Qual é o “trabalho invisível” que será o verdadeiro futuro do trabalho

O trabalho emocional não está fundamentalmente ligado ao gênero, mas sim ao poder

Crédito: Tanya St, Cristalov/ iStock

Next Big Idea Club 7 minutos de leitura

Rose Hackman é uma jornalista com artigos publicados no “The Guardian” e na “Associated Press”. Ela se formou na University College London e fez mestrado em direitos humanos na Universidade de Columbia, onde se especializou em violações de direitos sociais e econômicos nos Estados Unidos.

Neste artigo, Hackman compartilha cinco insights de seu novo livro, “Emotional Labor: The Invisible Work Shaping Our Lives and How to Claim Our Power” (Trabalho Emocional: O Trabalho Invisível que Molda Nossas Vidas e Como Reivindicar Nosso Poder).

1. O trabalho emocional é uma forma real de trabalho

É lamentável que ainda seja necessário dizer isso, mas é a realidade. O trabalho emocional consiste em controlar suas emoções para influenciar as dos outros. É uma forma real de trabalho.

Crédito: Freepik

Assim como o trabalho intelectual, físico e criativo, o emocional demanda tempo, esforço e habilidade para ser realizado, e é fundamental em muitas funções no setor de serviços. 

Um representante de atendimento ao cliente não está lá apenas para resolver problemas, mas também para gerenciar as emoções dos clientes. Também é parte central do trabalho de um auxiliar de enfermagem. 

A função de um comissário de bordo não se resume apenas a distribuir lanches e bebidas, mas também a transmitir segurança e garantir que os passageiros se sintam cuidados. Na esfera privada, esse tipo de trabalho é invisível e fortemente associado ao feminino, sendo esperado de meninas, mulheres, esposas e mães.

2. O trabalho emocional não está basicamente ligado ao gênero, mas sim ao poder

Hoje, o trabalho emocional é uma forma de trabalho feminizada. Nos ambientes corporativos, que ainda são considerados masculinos, esperamos que as mulheres o realizem, além de cumprir as exigências de seus cargos.

Crédito: Freepik

No entanto, esse trabalho não está intrinsecamente atrelado ao gênero. A ideia de que as mulheres são “seres emocionais” e os homens são “racionais” é um dogma patriarcal completamente equivocado, mantido para perpetuar a hierarquia de gênero.

Todos os seres humanos, independentemente do gênero, percebem o mundo através de suas emoções. Somos seres sociais e precisamos de conexão uns com os outros para sobreviver. 

Estudos nas áreas de neurociência e psicologia mostram claramente que a expressão da empatia está ligada à motivação. Com a motivação certa, todos os gêneros são igualmente capazes de colocar a empatia em prática e realizar o trabalho emocional.

Atualmente, esse tipo de trabalho está atrelado ao poder. É função daqueles que são considerados inferiores. A pessoa com menos poder em uma determinada situação é responsável por atender às necessidades emocionais de todos os outros.

A pessoa com menos poder em uma determinada situação é responsável por atender às necessidades emocionais de todos os outros.

Isso pode ser observado claramente em ambientes corporativos. O chefe não precisa se preocupar com os sentimentos das pessoas que trabalham para ele, enquanto um funcionário júnior precisa lidar com os sentimentos dos que estão acima dele.

Se considerarmos também o aspecto racial, veremos que, em um ambiente predominantemente branco, espera-se que uma pessoa negra atenda às necessidades emocionais dos outros – ou seja, realize o trabalho emocional –, independentemente de sua posição hierárquica.

Da mesma forma, devido ao patriarcado, espera-se que as mulheres coloquem suas emoções a serviço das experiências dos homens e da sociedade como um todo, de forma constante.

Dentro desse sistema, o trabalho emocional acaba sendo transferido para pessoas com menos poder e servindo como um indicador artificial de status inferior.

3. O trabalho emocional é de extrema importância

A realidade é que o trabalho emocional mantém toda a nossa estrutura social funcionando.

A economia e a sociedade dependem desse trabalho não remunerado de milhões de pessoas que cuidam de famílias e comunidades inteiras, incluindo crianças e idosos. As políticas públicas precisam desse exército de trabalhadores para amenizar as consequências do encarceramento em massa e de um estado militarizado.

Crédito: Freepik

Dentro da economia formal, o trabalho emocional é uma parte central de milhões de cargos e funções, incluindo aqueles que serão difíceis de automatizar. Isso abrange setores como saúde, serviços sociais e educação.

Nas indústrias de colarinho branco, esse tipo de trabalho – que envolve a inteligência emocional – está se tornando cada vez mais importante, à medida que as tarefas intelectuais são automatizadas.

