM LUGAR

Antes da pandemia, eu achava que uma cultura corporativa forte dependia da união presencial. Teríamos que trabalhar, rir e brincar juntos para criar um ambiente que os funcionários adorariam. As chamadas de Zoom e o Slack não conseguiriam criar a mesma sinergia. Embora muitos CEOs continuem preocupados com a cultura remota, os últimos dois anos mostraram que seus medos estavam equivocados.

Em novembro de 2019, a plataforma de gerenciamento de mídia social Buffer, uma empresa apenas remota, realizou sua terceira pesquisa anual State of Remote Work (O estado do trabalho remoto): 20% dos entrevistados afirmaram que a colaboração e a comunicação eram sua maior dificuldade em trabalhar remotamente, enquanto outros 20% citaram a solidão.

Embora muitos CEOs continuem preocupados com a cultura remota, os últimos dois anos mostraram que seus medos estavam equivocados.

Após dois anos de trabalho remoto por causa da pandemia, a solidão continuou sendo um dos principais problemas (24%), perdendo apenas para a dificuldade de se desconectar (25%).

Não, Gladwell não estava louco. A pesquisa também sugere que a coesão de um grupo acontece mais facilmente em ambientes presenciais. O trabalho remoto pode, inclusive, fazer com que “a rede de colaboração dos trabalhadores se torne mais estática e isolada”, como descobriu um estudo dos funcionários da Microsoft. Mesmo assim, as pessoas não parecem convencidas. Em 2020 e 2022, 97% dos entrevistados do Buffer disseram que recomendam o trabalho remoto.

Conceitos abstratos como colaboração, cultura e pertencimento não são necessariamente definidos da mesma forma por todos. Em agosto de 2020, a Gallup descobriu que cerca de 60% dos funcionários, sejam virtuais ou presenciais, não conseguiam afirmar com certeza se sabiam os valores que sua empresa representa.

Mas o que isso quer dizer, afinal!? Pergunte às pessoas o que sua nação, religião ou família representa e você receberá respostas diversas. Mas a nossa busca por ligações amplas e espontâneas entre trabalho remoto e cultura empresarial não está gerando respostas tão óbvias.

ALGUNS PONTOS CEGOS

Minhas críticas não significam que os pesquisadores fizeram um trabalho ruim – pelo contrário, ele é bastante informativo. A questão é que, se estudarmos o trabalho remoto através de uma lente muito superficial, teremos dificuldade para enxergar as diferenças que importam: as próprias pessoas.

Após dois anos de trabalho remoto por causa da pandemia, a solidão continuou sendo um dos principais problemas, perdendo apenas para a dificuldade de se desconectar.

Em primeiro lugar, os estudos de trabalho remoto não comparam as diferenças entre cada organização. Algumas empresas fizeram um excelente trabalho ao facilitar a cultura remota. Outras implementaram sistemas distópicos de vigilância, por medo da perda de produtividade.

Em segundo lugar, os estudos não consideram como a localização e o contexto afetam as percepções do trabalho remoto. Se, durante a pandemia, uma pessoa tiver ficado trancada em um apartamento em Nova York com três colegas de quarto, ela teve uma experiência muito diferente de outra pessoa que mora sozinha em uma cidade pequena, com escritório em casa e espaço verde.

Terceiro: não sabemos muitos detalhes sobre os próprios funcionários. Os trabalhadores remotos são mais seniores ou mais propensos a receber um salário maior? Os funcionários internos ou híbridos vão para o escritório por opção? Ou são obrigados?

As pessoas que trabalharam em casa durante a Covid-19 e perderam essa autonomia não ficaram felizes com isso, como o caso da Apple tem demonstrado atualmente. Não importa quão benéfico seja conviver pessoalmente, forçar os trabalhadores a fazer isso só vai azedar a cultura.

O QUE O TRABALHO REMOTO REPRESENTA

Esses estudos e experiências iniciais me levaram a construir

As pessoas que trabalharam em casa durante a Covid-19 e perderam essa autonomia não ficaram felizes.

uma hipótese: o trabalho remoto representa autonomia e flexibilidade. Talvez as equipes remotas que estão enfrentando dificuldades não tenham autonomia suficiente para escolher suas ferramentas ou criar um cronograma que faça sentido.

Como resultado, um engenheiro em Hong Kong forçado a participar de videochamadas às 3 da manhã, por exemplo, não se sentirá bem com a cultura, a comunicação e a colaboração. 

Mas não vamos confundir microgerenciamento com cultura baseada no modelo presencial. Não deve surpreender ninguém, nem mesmo Gladwell, que o trabalho remoto tenha conquistado aqueles que trabalham com produção de conhecimento.

O que nos surpreende é que os líderes acreditem que conhecem os segredos de uma cultura empresarial forte, e que esses segredos só se aplicam aos escritórios.

As pessoas vão sempre se virar de acordo com o poder que você investir nelas, onde quer que estejam. A opção entre trabalho remoto ou híbrido geralmente melhora a percepção da cultura, dando aos funcionários a flexibilidade de trabalhar de qualquer maneira – quando, onde e como quiserem.


SOBRE O AUTOR

Bjorn Reynolds é o CEO da Safeguard Global, plataforma de gestão que oferece soluções de outsourcing de folha de pagamento e RH. saiba mais