Racismo e discriminação fazem o cérebro envelhecer mais rápido

O estresse pode acelerar o relógio biológico, tornando as vítimas de racismo mais vulneráveis a condições relacionadas ao envelhecimento

Crédito: Hugo Kurk/ iStock

Negar Fani e Nathaniel Harnett 4 minutos de leitura

O racismo rouba o tempo da vida das pessoas – provavelmente por causa do espaço que ele ocupa no pensamento das vítimas. Em um novo estudo publicado na revista "JAMA Network Open", nossa equipe demonstrou que o impacto do racismo no cérebro está ligado ao envelhecimento precoce, fato observável em nível celular. 

As mulheres negras que foram expostas com mais frequência ao racismo apresentaram conexões mais fortes nas redes cerebrais associadas à ruminação mental e à vigilância. Descobrimos que essas conexões, por sua vez, estão ligadas ao envelhecimento biológico acelerado.

Somos neurocientistas e usamos uma série de métodos, inclusive dados de autorrelato e medições biológicas, como exames cerebrais, para responder às nossas perguntas sobre os efeitos dos fatores estressantes no cérebro e no corpo. Também usamos esses dados para orientar o desenvolvimento de medidas para ajudar as pessoas a lidar com esse estresse.

O envelhecimento é um processo natural. No entanto, o estresse pode acelerar o relógio biológico, tornando as pessoas mais vulneráveis a doenças relacionadas ao envelhecimento, desde doenças cardiovasculares até diabetes e demência.

Estudos epidemiológicos mostram que as pessoas negras apresentam esses problemas de saúde relacionados ao envelhecimento em uma idade mais precoce do que as pessoas brancas. Novos estudos também mostram efeitos específicos do envelhecimento no cérebro, indicando disparidades no envelhecimento cerebral entre as populações negra e branca.

Os estressores relacionados à questão racial, inclusive a discriminação velada, afetam a taxa de envelhecimento das pessoas em um nível biológico. Essas experiências ativam o sistema de resposta ao estresse e têm sido associadas a uma maior atividade em regiões do cérebro que processam ameaças externas.

Até agora, porém, os pesquisadores da nossa área não entendiam como as alterações cerebrais ligadas ao racismo contribuíam para o envelhecimento acelerado.

RELÓGIO EPIGENÉTICO

A discriminação racial é um fator de estresse onipresente que muitas vezes passa despercebido. Pode acontecer quando um médico questiona o nível de dor de um paciente negro e não prescreve medicação para dor, ou quando um professor chama uma criança negra de "moleque". É um estressor constante enfrentado por pessoas negras desde a primeira infância.

A ruminação mental (reviver e analisar um evento repetidamente) e a vigilância (estar atento a ameaças futuras) são possíveis respostas de enfrentamento a esses estressores. Mas a ruminação e a vigilância consomem energia, e esse aumento do gasto de energia tem um custo biológico.

Crédito: Hal Gatewood/ Unsplash

Em nosso estudo com mulheres negras, descobrimos que a discriminação racial mais frequente estava ligada a uma maior conectividade entre duas regiões importantes.

Uma delas, chamada locus coeruleus, é uma região profunda do cérebro que ativa a resposta ao estresse, promovendo a excitação e a vigilância. A outra é o precuneus, um nó importante de uma rede cerebral que se envolve quando pensamos em nossas experiências e internalizamos ou suprimimos nossas emoções.

A discriminação racial é um fator de estresse onipresente que muitas vezes passa despercebido.

Essas alterações cerebrais, por sua vez, foram associadas ao envelhecimento celular acelerado medido por um "relógio" epigenético. A epigenética refere-se às mudanças que ocorrem em nosso DNA devido ao ambiente. Os relógios epigenéticos avaliam como o ambiente afeta nosso envelhecimento em um nível molecular.

Valores mais altos do relógio indicam que a idade biológica de alguém é maior do que sua idade cronológica. Em outras palavras, o espaço que as experiências racistas ocupam na mente das pessoas tem um custo, que pode encurtar a vida dos indivíduos.

O QUE AINDA NÃO SE SABE

Embora tenhamos observado ligações entre racismo, alterações na conectividade cerebral e envelhecimento acelerado, não medimos as respostas de enfrentamento, como ruminação e vigilância, em tempo real, ou seja, no momento em que as pessoas estavam vivenciando o racismo.

Também não sabemos como outros fatores, como desigualdade social, gênero e sexualidade, se cruzam para influenciar o envelhecimento acelerado e as disparidades de saúde relacionadas.

Nossos próximos passos são usar a medição em tempo real do racismo cotidiano, juntamente com medições fisiológicas e neuroimagem, para aprofundar essas questões de pesquisa.

    Queremos saber como os diferentes tipos de discriminação racial e estratégias de enfrentamento influenciam as respostas do cérebro e do corpo. Compreender melhor essas questões pode ajudar a chamar mais atenção para a prevenção, como em programas que tenham como alvo o preconceito implícito de médicos e professores.

    Também pode fundamentar intervenções como a neuromodulação, que envolve o uso de dispositivos externos ou internos para estimular ou inibir a atividade cerebral. A neuromodulação pode ser usada como um auxílio terapêutico para reduzir o estresse.

    Este artigo foi republicado do "The Conversation" sob licença Creative Commons. Leia o artigo original.


    SOBRE O AUTOR

    Negar Fani é professor associado de psiquiatria e neurociência na Universidade Emory. Nathaniel Harnett é professor assistente de psiq... saiba mais