Trabalhar ou fingir que está trabalhando – quem hoje nota a diferença?

Quanto mais difícil é entender o que alguém está fazendo, mais fácil é fingir. Veja como distinguir competência de papo furado

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Tomas Chamorro-Premuzic 5 minutos de leitura

Como fazer para medir a produtividade se você não consegue ver o que a pessoa tá fazendo? Quando tentamos avaliar se alguém está “arrasando” no trabalho só ouvindo a pessoa falar sobre a estratégia de transformação digital dela ou sobre uma iniciativa de inovação com IA, fica difícil separar o que é real do que é invenção, o que é competência do que é só autoconfiança, e o que é talento de... papo furado.

Quanto mais complicado é entender o que a pessoa faz, mais fácil é fingir. Irônico, não? Isso significa que, quanto mais você é pago para fazer o que faz – porque cargos com habilidades especializadas e muito procuradas geralmente envolvem processos mais abstratos, intelectuais e simbólicos, e não trabalho visível ou palpável –, mais difícil fica saber se você realmente é bom naquilo.

Bem-vindo ao ambiente de trabalho contemporâneo, onde a linha entre trabalhar de verdade e só fingir que está trabalhando não é apenas tênue – ela praticamente sumiu.

Isso é ainda mais verdade agora, com a chegada da inteligência artificial, que produz conteúdo que é igualzinho (às vezes até melhor) do que o que os humanos fazem. Se os trabalhadores do conhecimento estão basicamente só dando comandos para a IA e deixando que ela faça tudo, ainda podemos dizer que são humanos que estão trabalhando?

O escritório moderno já foi visto como uma fábrica de ideias, mas, na verdade, muitas vezes ele virou só um palco de encenações. Notificações no Slack, e-mails enviados às 23h47, reuniões marcadas sem nenhum motivo real – tudo isso virou uma forma de “parecer” produtivo.

Como o psicólogo Adam Grant já comentou, confundimos “responder rápido” com “ser competente”. Estar presente – fisicamente ou online – muitas vezes é confundido com performance ou mesmo com talento.

Até as avaliações de desempenho viraram mais uma performance do que um exame de verdade. A maioria dos gestores é péssima em avaliar desempenho – se deixam levar por eventos recentes, por quem eles gostam mais e por quem se mostra mais confiante. No fim, fica mais fácil recompensar quem domina a arte de fingir que está trabalhando do que quem realmente trabalha.

CONFIANÇA ACIMA DE COMPETÊNCIA

E a coisa só piora. Conforme o trabalho vai ficando mais mental e intelectual, vamos ficando melhores em “jogar o jogo”. Saber fazer marketing pessoal virou uma meta-habilidade: não é o trabalho em si, mas a capacidade de convencer os outros de que você está trabalhando, e bem.

Estudos da psicologia mostram repetidamente que as pessoas são péssimas em julgar a competência alheia e acabam confundindo confiança com habilidade. Um estudo mostrou que quem fala mais que os outros em um grupo tem mais chance de ser escolhido como líder. Ou seja, o mansplaining compensa.

Em um mundo no qual a percepção vale mais do que a realidade, quem sabe contar uma boa história muitas vezes se sai melhor do que quem está discretamente entregando resultado de verdade. É por isso que os jargões corporativos fazem tanto sucesso: “alavancar sinergias” soa muito mais importante do que simplesmente “falar com outro setor”.

E aí é que mora a tragédia: quanto mais tempo você gasta em fingir que está trabalhando – o que, por definição, te deixa com menos tempo para trabalhar de verdade –, mais sucesso você pode acabar tendo dentro de uma empresa.

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À medida que nossas habilidades evoluíram para lidar com esses ambientes complexos de conhecimento, nossa capacidade de parecer produtivos também evoluiu. Isso virou uma habilidade tipicamente contemporânea, que treinamos postando atualizações no LinkedIn, fazendo cara de atento no Zoom e dominando a sutil arte do “responder para todos”.

Apesar de tanto discurso sobre “autenticidade” e sobre ser você mesmo no trabalho, raramente existe alguma recompensa para quem é honesto e transparente – principalmente quando você compete com mestres da enganação e o teatro ofusca a realidade.

Quem diz que prefere deixar os resultados falarem por si pode até ser nobre e ético, mas, na prática, vai acabar sendo ignorado perto daqueles que vivem de política de bastidor, autopromoção e bajulação do chefe.

IA GENERATIVA E A ILUSÃO DA PRODUTIVIDADE

Entra em cena a IA generativa, a grande poupadora de tempo da nossa era. Estudos recentes sugerem que ferramentas como o ChatGPT e o Claude podem reduzir o tempo de execução de tarefas por trabalhadores do conhecimento em 40% a 50%.

Os níveis de adoção dessas ferramentas em países industrializados já ultrapassam 75% entre esses profissionais. Tarefas que antes levavam uma hora – escrever relatórios, gerar códigos, criar textos de marketing – agora podem ser feitas em minutos.

as pessoas são péssimas em julgar a competência alheia e acabam confundindo confiança com habilidade.

Então onde estão os enormes ganhos de produtividade? Spoiler: ninguém viu. Nem no PIB. Nem na produção total. Nem mesmo nos lucros das empresas. Por quê? Porque produtividade não se trata apenas de output – envolve também o input.

Se você economiza metade do esforço mas não aumenta seus resultados, tecnicamente está mais produtivo. Mas é bem provável que esteja usando o tempo livre para fingir que está trabalhando, para que seu chefe não comece a se perguntar se você algum dia esteve realmente tão ocupado assim.

E aqui vai o ponto-chave: a forma mais eficaz de aumentar sua produtividade é trabalhar menos. Se sua produção continua constante, reduzir o esforço aumenta a produtividade por definição. É matemática simples – e, ainda assim, profundamente contra intuitiva em culturas que valorizam a correria e o excesso de trabalho.

VANTAGENS DE FINGIR QUE ESTÁ TRABALHANDO

No fim das contas, o sucesso no ambiente de trabalho de hoje tem menos a ver com a qualidade ou quantidade do seu trabalho, e mais com a sua habilidade de convencer os outros de que você está trabalhando.

Pode parecer cínico, mas é o resultado lógico de um ambiente onde o trabalho real é difícil de medir e as habilidades “comportamentais” – especialmente a autopromoção – reinam absolutas.

O problema não é que as pessoas não estão trabalhando. É que quase nunca se fala sobre o abismo que existe entre esforço e aparência, entre conteúdo e encenação. O desempenho virou praticamente uma performance artística.

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Que lições podemos tirar disso tudo? Se você é líder, comece a medir os resultados: não se deixe enganar só por quem parece mais ocupado. Se você é funcionário, lembre-se de que saber convencer os outros é importante, mas não confunda teatrinho com impacto real.

Se você está se perguntando como ser mais produtivo, talvez o primeiro passo seja desligar o computador mais cedo. Talvez você não produza mais, mas com certeza vai ficar mais esperto fazendo menos.

Claro, o verdadeiro talento vai estar em descobrir como usar esse tempo extra de um jeito produtivo, e não só rolando o feed do Instagram.


SOBRE O AUTOR

Tomas Chamorro-Premuzic é diretor de inovação do ManpowerGroup, professor de psicologia empresarial na University College London e na ... saiba mais