Psicólogos garantem: a tecnologia atrapalha manter o foco no trabalho

Nas últimas duas décadas, a capacidade de atenção diminuiu drasticamente. Mas existem medidas que todos nós podemos tomar para melhorar o foco

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Henry Chandonnet 6 minutos de leitura

Quando a psicóloga Gloria Mark começou a estudar a concentração humana, em 2004, o tempo médio de atenção das pessoa na tela do computador era de 2,5 minutos. Em 2020, passou a ser de apenas 47 segundos. 

Há dezenas de distrações no ambiente de trabalho – colegas barulhentos, alimentos com mau cheiro e até o zumbido do ar-condicionado podem atrapalhar o fluxo de trabalho contínuo.

Mas muitos psicólogos apontam a tecnologia como a maior ameaça ao foco. Por passarmos mais tempo em nossos celulares, nossa capacidade de atenção diminui, tornando mais difícil manter a concentração. 

Além do impacto da tecnologia na capacidade de atenção, ela também enche as pessoas com notificações e alertas de notícias. Sem contar que as ferramentas de comunicação no trabalho ficaram mais parecidas com salas de bate-papo, o que aumenta a quantidade de mensagens recebidas.

Essas ferramentas de trabalho que dependem de dispositivos móveis chegam a confundir as fronteiras entre o profissional e o pessoal. Todos esses fatores nos mantêm sem foco e incapazes de acessar um “estado de fluxo”, de “trabalho profundo”. 

A Fast Company entrevistou psicólogos e coaches de produtividade e perguntou: por que é tão difícil se concentrar atualmente? Confira aqui por que todos eles consideram a tecnologia a grande culpada.

O IMPACTO DA TECNOLOGIA SOBRE O FOCO

Mark é professora emérita da Universidade da Califórnia e autora do livro "Attention Span" (Atenção Plena, em tradução livre). Por meio desse trabalho, ela chegou à conclusão de que o declínio do foco remonta à invenção do smartphone.

Sua pesquisa sugere que, em pouco menos de duas décadas, o acesso à informação cresceu de forma tão significativa, e os algoritmos se tornaram tão complexos, que os aparelhos celulares são agora o principal fator de distração – tudo graças ao surgimento dos smartphones e das mídias sociais.

Alejandro Lleras, professor de psicologia da Universidade de Illinois, descreve o processo pelo qual o cérebro se torna naturalmente mais propenso à distração como “habituação” –  fenômeno pelo qual uma pessoa se acostuma com um estímulo constante ao ponto de deixar de reagir a ele.

Um exemplo prático seria alguém que se acostuma com o som do tráfego ao fundo e, eventualmente, para de notá-lo. A habituação, segundo ele, torna mais difícil para os profissionais de hoje se concentrarem em tarefas mais longas.

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“A maneira como o cérebro funciona faz com que que qualquer coisa que ele codifica por um período contínuo de tempo eventualmente diminua em amplitude e intensidade", explica Lleras. "Com o tempo, a força para manter um objetivo se torna menos ativa, menos forte, e outros objetivos que estão latentes no seu sistema acabam surgindo."

Sem dúvida, a habituação pode ter efeitos positivos. Seu cérebro vai interromper o foco para lembrá-lo de que precisa tomar seu remédio ou de que tem que ligar para um ente querido. Mas em nosso mundo de alertas de notícias e notificações de mídia social, essas distrações tendem a ser digitais. Além disso, podem vir mais cedo do que o processo natural de habituação permite.

Dessa forma, a tecnologia nos distrai do trabalho. Por exemplo, graças à tecnologia, muita gente usa os intervalos no trabalho para enviar mensagens de texto para seus familiares. É claro que esse é um instinto compreensível. No entanto, essas conversas têm efeitos colaterais. 

Por passarmos mais tempo no celular, nossa capacidade de atenção diminui, tornando mais difícil manter a concentração. 

Lleras usa o exemplo de uma mensagem de texto sobre a morte de um ente querido durante o tempo de pausa: “Quando a pessoa volta ao trabalho, não está mais naquela conversa, mas ela desencadeou um estado emocional de distração em sua mente.” 

