Rankings e listas estão acabando com nossa capacidade de escolher por nós mesmos

Todo mundo está sempre atrás do melhor custo-benefício. Mas a tendência atual de seleção das nossas opções acaba gerando outros problemas

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Joe Berkowitz 6 minutos de leitura

Sempre que fico na dúvida sobre qual casaco comprar, qual filme assistir ou qual país visitar, recorro a um truque simples: dou uma olhada em rankings e listas na internet.

Não é preciso procurar muito para encontrar listas com ranking de produtos e serviços, em qualquer época do ano. Em dezembro, no entanto, elas se tornam praticamente onipresentes. Nessa época, o incentivo ao consumo é enfiado goela abaixo. 

Listas de “melhores do ano” invadem todos os meios de comunicação, com todas as categorias possíveis e imagináveis, e cada listinha dessa leva ao imenso mundo dos catálogos de presentes.

Lidar com tantas recomendações de produtos “top de linha” e com todos os rankings a que geralmente recorremos para tomar nossas decisões, pode ser meio sufocante. Depois de um tempo, tudo tende a virar uma coisa só na nossa cabeça. Em vez de organizar a nossa vida, tudo isso aumenta ainda mais a sensação de ansiedade que nos acompanha nessa busca incessante por uma experiência cinco estrelas.

Em teoria, essas classificações e rankings são mais do que úteis. Elas separam o joio do trigo. Decidir o que comprar com base na opção mais elogiada, seja por especialistas ou por vários usuários, tem muito mais chance de dar certo do que simplesmente optar pelo que está dentro do seu orçamento.

Dada a quantidade de opções existentes no mercado digital mundial, esses serviços trazem alguma ordem ao que, de outra forma, seria puro caos. Mas nem todo produto, experiência ou ideia são feitos para entrar em rankings.

A diferença entre ser um fã de esportes e um cinéfilo se resume à análise quantitativa versus a qualitativa. É fácil associar estatísticas de comparação a atletas individuais ou às suas equipes. Filmes podem ser comparados em termos de bilheteria, sucesso de crítica e prêmios.

Já determinar o melhor filme de todos os tempos é impossível – o IMDB diz que é "Um Sonho de Liberdade"; o American Film Institute diz que é "Cidadão Kane"; já eu digo que é "Boogie Nights: Prazer sem Limites".

Mas a maioria das pessoas concorda que o melhor jogador de basquete profissional da história é Michael Jordan, ou LeBron James. Fãs de esportes escolhem seus atletas favoritos com base no seu estilo e nas suas preferências de forma geral, assim como os fãs de cinema, mas a concessão de prêmios e o recrutamento de novos talentos em cada temporada se baseiam em estatísticas.

O que a cultura do ranking faz, na prática, é desfazer os limites entre a análise quantitativa (objetiva) e a qualitativa (subjetiva). Ela confere uma aura de competição e a ilusão de uma verdade empírica até aos aspectos mais banais da vida moderna.

Classificamos países de acordo com o grau de felicidade – os mais felizes e os menos felizes. Classificamos as pessoas mais bem-sucedidas com menos de 30 anos, como se estivéssemos no filme "Fuga no Século 23". Fazemos ranking de estádios, marcas de carros, raças de cães e destinos de viagens. Se alguma coisa existe, ela pode ser incluída em uma escala hierárquica de qualidade.

Alguns desses rankings escolhem o melhor de uma categoria, enquanto outros têm como objetivo orientar o consumidor em suas compras. Em alguns lugares, há todo um mundo cheio de clickbaits, feito de rankings que existem pelo simples prazer de ranquear.

Amou a adaptação cinematográfica de "Wicked"? Certamente você vai curtir o ranking definitivo das canções do filme. Aplaudiu de pé "Pinguim", a série da HBO? Eis a classificação dos episódios, do pior ao melhor.

Listas como “Os 200 Maiores Cantores de Todos os Tempos”, da revista "Rolling Stone", atraem o público por provocarem uma reação instintiva. Os leitores ficam pensando na seleção que fariam e se veem indignados com os esnobados – ainda que provocar essa indignação pareça ser justamente o objetivo das listas. No fim das contas, a arte é transformada em mercadoria, de tal maneira que torna os filmes tão memoráveis quanto baldes de pipoca colecionáveis.

Mas a curadoria cultural feita por especialistas é apenas uma parte do que existe por aí. Cidadãos comuns também montam muitos rankings por conta própria.

nem todo produto, experiência ou ideia são feitos para entrar em rankings.

Há um bom tempo, clientes, compradores e donos de animais de estimação podem dar suas avaliações, impulsionando a visibilidade – e, em alguns casos, ameaçando a sobrevivência – de empresas grandes e pequenas. Lojas e restaurantes pedem que clientes satisfeitos deixem avaliações nas plataformas, na esperança de melhorar, de maneira mais ou menos orgânica, seu desempenho de SEO. Outros estão tão desesperados por essas avaliações que oferecem pequenos subornos na forma de brindes.

Mas um sistema em que o sucesso de um negócio depende do volume de pesquisas digitais e das avaliações dos usuários soa extremamente distópico. Há inclusive um episódio de "Black Mirror", a famosa série sobre distopia da tecnologia, que mostra como seria se aplicassem esse conceito às interações sociais.

"Black Mirror" (Crédito: Netflix)

As redes sociais estão, pouco a pouco, seguindo esse caminho. No TikTok, uma das principais tendências deste ano é o blind ranking (“ranking às cegas”). Os usuários baixam um template que permite visualizar opções de uma categoria que eles escolhem e que piscam na tela como uma roleta em movimento.

O usuário então atribui uma classificação à opção aleatória que aparece a cada vez que a roleta para, até preencher seu top 10 pessoal. Este ano, os tiktokers fizeram o ranking de praticamente tudo, desde combinações de comidas e molhos e coisas que mais as deixam irritadas até as pessoas que salvariam de um prédio em chamas e, especialmente, produtos de beleza.

Tantas opções atraentes de tudo quanto é coisa, organizadas em ordem de suposta qualidade, não dá tanto FOMO quanto dá FOCI“medo de escolher errado”, na sigla em inglês. Quem opta pela sexta atração turística mais recomendada no Trip Advisor vai precisar bloquear aquela vozinha na cabeça que se pergunta quão melhor seria a número 1.

A cultura do ranking desfaz os limites entre a análise quantitativa (objetiva) e a qualitativa (subjetiva).

Ao mesmo tempo, o restaurante, a ideia de presente ou a atração de parque temático que ocupam o primeiro lugar de um ranking criam expectativas difíceis de serem atendidas.

Quão perto da perfeição a comida, o serviço e o ambiente precisam estar no restaurante com mais avaliações cinco estrelas da sua cidade para corresponder ao que você imagina? E o que significa se eles não atingem essa marca? Um cliente insatisfeito que seguiu um ranking fica na dúvida: o consenso está errado ou sou eu que estou?

Talvez o consenso não seja tudo o que parece ser. Talvez haja algo de bom na ideia de seguir um grupo seleto de especialistas de confiança, cuja curadoria tenha a ver conosco, em vez de confiar em listas e rankings. Talvez buscar por dicas para escolher o que consumir em qualquer lugar acabe diminuindo nosso senso de aventura e descoberta.

Mas quem sou eu para dizer?


SOBRE O AUTOR

Joe Berkowitz é colunista de opinião da Fast Company. saiba mais