Trabalhadores de aplicativo vencem na justiça em vários países

Novo relatório aponta uma tendência de a expansão da jurisprudência contra as empresas da "gig economy"

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Wilfred Chan 4 minutos de leitura

Empresas da gig economy costumam usar de um artifício parecido no mundo todo: investem grandes volumes de capital de risco para minar a concorrência dos concorrentes locais e tradicionais, contornam as leis trabalhista para manter seus custos baixos e, depois que conseguem o domínio do mercado, fazem uso disso para aprovar leis mais favoráveis.

Foi assim que empresas de transporte por aplicativo, como Uber e Lyft, aproveitaram a corrida eleitoral de 2020 nos EUA para fazer uma intensa campanha pela aprovação da Proposição 22 na Califórnia. Depois de aprovada, essa lei excluiu os trabalhadores de aplicativo de uma legislação estadual que classificaria muitos deles como funcionários contratados, com direito a sindicalização e greve.

Mas, em 2021, a Proposta 22 foi declarada inconstitucional por um juiz do condado, e as plataformas online precisaram apelar da decisão.

Se a decisão pela inconstitucionalidade for mantida, isso aumentará a crescente onda global de vitórias jurídicas para os trabalhadores de aplicativo, já que cada vez mais tribunais vêm reconhecendo que eles são trabalhadores com direitos – e não autônomos contratados temporariamente, como as empresas costumam alegar.

Os tribunais estão chegando à conclusão de que os algoritmos estão de fato subjugando os trabalhadores.

“Tribunais e legislaturas em todo o mundo estão percebendo que essa é uma grande mentira”, diz Jeffrey Vogt, chefe da Rede Internacional de Assistência a Advogados e Trabalhadores (Ilaw), uma coalizão de 700 advogados trabalhistas que atuam em mais de 70 países.

“Os tribunais estão chegando à mesma conclusão, de que os algoritmos estão de fato subjugando os trabalhadores. Esses vereditos têm servido de base para tentar expandir essa jurisprudência em outros países”, explica Vogt.

VITÓRIAS

Um novo relatório da Ilaw descreve essa tendência. Ao analisar 30 casos recentes sobre empregos precarizados em 18 países, o estud aponta uma “tendência positiva” nas decisões legais pró-trabalhador. Junto com um relatório semelhante divulgado no ano passado, a pesquisa da Ilaw compõe “a mais ampla coleção de jurisprudência sobre essa questão do status de vínculo empregatício, que existe”, diz Vogt.

O objetivo é divulgar essa tendência aos trabalhadores precarizados, aos defensores do trabalho regulamentado e aos pesquisadores. “Quem estiver lutando na justiça contra a Uber, a Lyft ou a Deliveroo, por exemplo, precisa saber que há casos em outros países que estão indo no caminho certo.”, diz ele. “Os advogados estão ganhando esses casos, e ninguém precisa litigar sozinho ou do zero.”

O último relatório cobre as decisões tomadas no final de outubro, quando o tribunal trabalhista da Nova Zelândia declarou que os motoristas da Uber e da Uber Eats têm uma relação caracterizada como vínculo empregatício. O entendimento foi de que a empresa estava de fato controlando seus funcionários, como qualquer chefe faria, e que, portanto, os trabalhadores poderiam ter direitos trabalhistas mais amplos.

Um tribunal do México obrigou uma plataforma digital a pagar previdência social, bônus e férias aos trabalhadores.

O tribunal disse ainda que seguiu decisões históricas recentes no Reino Unido e na Suíça ao rejeitar uma leitura formalista dos contratos de trabalho do Uber, que insiste que a plataforma seria apenas um provedor de serviços que conecta empreendedores individuais com clientes.

Em agosto passado, um tribunal trabalhista israelense aprovou uma ação coletiva contra a plataforma de entrega de alimentos Wolt. Os entregadores exigiam benefícios trabalhistas padrão. De acordo com o relatório, depois de argumentar de modo semelhante, o tribunal concluiu que “a Wolt tem controle e autoridade de supervisão sobre as entregas”.

Antes disso, uma decisão de maio de um tribunal trabalhista mexicano chegou às mesmas conclusões e ordenou que uma plataforma digital não identificada pagasse previdência social, bônus e férias aos funcionários.

DERROTAS

Mas o relatório também menciona uma série de contratempos para os trabalhadores de aplicativo. Na Austrália, por exemplo, os tribunais optaram por manter uma leitura estrita dos contratos de trabalhadores temporários – em uma abordagem que Vogt chama de “retrógrada” – em vez de examinar vários fatores para determinar se um trabalhador tem ou não vínculo empregatício. 

Segundo Vogt, esse é um setor no qual os empregadores seguem dispostos a desrespeitar as leis desfavoráveis a eles.

O relatório da Ilaw também observa que os trabalhadores de aplicativo baseados nos EUA foram particularmente prejudicados por acordos de arbitragem forçados, graças a decisões conservadoras da Suprema Corte nas últimas décadas, que mantiveram sua aplicabilidade. Essa é uma grande barreira para os trabalhadores que esperam processar as empresas que remuneram conforme a quantidade de trabalho.

“Quanto mais os tribunais dos EUA sancionam o artifício de arbitragem da gig economy, mais esse será um fenômeno exclusivamente norte-americano”, diz o relatório. “Embora as empresas tentem usar esse mesmo truque em outros lugares, isso quase sempre está sendo questionado.”

O relatório do grupo de advogados trabalhistas conclui alertando que, apesar das decisões pró-trabalhadores em muitos países, a fiscalização continua ineficaz – o que sugere que esse tipo de empresa continuará violando as regras.

“Esse é um setor no qual os empregadores demonstraram repetidas vezes que, independentemente do que os juízes dizem, ou do quanto são criticados pela imprensa, seguem dispostos a desrespeitar as leis desfavoráveis a eles”, conclui o relatório. “Afinal, continua compensando agir dessa forma, já que o preço que pagam ainda é relativamente pequeno.”


SOBRE O AUTOR

Wilfred Chan é jornalista em Nova York e escreve para o jornal The Guardian e a revista New York Magazine, entre outras publicações. saiba mais