Se seu expediente nunca termina, você caiu na armadilha do “trabalho sem fim”

Reuniões noturnas, e-mails no fim de semana e produtividade em queda marcam a nova realidade de quem cai no looping do "trabalho infinito"

homem tenta para os ponteiros de um grande relógio
Créditos: DNY59/ kevinjeon00/ Getty Images

Carey Bentley 5 minutos de leitura

O expediente das 9h às 17h está desaparecendo, substituído por um ciclo fragmentado de logins em plena madrugada, alertas tarde da noite e trabalho de fim de semana. O mais recente relatório "Work Trend Index", da Microsoft, mostra que o “dia de trabalho infinito” deixou de ser exceção. Tornou-se a norma para muitos profissionais do conhecimento.

A atividade fora do horário comercial está aumentando. As reuniões após as 20h cresceram 16% em um ano e, às 22h, quase um terço dos trabalhadores ativos já voltou às suas telas.

Os fins de semana também deixaram de ser território proibido: entre quem trabalha aos sábados e domingos, 20% dizem checar e-mails antes do meio-dia nesses dias. Durante a semana, metade das reuniões ocorre entre 9h e 11h e entre 13h e 15h – justamente os horários em que muitos estão naturalmente mais atentos e produtivos.

O risco disso é fadiga e falta de foco. A telemetria da Microsoft aponta que funcionários são interrompidos, em média, a cada dois minutos durante o horário central de trabalho – o que significa centenas de notificações diárias entre os usuários com alta carga de comunicação. Não surpreende que quase metade dos empregados (48%) e mais da metade dos líderes (52%) afirme que o trabalho parece caótico e fragmentado.

Samantha Madhosingh, consultora de liderança e coach executiva com formação em psicologia, afirma que o problema é agravado pelo “trabalho flexível” em regime remoto, enquanto se tenta dar conta de tudo.

“O trabalho remoto dificulta que as pessoas mantenham uma estrutura firme e limites claros no dia a dia. Elas estão lutando para se organizar, para manter o foco e para não se esgotar”, analisa.

DÁ PARA FAZER DIFERENTE

Cerca de 53% dos líderes ouvidos na pesquisa da Microsoft dizem que a produtividade precisa aumentar, mas 80% da força de trabalho global afirma não ter tempo ou energia para cumprir o que precisa. Esse descompasso – demanda crescente versus limite humano – cria um déficit de capacidade que as organizações tentam fechar rapidamente.

As “Frontier Firms” da Microsoft – empresas que adotam IA de forma ampla – relatam melhor clima e mais espaço para crescer: 71% dos trabalhadores nessas empresas dizem que sua companhia está prosperando (contra a média global de 37%).

funcionário cansado  com relógio no lugar da cabeça
Créditos: Mitchel Onwuchuruba/ Andrey Grushnikov/ Pexels/ Ocean Ng/ Unsplash/ Pixabay

Mais da metade (55%) afirmam ter condições de assumir mais trabalho (globalmente são 20%). Muitos líderes planejam capacitar funcionários (47%) e usar IA como mão de obra digital (45%).

Em agosto, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, publicou várias posts no LinkedIn destacando novas ferramentas de IA que libertam as pessoas do trabalho chato e liberam tempo para atividades de maior impacto.

Mas a IA é apenas parte da solução. O recurso mais escasso não é talento, é tempo. Fique um mês sem objetivos claros ou passe a semana sendo distraído por notificações que não param de chegar e, aos poucos, você acaba se tornando alguém fácil de substituir. O trabalho reativo mantém a pessoa ocupada, mas não gera resultado de verdade.

COMO DAR FIM AO DIA DE TRABALHO SEM FIM

Equipes que conseguem evitar o dia de trabalho sem fim deixando de lado o fluxo “normal” e rearranjam deu tempo. A Shopify, por exemplo, faz periodicamente uma limpeza de reuniões recorrentes com mais de duas pessoas.

O dia de trabalho sem fim é real, mas não inevitável.

Meta e Clorox têm dias sem reuniões. O Dropbox adota horários de colaboração: um bloco de quatro horas de encontros em tempo real em toda a empresa, que reduz a pressão por reuniões o dia inteiro e permite que funcionários recusem encontros fora dessa janela.

Se você não pode implementar mudanças na empresa inteira, há algumas ações que podem ser tomadas individualmente:

Troque reuniões por gravações

A maioria das reuniões de 30 minutos para repassar informações poderia ser um e-mail – ou, pelo menos, mais curta. Grave um vídeo, envie e permita que assistam a 1,5x da velocidade. Pronto, você ganhou meia hora para si e para a equipe.

Troque reuniões individuais por horário de atendimento semanal

Você se torna mais acessível, os funcionários têm uma alternativa para problemas urgentes e várias questões pequenas são resolvidas em menos de cinco minutos. Os melhores líderes usam esse formato como filtro: se alguém realmente precisa de uma reunião privada, “conquistará” esse tempo após passar pelos atendimentos primeiro.

Estabeleça uma política de comunicação “ganha-ganha”

A incerteza acaba com a produtividade. As pessoas não precisam de respostas instantâneas, e sim de respostas previsíveis. Em vez de improvisar (sinônimo de caos), estabeleça uma regra simples: “verifico e-mails às 9h, 12h e 15h”, ou “não marco reuniões às segundas-feiras porque estou com clientes”. A clareza faz milagres: as pessoas deixam de esperar e passam a respeitar.

Estanque a enxurrada de interrupções

Devem existir momentos em que as pessoas podem falar com você e momentos em que não podem. Caso contrário, o seu dia de trabalho nunca vai ter fim. O jeito mais eficaz de criar ciclos de foco e descanso é planejar a semana com antecedência. Se você não fizer isso, a semana fará um (péssimo) plano para você. E isso leva à próxima sugestão:

Faça do planejamento um ritual obrigatório

Profissionais excelentes não vencem com truques mirabolantes, mas com o básico bem feito, sempre. Se quer vencer a semana, precisa planejar a semana.

Priorize sua saúde física e mental

“O trabalho não pode tomar todo o seu dia e sua vida. Para muita gente, é exatamente isso que está acontecendo. Elas não sabem quando parar. No fim, seu cérebro ou seu corpo vai desligar você à força”, alerta Madhosingh.

O dia de trabalho sem fim é real, mas não inevitável. Você pode aceitá-lo como novo padrão ou tratá-lo como o alerta que ele é. Quem consegue reorganizar seus horários, impor limites e investir na capacidade de foco não apenas sobrevive ao caos, mas o supera.


SOBRE A AUTORA

Carey Bentley é CEO da empresa de coaching Lifehack Method e coautora do livro "Winning the Week". saiba mais