Psicobaboseira: 5 mitos sobre saúde mental que está na hora de desfazer

Novo livro desmonta mitos populares da cultura terapêutica e alerta: nem todo sofrimento é trauma, nem toda resposta está no divã

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Joe Nucci 4 minutos de leitura

"Psicobaboseira" substitui equívocos sobre saúde mental por verdades libertadoras que ajudam leitores a evitar desinformação, participar em debates importantes do campo da psicologia e conduzir melhor suas próprias jornadas terapêuticas.

O problema não é que a terapia tenha se tornado mainstream, mas sim que alguns pressupostos que absorvemos da chamada “cultura da terapia” estão, na verdade, nos impedindo de sarar, crescer e resolver nossos problemas.

O psicoterapeuta Joe Nucci apresenta cinco lições fundamentais em seu novo livro "Psychobabble: Viral Mental Health Myths & the Truths to Set You Free" (em tradução livre, “Psicobaboseira: mitos virais sobre saúde mental e as verdades que vão te libertar”).

1. A psicoterapia trata doenças mentais, não “problemas da vida”

A terapia funciona, mas não funciona para tudo. À medida que a saúde mental foi vencendo o preconceito, passamos a acreditar que a terapia poderia ser aplicada a mais do que doenças mentais.

Passamos a pensar que ela poderia nos transformar no parceiro ideal, no pai ou mãe perfeito, ou garantir conforto psicológico profundo em todos os aspectos da vida.

Acontece que não existe pílula, nem intervenção terapêutica capaz de apagar todas as dificuldades da existência. Ainda assim, a terapia muitas vezes é vendida como um “cura-tudo”.

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Claro que não há nada de errado em buscar terapia para desabafar, quando se está entediado ou sozinho. Mas há uma diferença entre precisar de terapia e realmente se beneficiar dela.

Saber onde está essa linha é essencial para extrair o máximo de proveito do processo e também para se proteger contra a avalanche de desinformação travestida de autoajuda.

2. Saúde mental não é sobre ser, é sobre agir

Um dos riscos da cultura da terapia viralizar é transformar saúde mental em identidade ou moeda social. Em certos contextos, colecionar rótulos virou demonstração de autoconsciência: “sou ansiosamente apegado”, “sou neurodivergente”, “sou empático.”

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A autoconsciência é um primeiro passo, mas a mágica da terapia não está apenas na análise: está em transformar insight em ação. Saúde mental não deveria ser sobre descobrir “o que” você é, mas sobre a capacidade de mudar seu estilo de apego, adaptar a vida à neurodivergência ou usar a empatia de forma construtiva.

Diagnóstico é uma porta de entrada, não um destino. Serve para orientar um plano de tratamento, não para definir quem você é.

3. Terapeutas não são neutros, eles têm seus próprios valores

Terapeutas são treinados para não julgar. Mas não julgar não significa ser isento de valores. Todo terapeuta carrega sua própria visão de mundo, sua história, suas crenças políticas e pessoais.

Um mau terapeuta finge neutralidade absoluta, sem perceber como sua vida pessoal influencia a sessão. Um bom terapeuta reconhece que não é uma “tábula rasa”, e se policia para não projetar suas questões sobre o paciente.

Um grande terapeuta vai além: consegue perceber como suas próprias experiências podem influenciar a prática, sem nunca esquecer que o paciente pode ter crenças e histórias diferentes – e, às vezes, até compartilhar essas diferenças para ajudar no processo de cura.

O lado sombrio é que alguns profissionais se veem como ativistas de uma causa, encorajando clientes a terminar relações, rotular pais como “tóxicos” ou enxergar toda dinâmica social como opressão sistêmica. Em certos casos, faz sentido; em outros, é apenas projeção.

4. Nem sempre uma tragédia vira um trauma

O trauma existe, mas o uso aleatório do termo também. Nem tudo de ruim que acontece é trauma. Não é correto dizer que eventos são traumáticos por si só, já que duas pessoas podem sofrer o mesmo acidente de carro e apenas uma desenvolver transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

O trauma não se define pelo passado em si, mas pela relação atual da pessoa com o que aconteceu. Ao insistir que todo sofrimento é trauma, corremos o risco de reduzir uma diversidade de experiências negativas em um único rótulo.

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É preciso considerar nuances: luto, frustração, arrependimento, vergonha, decepção amorosa. Difíceis, sim. Mas não necessariamente traumáticas.

5. A linguagem da terapia pode ser remédio ou arma

Um dos maiores trunfos da terapia é dar nome às coisas: quando algo ganha forma no discurso, perde parte de seu poder sobre nós.

Mas se a linguagem pode curar, também pode ferir. Um paciente pode dizer “estou impondo um limite” logo depois de cortar um amigo sem explicação. É mesmo um limite ou apenas fuga de uma conversa difícil? “Ele fez gaslighting” pode significar apenas “ele discordou de mim.”

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Achamos que falamos a língua da cura, mas muitas vezes estamos apenas disfarçando defesas. O jargão psicológico pode virar falácia, um verniz de autoridade que disfarça a falta de autocrítica.

Quando usamos essa linguagem de forma a nos desconectar de nós mesmos e dos outros, estamos traindo justamente a promessa da saúde mental.

Este artigo foi publicado no Next Big Idea Club e reproduzido com autorização.


SOBRE O AUTOR

Joe Nucci é psicoterapeuta e autor do livro "Psychobabble: Viral Mental Health Myths & the Truths to Set You Free" (em tradução l... saiba mais