Por que se candidatar a um emprego online virou um labirinto sem saída?
Essa é a história de Sam, mas não apenas de Sam… Quem procura por vagas online está chegando no seu limite

“É isso, Joe, já me candidatei a todas as vagas que existem.” Foi assim que Sam me deu a notícia. Não consegui me conter e caí na risada.
Contextualizando: Sam é ex-vice-presidente de produto e construiu sua carreira em gestão de projetos, subindo de cargo até se tornar uma alta executiva. Ela foi demitida no fim do ano passado e, até hoje, não encontrou emprego.
Mas Sam não é como a maioria. Ela é uma “máquina”. Nunca programou, mas entende como poucos a lógica de um desenvolvedor e como transformar isso em um produto de sucesso – incluindo infraestrutura, segurança, metodologias ágeis, garantia de qualidade e tudo o que é necessário transformar códigos em fonte de receita.
Ela mesma diz que “não é uma pessoa de ideias”. Ela executa, com precisão cirúrgica. E, quando decide mudar de emprego, faz isso do jeito mais estratégico possível: usando todos os recursos possíveis, de forma otimizada, sem se desviar um milímetro de seu objetivo.
Mesmo assim, em seis meses de intensa busca, percebeu que já havia se candidatado a todas as vagas para as quais tem alguma qualificação. Todas. Nenhuma descrição sem ser analisada, nenhuma empresa sem ser pesquisada, nenhum contato deixado de lado. Foi então que me chamou para um café.
Exageros à parte, ela enviou currículo para centenas de vagas – talvez mais de 500, segundo suas contas. Passou por dezenas de triagens e, com certeza, mais de 50 entrevistas. Aqui está tudo o que aprendeu:
“ESSE PAPO DE CURRÍCULO COMPATÍVEL COM ATS É UMA BOBAGEM”
Palavras dela. Mas eu concordo.
Assim que ficou desempregada, Sam entrou na onda dos currículos otimizados para ATS (sistemas automáticos de triagem), porque sabia que a empresa na qual trabalhava antes já usava IA para isso há mais de um ano.
“Demorei um mês para perceber que estava atirando no escuro”, contou. “Cada empresa faz a triagem de um jeito. Não existe um formato universal.”
As respostas que recebia vinham, em geral, de empresas nas quais ela nem queria trabalhar, com salários baixos e cultura fraca. E quase sempre, a etapa seguinte era uma sequência de entrevistas “para sentir o clima”. Conversas descontraídas com jovens do RH, seguidas de um e-mail padrão de recusa uma semana depois.
“Estava perdendo tempo e precisava sair daquele ciclo”, disse. Então refez seu currículo para falar diretamente com a pessoa que ela queria que a contratasse. Resultado: contatos iniciais mais relevantes.
NÃO EXISTE MAIS MEIO-TERMO
Sam se inscreveu em tudo que era possível. Com quase 20 anos de experiência, se candidatou tanto para vagas de nível intermediário (que pediam cinco anos de experiência) quanto para cargos executivos, que seriam seu próximo passo natural.
“Quinze anos é o máximo que eles colocam na descrição de vaga”, disse, rindo. “O que isso te diz?”
Ela adaptava currículo e carta para cada vaga, escolhendo o que incluir para não “assustar” o recrutador. Mas percebeu que grande parte delas era para cargos “logo acima do nível inicial” – buscando profissionais já treinados, mas ainda baratos – e um número razoável de cargos de direção, menos operacionais.
Pelos relatos, os executivos agora têm menos foco em gestão e mais em vendas. Todo o resto, segundo ela, está sendo feito por IA.
AS “VAGAS DE IA” SÃO TÃO RASAS QUANTO PARECEM
“No começo, nem cogitei me candidatar para vagas de IA, já que não tenho experiência técnica na área. Mas depois de ler a descrição de alguns anúncios, pensei: ‘ah, eu sei usar o ChatGPT’, e mandei currículo para algumas. Recebi resposta.”
Segundo Sam, fora os cargos realmente técnicos, a maioria dessas vagas é basicamente para alguém usar IA generativa para deixar documentos e apresentações “mais bonitos”. Confesso que não fico surpreso.
OS SALÁRIOS ESTÃO DIMINUINDO
“Não anotei nada, mas juro: há seis meses, as vagas no meu nível pagavam de US$ 250 mil a US$ 300 mil por ano. Agora, pagam entre US$ 180 mil a US$ 220 mil.”
Com as incertezas econômicas e candidatos cada vez mais desesperados, isso era inevitável.
EXPERIÊNCIA EM BIG TECHS VIROU PRÉ-REQUISITO
Sam confirma algo que eu já tinha comentado: muitas empresas estão exigindo experiência em big techs.
Anos atrás, ela trabalhou por um curto período em uma gigante de tecnologia avaliada em bilhões. Hoje, essa experiência é sempre o primeiro assunto nas entrevistas.
OS INVESTIDORES ESTÃO DECIDINDO CONTRATAÇÕES
Quando perguntei sobre isso, os olhos de Sam brilharam. “Aconteceu comigo três vezes: tudo ia bem até que, pouco antes da contratação, me colocavam para conversar com um investidor ou alguém do fundo de capital privado… e então, nada feito.” diz ela.
Já estive do outro lado e posso confirmar que os investidores, de fato, estão se envolvendo mais nos processos de contratação.
FALTA DE CONFIANÇA
Se tivesse que resumir toda essa longa conversa, diria que o ponto-chave é a falta de confiança.
Não há confiança nos processos de triagem, na alocação de talentos, nem mesmo na decisão final de contratação. Ninguém sabe ao certo o que está acontecendo ou como corrigir.
Para Sam, o mercado todo está assim. Fora alguns golpes de sorte e bons contatos, não há um caminho certo a seguir.
“E então, um dia, abri o notebook e não tinha nada para fazer. Percebi que já tinha visto todas as vagas, atualizado toda a planilha de networking… Foi assustador”, lembra ela.
Dias depois, Sam me escreveu dizendo que começaram a surgir novas oportunidades e que sua rede de contatos estava se movimentando de novo. Quero acreditar que seja apenas uma fase – uma pausa necessária enquanto as empresas tentam entender o que está errado e como consertar.
Este artigo foi publicado originalmente na “Inc.”, publicação parceira da Fast Company.