Sem diploma: campanha incentiva contratação pessoas sem formação universitária

Iniciativa quer “eliminar a barreira do papel”, expressão criada para se referir aos obstáculos enfrentados por pessoas sem curso superior

Crédito: Jonathan Daniels/ Zoltan Tasi/ Unsplash

Talib Visram 6 minutos de leitura

Após a morte de seu pai, Justin Hutchinson passou a trabalhar em uma loja de smoothies em sua cidade natal, Baton Rouge, na Louisiana, para pagar as mensalidades da faculdade. Justin era um ótimo funcionário: memorizava os pedidos dos clientes e até seus carros, para poder preparar os smoothies enquanto ainda estacionavam.

Um dia, um frequentador assíduo da loja, CEO de uma agência de marketing, notou suas “habilidades pessoais” e ofereceu um estágio em sua empresa, a ThreeSixtyEight. No novo emprego, mesmo com medo de que isso pudesse afetar sua carreira, Justin abandonou a faculdade para não acumular mais dívidas. Hoje, cinco anos depois, ele se tornou diretor de desenvolvimento de negócios da agência.

Embora merecido, o sucesso de Justin é algo relativamente raro para pessoas sem diploma. Não é de hoje que candidatos sem formação universitária enfrentam dificuldades para encontrar emprego. Mas as empresas, ao que parece, vêm rejeitando essas pessoas cada vez mais. Isso reduz significativamente as oportunidades para esses valiosos integrantes da força de trabalho.

15 empresas assinaram um compromisso de facilitar a contratação de candidatos sem formação universitária.

Entretanto, uma nova campanha pretende promover uma mudança cultural, demonstrando aos empregadores que não ter um diploma não significa que o candidato não é qualificado; que esses indivíduos podem ser treinados por outras vias e que, comercialmente, faz sentido contratá-los. A iniciativa está ganhando força: 15 empresas assinaram um compromisso de facilitar a contratação de candidatos sem formação universitária.

Indivíduos “treinados por vias alternativas”, apelidados de STARs (acrônimo da expressão para estes trabalhadores em inglês e que também significa “estrela”), são pessoas com 25 anos ou mais, sem diploma universitário, mas que foram capacitadas em cursos, treinamentos, programas ou serviço militar.

O termo foi cunhado em 2019 pela organização Opportunity@Work para “enfatizar suas habilidades e reduzir o número de contratações com base em títulos acadêmicos”, explica Will Villota, vice-presidente de marketing e comunicações. Atualmente, segundo a organização, há 70 milhões de STARs nos EUA, o equivalente à metade da força de trabalho do país.

RECESSÃO E GLOBALIZAÇÃO

Apesar de qualificados, houve uma queda significativa em sua participação no mercado de trabalho nos últimos 40 anos. Isso porque os empregadores estão cada vez menos dispostos a contratar profissionais sem graduação, fenômeno este que foi chamado de “inflação de diplomas” pela Harvard Business Review.

A partir da década de 1980, a globalização fez com que muitos profissionais graduados procurassem emprego no exterior, ao mesmo tempo em que a automação substituía trabalhadores de qualificação média por máquinas, reduzindo o número de vagas disponíveis para certas categorias. Os empregadores tornaram-se mais exigentes e a Grande Recessão no final da década de 2000 reduziu ainda mais as oportunidades, agravando o problema.

De acordo com um relatório da Opportunity@Work, em 2000, os STARs ocupavam 54% dos cargos com possibilidade de ascensão social; hoje, esse número caiu para 46%. Eles preencheram apenas 1,8 milhão das 17,2 milhões das vagas desse calibre que foram adicionadas ao mercado nos EUA nas últimas duas décadas.

A Opportunity@ Work identificou 30 indústrias prejudicadas pela dificuldade de preencher vagas devido à quantidade de qualificações exigidas.

