Quer entrar em estado de flow? O melhor jeito é não tentar

Um novo estudo de neuroimagem diz que a chave para entrar em um estado de fluxo criativo é ter experiência e conseguir largar o controle

Créditos: vackground.com/ Daniela Torres/ Unsplash

Joe Berkowitz 3 minutos de leitura

Em uma das melhores pílulas de sabedoria do personagem Don Draper, o famoso publicitário da série "Mad Men" aconselhava uma colega com bloqueio criativo: "Apenas pense sobre o assunto. Reflita profundamente. Depois, deixe isso para lá. Quando você menos esperar, uma ideia vai aparecer na sua cara".

Acontece que, cientificamente falando, ele pode ter razão. 

De acordo com um novo estudo de neuroimagem, acontece de fato alguma mágica quando abandonamos o esforço intencional – se você já tiver muita prática na tarefa em questão.

Como demonstraram os cientistas do Laboratório de Pesquisa em Criatividade da Universidade Drexel, a chave para entrar em um estado de fluxo criativo pode estar não no hiperfoco e na concentração profunda, mas sim na experiência e no ato de deixar rolar.

Um estado de flow é, obviamente, mais do que apenas um momento de eureca. É um avanço criativo contínuo; um período de imersão tão intensa em seu trabalho que ele deixa de parecer trabalho. 

Os minutos, ou até mesmo as horas, passam rapidamente, quase sem registro, pois um processo que normalmente envolve a solução criativa de problemas assume a aparência de um jogo. É aquilo a que os atletas que não se intimidam e têm uma sequência improvável de gols se referem como estar "no clima".

Don Draper, personagem da série "Mad Men" (Crédito: AMC)

O psicólogo húngaro-americano Mihaly Csikszentmihalyi cunhou o termo em seu livro seminal de 1990, "Flow: The Psychology of Optimal Experience" ("Fluxo: a psicologia do alto desempenho e da felicidade”, na edição brasileira). As ideias associadas a ele têm sido estudadas e muito debatidas desde então.

Psicólogos e especialistas em produtividade continuam divulgando os benefícios de se trabalhar em um estado de fluxo, mas poucos concordam a respeito do que exatamente é esse estado ou de como alcançá-lo.

Será que é por meio de um projeto que se deseja realizar? Será que é preciso assumir um projeto que seja desafiador, mas factível? Ele deve incluir algo com o qual você se importa muito? E será que é necessário se trancar em uma bolha de privação sensorial para ficar totalmente livre de distrações?

DEIXAR ROLAR

Onde parece haver um consenso, incluindo o próprio Csikszentmihalyi, é na ideia de que entrar em um estado de fluxo requer concentração intensa e focada. É justamente esse aspecto do fluxo que os cientistas que conduziram o estudo recente se propuseram a explorar.

Liderado por John Kounios, diretor do Laboratório de Pesquisa em Criatividade, trabalhando com David Rosen, pesquisador pós-doutorando do Centro de Pesquisa Psicodélica e da Consciência da Universidade Johns Hopkins, o estudo usou como objeto uma ferramenta de pesquisa científica não convencional: 32 guitarristas de jazz. 

Alguns desses músicos eram bastante competentes, enquanto outros eram bem menos experientes. Todos permitiram que seus eletroencefalogramas (EEGs) de alta densidade fossem registrados enquanto tocavam. Os músicos foram instruídos a improvisar ao som de seis canções de jazz, com o apoio de bateria, baixo e piano pré-gravados. 

Um estado de flow é um avanço criativo contínuo, um período de imersão tão intensa no trabalho que ele deixa de parecer trabalho.

Os cientistas entregaram as gravações a quatro especialistas em jazz para determinar em quais segmentos os guitarristas pareciam estar mais "no clima". Com esses segmentos isolados, os pesquisadores estudaram os EEGs obtidos nesses momentos para procurar qualquer atividade cerebral reveladora. E encontraram algumas.

Descobriram que os mais experientes eram os que atingiam o estado de fluxo com mais frequência. Além disso, os cientistas descobriram que, nesses momentos, os músicos apresentavam maior atividade nas áreas do cérebro relacionadas à audição e ao toque, e menor atividade nos "giros frontais superiores, uma região de controle executivo" do cérebro. 

Em outras palavras, um fator essencial para que esses músicos conseguissem fluir era a redução do controle, ou seja, relaxar. (Pense sobre o problema profundamente e depois deixe para lá).

"Uma implicação prática desses resultados é que os estados de fluxo produtivo podem ser alcançados por meio da prática, para desenvolver a experiência em uma saída criativa específica, junto com o treinamento, para retirar o controle consciente quando a experiência necessária for alcançada", diz Kounios sobre o estudo. "Isso pode ser a base para novas técnicas para ensinar as pessoas a produzir ideias criativas."


SOBRE O AUTOR

Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais