Quem vai consumir alguma coisa se a IA acabar com a maioria dos empregos?
Memorando do CEO da Amazon levanta questões preocupantes – não só sobre o futuro da empresa, mas também sobre os rumos da economia global

Outro dia acordei com mais uma daquelas cartas apaixonadas que CEOs de grandes empresas têm escrito para declarar todo o seu amor pela inteligência artificial. Desta vez, foi Andy Jassy, CEO da Amazon, que publicou um memorando no site da empresa.
Nos últimos meses, esse tipo de declaração tem se tornado cada vez mais comum no setor de tecnologia. E o tom é quase sempre o mesmo: a IA é “transformadora”, os chatbots vão “melhorar a experiência do cliente”, a tecnologia vai tornar tudo mais “eficiente” (leia-se: com menos gente), e claro, “isso é só o começo”.
A mensagem por trás dessas cartas é bastante clara: os CEOs estão encantados com o impacto da inteligência artificial sobre os lucros – e animados com a possibilidade de lucrar ainda mais.
Mas, considerando que Jassy está à frente da maior varejista online do mundo, seu memorando levanta uma questão inevitável: quem vai comprar os produtos da Amazon quando a IA eliminar boa parte dos empregos?
No próprio texto, Jassy reconhece que a inteligência artificial levará a cortes na empresa. Ao falar sobre os chamados agentes de IA – sistemas inteligentes que assumem tarefas antes feitas por pessoas –, ele afirma que a Amazon “vai precisar de menos funcionários em certas funções e mais em outras, mais novas”.
E continua: “é difícil prever exatamente onde isso vai dar, mas, nos próximos anos, esperamos uma redução no nosso quadro de funcionários à medida que formos ganhando eficiência com o uso mais amplo da IA”.
Provavelmente, ele está certo: a inteligência artificial vai sim reduzir o número de trabalhadores – e não só na Amazon. Isso deve acontecer em muitas empresas, talvez na maioria delas, ao longo dos próximos anos.
EMPREGOS SUBSTITUÍDOS POR IA: ATÉ ONDE ISSO PODE CHEGAR?
As projeções variam, mas um relatório de 2023 do Goldman Sachs estima que até 300 milhões de empregos poderiam ser impactados pela IA nos próximos 10 anos. Já um estudo de 2017 da McKinsey aponta que a automação pode deslocar de 400 milhões a 800 milhões de trabalhadores até 2030. Ou seja, milhões de empregos substituídos por IA.
Quando falamos de automação, estamos nos referindo à substituição de pessoas por softwares ou robôs que fazem o mesmo trabalho por um custo muito menor do que um funcionário humano.
E aí volto à pergunta: se empresas como a Amazon seguirem nesse caminho e substituírem pessoas por IA – deixando, potencialmente, bilhões sem trabalho –, para quem elas vão vender seus produtos?

Se a tecnologia fizer todo o trabalho e os humanos ficarem sem renda, por terem seus empregos substituídos por IA, quem vai comprar na Amazon? As IAs vão começar a vender umas para as outras? Difícil.
Elas não precisam de roupas, material esportivo ou xampu. Também não se interessam por livros, filmes ou pôsteres – até porque, sejamos sinceros, elas já absorveram todo esse conteúdo. Sabem tanto que conseguem imitá-lo em segundos.
A IA pode ser uma funcionária excelente – e ótima para os lucros –, mas é o pior tipo de cliente. Se ela não consome, e os humanos não podem pagar, quem vai sustentar o modelo de negócios?
estima-se que até 300 milhões de empregos poderiam ser impactados pela IA nos próximos 10 anos.
Essa é a pergunta que nenhum CEO parece disposto a responder, mesmo enquanto fazem questão de mostrar o quanto estão na dianteira da revolução da inteligência artificial a cada novo memorando.
Se há alguma esperança, é o fato de que, em alguns casos, as demissões em massa ligadas ao uso de IA provocaram uma forte reação negativa do público. Mas esse é um “problema” que, com o avanço da tecnologia, as empresas devem tentar resolver com mais inteligência artificial.
E quando os consumidores simplesmente não tiverem mais renda, o que acontece com os lucros? Continuo esperando que algum CEO finalmente traga uma resposta.