Segundo Villota, o uso de aplicativos e algoritmos em processos seletivos também é responsável por dispensar estes trabalhadores, como forma de reduzir o volume de candidatos. A organização identificou 30 indústrias prejudicadas pela dificuldade de preencher vagas devido à quantidade de qualificações exigidas, incluindo enfermeiros e programadores – áreas que também sofrem com a escassez de trabalhadores.

Para ajudar a combater o estigma que esses trabalhadores enfrentam, o Ad Council criou uma campanha em parceria com a Opportunity@Work e a Ogilvy para destacar o quão capazes eles são. A campanha, que será promovida em todas as plataformas, concentra-se em “eliminar a barreira do papel” (ou “tearing the paper ceiling”, no original), uma expressão criada para se referir aos obstáculos indevidos que trabalhadores sem diploma enfrentam.

A frase “nos dá vocabulário para falar sobre as desigualdades que afligem tantas pessoas na força de trabalho”, explica Michelle Hillman, diretora de desenvolvimento de campanhas do Ad Council. “Estamos tentando mudar a narrativa do mercado.”

SALÁRIOS E OPORTUNIDADES

Mesmo quando contratados, esses funcionários ganham significativamente menos do que seus colegas com formação universitária e levam 30 anos para ganhar o mesmo salário de um recém-graduado. “Como sociedade, estamos equiparando 30 anos de experiência de trabalho com quatro anos de faculdade. Isso não é justo”, diz Villota. Hoje, eles ganham, em média, menos do que em 1976.

A campanha pede que os empregadores removam requisitos acadêmicos sempre que possível e que identifiquem funcionários que já trabalham na empresa e ofereçam a eles oportunidades de crescimento. “É um absurdo ter um STAR em sua empresa e não dar a ele a possibilidade de crescer”, diz Villota. “Eles acabam tendo que procurar isso em outro lugar.”

Várias empresas estão aderindo à iniciativa. Algumas criaram seu próprio treinamento interno, como o programa de aprendizagem da Accenture e o programa gratuito da IBM, SkillsBuild. Esta também se comprometeu a remover requisitos acadêmicos em metade de suas vagas. Provavelmente, as empresas poderiam fazer ainda mais, argumenta Villota.

Os sem diploma ganham menos do que colegas com formação universitária e levam 30 anos para ganhar o mesmo salário de um recém-graduado.

O Google também está apoiando a campanha, sobretudo, por meio do Google Career Certificate, um programa online criado em 2018 que treina indivíduos em cinco áreas diferentes, incluindo experiência do usuário, análise de dados e comércio eletrônico. Elas foram escolhidas porque são bem pagas e apresentam alto crescimento e demanda, explica Lisa Gevelber, fundadora e chefe do Grow with Google, um compromisso da empresa para criar oportunidades mais justas, que hoje conta com 1,5 milhão de vagas disponíveis.

“Muitas empresas simplesmente não conseguem encontrar o talento de que precisam”, diz ela. O programa, que já formou 300 mil pessoas, está disponível no Coursera por US$ 39 por mês. Segundo Gevelber, a maioria das pessoas o completa em três a seis meses.

Esses certificados preparam as pessoas para empregos no Google e são reconhecidos por 150 outras empresas. A Deloitte, por exemplo, adicionou alguns elementos ao curso de análise de dados para incluir SQL e R, duas linguagens de programação que a empresa exige dos candidatos.

O foco da campanha nos empregadores é um esforço para derrubar barreiras indevidas, já que o poder está em suas mãos. E há muitas histórias de sucesso. De acordo com a Opportunity@Work, cerca de 4 milhões dos 70 milhões conseguiram empregos com altos salários.

Mas essas oportunidades ainda são relativamente raras e, como no caso de Justin, envolvem sorte. “Se pudermos integrar os STARs em vez de excluí-los, vamos tornar as práticas de contratação mais intencionais e abrangentes”, diz Villota.


SOBRE O AUTOR

Talib Visram escreve para a Fast Company e é apresentador do podcast World Changing Ideas. saiba mais