A tendência da tecnologia de facilitar as tarefas diárias também pode estar prejudicando a capacidade de concentração. Cheryl Travers, pesquisadora de psicologia organizacional da Universidade de Loughborough, explica que a adversidade pode ser psicologicamente benéfica para evitar a distração.

“Na verdade, as pessoas gostam de desafios. Se as coisas são muito fáceis, às vezes isso impede a concentração. A adversidade pode ser um grande facilitador”, explica Travers. Dessa forma, os seres humanos podem ser como os cães, que às vezes escondem a comida só para fingir que conseguiram encontrá-la. 

NOTIFICAÇÕES SÃO A MAIOR DAS DISTRAÇÕES

As notificações do nosso próprio celular podem ser as maiores desencadeadoras da perda de foco. Larry Rosen, professor emérito de psicologia da Universidade Estadual da Califórnia, descreve como o cérebro processa a enxurrada de alertas das redes sociais.

"O celular emite um som com uma notificação do TikTok. Isso desencadeia a liberação de substâncias químicas no cérebro que nos dizem ‘você precisa verificar isso’. Vamos acumulando essas substâncias ligadas à ansiedade até chegar ao ponto de ‘eu tenho que fazer isso’."

Quando perguntada sobre a solução para a diminuição da capacidade de atenção, Gloria Mark responde sem piscar: "desligue as notificações. Use um bloqueador de anúncios."

É verdade que algumas notificações são parte necessária do trabalho, mas a psicóloga ressalta que elas podem ser tão interruptivas quanto as redes sociais e nem sempre são benéficas. Por isso, ela defende a remoção dos celulares do ambiente de trabalho.

Mesmo com as notificações desativadas, a presença de um celular na sua mesa pode ser uma distração imediata, alerta Mark. "Se você está em uma conversa de trabalho, ou mesmo em uma reunião, ter o celular na sua frente é uma influência que distrai."

COMO RECUPERAR O FOCO? 

Felizmente, nossa capacidade de atenção não é uma causa perdida. Todos os psicólogos concordaram que o foco também pode ser treinado e regulado, bastando minimizar as interações com a tecnologia.

Estabelecer limites para o tempo de tela e evitar a rolagem de tela tarde da noite não são apenas hábitos benéficos para a sua saúde mental; eles também podem ajudar a nos concentrar mais profundamente. 

Para aqueles que se sentem distraídos com o celular, a coach de produtividade Juliet Landau-Pope oferece algumas dicas concretas. Os trabalhadores podem colocar o telefone em uma gaveta ou parar de usar um relógio digital.

Algumas notificações são parte necessária do trabalho, mas elas podem ser tão interruptivas quanto as redes sociais

Os empregadores também são culpados pelas dificuldades de concentração dos funcionários. Pope observa, por exemplo, que os escritórios com amplos espaços abertos dificultam ainda mais a concentração. Garantir que as pessoas tenham locais confortáveis e silenciosos para trabalhar pode ajudar a melhorar a concentração.

Lleras recomenda fazer intervalos. Conforme o cérebro vai se cansando com uma única tarefa, ele se torna cada vez mais propenso a distrações. Algumas pausas curtas e esporádicas podem garantir que o foco seja recuperado de forma eficaz. 

Todos os psicólogos concordaram que o importante é ter um plano para melhorar seu foco. Muitos de nós deixamos que as notificações e os algoritmos das mídias sociais nos dominem, deixando-nos levar pelos impulsos dos feeds do celular. Com certeza, a melhor maneira de recuperar o foco seria cortar tudo isso.

Mas, para muita gente, isso talvez não seja viável – afinal, o celular é nosso principal meio de comunicação. Portanto, estabeleça ao menos uma meta, seja ela 20 minutos sem tela ou de um dia inteiro de trabalho sem notificações. 

Sua capacidade de atenção vai lhe agradecer.


SOBRE O AUTOR

Henry Chandonnet é escritor e editor baseado em Nova York. Atualmente, trabalha como estagiário editorial na Fast Company, onde cobre ... saiba mais