Quando ser você mesmo no trabalho pode não ser uma boa ideia

A autenticidade vem sendo encorajada. Mas a decisão sobre o quanto partilhar do seu “verdadeiro eu” é bem mais complicada

Crédito: Freepik

Stephanie Vozza 4 minutos de leitura

Ninguém deveria deixar de ser quem realmente é para se encaixar em um trabalho ou na cultura de uma empresa. De acordo com um artigo da revista Psychology Today, a autenticidade está ligada à autoestima e protege contra doenças mentais. Mas será que você deve revelar tudo sobre si mesmo no ambiente profissional?

Embora a postura “seja você mesmo no trabalho” seja geralmente encorajada pelas equipes de RH, em alguns casos ela pode fazer mais mal do que bem, adverte Erin Thomas, chefe de diversidade e inclusão do mercado de talentos da Upwork.

“Originalmente, esse era um convite para que as pessoas fossem mais autênticas” diz ela. “A máxima se consolidou ao longo dos anos, como uma forma de as empresas tentarem ser mais inclusivas. Mas, agora que essa máxima se tornou lugar-comum, há cada vez menos nuances ou contextualização em torno dela, e é isso que me preocupa.”

a autenticidade está ligada à autoestima e protege contra doenças mentais.

Trazer toda a sua autenticidade para o trabalho pode ser complicado, diz Karina Bernacki, vice-presidente de pessoas da plataforma de edição de fotos VSCO. “Todos esperam que as pessoas revelem o seu eu mais honesto, com o qual se sentem confortáveis. Mas é responsabilidade dos líderes criar um ambiente genuinamente seguro para acolher as diferenças, e esse é um trabalho árduo”, diz ela

Thomas acrescenta que algo vem sendo ignorado nesses tempos que valorizam os esforços de diversidade, equidade e inclusão (DEI): o emprego, como todas as relações, é uma via de mão dupla, que exige que ambos os lados realmente tenham a intenção de investir na franqueza. Ela sugere a funcionários e empregadores terem mais calma, para refletir sobre todos os diferentes motivos para promover a abertura no trabalho, sem que isso acarrete represálias 

O QUE OS FUNCIONÁRIOS PRECISAM SABER 

A decisão sobre o quanto você vai se abrir ou não com seus colegas de trabalho vai depender do tipo de relacionamento que espera construir no ambiente profissional. Algumas pessoas preferem manter a vida pessoal e a profissional separadas, enquanto outras buscam amizades verdadeiras no escritório. “Descubra o que você está realmente tentando construir e quais são suas próprias necessidades emocionais”, aconselha Thomas.

Em seguida, identifique quais aspectos você se sente confortável em compartilhar. Trabalhar de casa tem sido um gatilho para muitos funcionários compartilharem mais de si mesmos com os outros, mas não é preciso nem se abrir nem se fechar completamente.

é responsabilidade dos líderes criar um ambiente genuinamente seguro para acolher as diferenças.

“Vá só até onde você se sentir confortável”, sugere Thomas. “Conheça sua zona de conforto e o que você se sente seguro em dizer, sem revelar demais.”

Se você pertence a um grupo marginalizado ou fora dos padrões, provavelmente vai preferir contar sua própria história antes que outros falem por você. “Se eles começarem a preencher as lacunas, provavelmente farão isso com informações genéricas e estereotipadas, que não são precisas e que podem não pintar seu quadro com as tintas mais favoráveis”, diz ela.

Bernacki adverte que ser expansivo demais pode afetar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “Em um mundo onde ora estou trabalhando na minha sala, ora na minha cozinha e minha vida pessoal está acontecendo ao meu redor, como posso criar limites e espaço suficientes? Como continuar sendo eu mesmo para colegas e chefes, mas manter alguma parte de mim reservada?", questiona. “Quando essas fronteiras se misturam o tempo todo, é muito fácil se perder.”

A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR

As empresas que afirmam desejar que os funcionários tragam tudo de si para o trabalho precisam proporcionar uma cultura empresarial que dê vazão e apoio a esse encorajamento. É preciso estabelecer normas de segurança psicológica no trabalho, para que os funcionários possam ser eles mesmos sem medo de retaliação ou de constrangimento.

Conheça sua zona de conforto e o que você se sente seguro em dizer, sem revelar demais.

“Outra coisa é realmente fazer com que quem corre riscos seja recompensado, elogiado e tenha o seu exemplo seguido por outras pessoas”, diz ela. “Esse é um aspecto chave para empresas e líderes: estabelecerem uma base onde seja possível que as pessoas se apresentem como elas mesmas.”

Bernacki concorda. “Toda a estrutura da empresa precisa se alinhar, criando espaço para que esses comportamentos prosperem e cresçam”, diz ela. “Se sua empresa diz que valoriza a segurança para as pessoas serem elas mesmas, então esses comportamentos devem ser incentivados, para que outros se sintam seguros para se expressar de modo mais espontâneo.”

As informações que alguém vai decidir trazer a público ou não são uma escolha pessoal, e Bernacki diz que não há nada que esteja fora dos limites. “Acho que se há partes suas que você leva para o trabalho e a empresa as rejeita, então é preciso ter uma conversa franca consigo mesmo para entender se esta é a empresa certa para você”, diz ela.

Thomas admite que, no contexto dos esforços DEI, incentivar os funcionários para que coloquem na mesa toda a sua autenticidade pode ser uma espécie de “pressão”. “Não estou tentando defender que as pessoas se escondam, finjam ou acatem tudo”, explica ela. “Trata-se de colocar esse poder, autonomia e agência de volta nas mãos dos trabalhadores, para que eles possam tomar as melhores decisões por conta própria.”


SOBRE A AUTORA

Stephanie Vozza escreve sobre produtividade e carreira na Fast Company. saiba mais