Em muitos aspectos, o trabalho emocional é o futuro do trabalho. Mas, até agora, devido à sua invisibilidade, temos nos recusado a reconhecê-lo e valorizá-lo adequadamente. Isso precisa mudar urgentemente.

4. A falsa moralidade perpetua a exploração do trabalho emocional

Uma forma pela qual impedimos que os trabalhadores emocionais acessem o verdadeiro valor de seu trabalho é afirmando que remunerá-lo é um ato deplorável, vulgar e até mesmo imoral. Isso é uma forma de manipulação sistêmica.

Com a motivação certa, todos os gêneros são capazes de colocar a empatia em prática e realizar o trabalho emocional.

O trabalho emocional já é remunerado, mas os lucros são colhidos por aqueles para quem ele é realizado, e não pelos próprios trabalhadores.

Reconhecer e valorizar esse trabalho não é sinal de um neoliberalismo desenfreado. O verdadeiro problema está em não fazê-lo, permitindo, assim, que um sistema coercitivo obrigue forças de trabalho feminizadas e racializadas a realizá-lo por uma remuneração mínima.

Reconhecer seu valor não representa uma ameaça à civilização. A ameaça real está na contínua falta de reconhecimento.

5. Amor e poder não devem ser vistos como opostos

A outra face da atual crise de solidão e isolamento é a crise do trabalho emocional.

A expectativa de vida nos Estados Unidos tem diminuído desde 2014, em grande parte devido a mortes causadas pela chamada “doença do desespero” – que pode levar ao suicídio, abuso de álcool e drogas, overdose e insuficiência hepática –, mais comuns entre os homens. Um sistema que encoraja hierarquias e dominação em detrimento da expressão emocional é prejudicial para todos. 

Não valorizar nem dar importância a esse tipo de trabalho não apenas coloca as mulheres em uma posição de

Crédito: Freepik

subserviência, mas também prejudica os homens, privando-os de sua plenitude emocional. E isso tem consequências tanto em sua relação consigo mesmos quanto com os outros.

Precisamos de uma mudança radical em nossos valores. O amor e o trabalho emocional deveriam estar no centro de tudo. Não sugerindo que criemos um novo conjunto de valores, mas que retornemos às raízes da vida em comunidade.

Antropólogos e historiadores apontam que o dinheiro não surgiu com o escambo, mas com objetos que representavam relações. Esses objetos simbolizavam uma dívida entre as pessoas, um vínculo e a expectativa de trabalho emocional mútuo, que poderia levar a diversas formas de troca. Quando compreendemos isso, a questão não é mais se deve ser remunerado ou não, mas sim que já teve valor em algum momento.

A renomada antropóloga Margaret Mead descreveu o nascimento da civilização não com o advento da agricultura, da cerâmica ou de uma ferramenta, mas a partir de um fêmur curado. Segundo ela, este é um sinal de que alguém estava disposto a deixar suas necessidades imediatas de lado para cuidar de uma pessoa ferida, visando a sua recuperação.

Em muitos aspectos, o trabalho emocional é o futuro do trabalho. Mas, devido à sua invisibilidade, temos nos recusado a reconhecê-lo e valorizá-lo.

“Sociedades primitivas não podiam se dar ao luxo de ter tal compaixão”, afirma. Para Mead, o início da civilização, tal como a conhecemos, não estava ligado à competição, guerra ou hierarquia, mas sim à empatia posta em prática: o trabalho emocional.

Este trabalho deve ser compartilhado e valorizado. Isso não apenas seria justo, como também traria benefícios para todos. Valorizá-lo verdadeiramente corrigiria as injustiças contra as mulheres e criaria um novo sistema de incentivos para os homens, o que acabaria por beneficiar imensamente a todos. Homens mais conectados, empáticos e com relacionamentos mais sólidos vivem mais.

Quando as dinâmicas se invertem e o trabalho emocional é feito por pessoas e grupos que anteriormente detinham um enorme poder, há um componente reparador e restaurador. Isso é exatamente o que Martin Luther King Jr. defendeu em seu livro “Where Do We Go from Here: Chaos or Community?” (Para Onde Vamos A Partir Daqui: Caos ou Comunidade).

“Um dos maiores problemas da história é que os conceitos de amor e poder são geralmente colocados como opostos. O amor é identificado como renúncia de poder, e o poder, como negação do amor. O que precisamos compreender é que o poder sem amor é imprudente e abusivo, e o amor sem poder é sentimental e anêmico. O verdadeiro poder está no amor quando ele implementa as demandas da justiça. A justiça, por sua vez, é o amor corrigindo tudo o que se opõe a ele.”

Este texto foi publicado originalmente na revista Next Big Idea Club e reproduzido com permissão. Leia o artigo original.


SOBRE O(A) AUTOR(A)