A corrida científica para identificar a origem da próxima pandemia
Há mais ou menos um ano, o novo coronavírus provavelmente foi transmitido de um animal selvagem para o primeiro ser humano infectado em Wuhan, na China, antes de se espalhar pela cidade para depois rapidamente se alastrar pelo resto do mundo. Mas apesar de o ano de 2020 ter parecido uma anomalia, não foi: os cientistas dizem que outra pandemia ocorrerá em algum momento futuro. Um novo estudo tenta identificar de onde ela pode surgir.
“Basicamente, este trabalho está tentando identificar as maiores lacunas no mundo globalizado pelas quais agentes patogênicos podem passar e levar a uma extensa disseminação global”, afirma Michael Walsh, líder do estudo e epidemiologista da Escola de Saúde Pública da Universidade de Sydney.
Três fatores são cruciais. Em áreas onde os habitats da vida selvagem estão desaparecendo há mais estresse para os animais, fazendo com que as doenças se espalhem mais facilmente e que haja mais contato entre animais e humanos. Das piores infecções virais que surgiram nas últimas décadas, todas – incluindo HIV, o primeiro SARS e o Ebola – são zoonóticas, o que significa que são espalhadas por animais (em alguns casos o vírus contaminou primeiramente rebanhos e depois seres humanos). Sistemas de saúde ruins são um segundo fator de risco. Além disso, as cidades que correm mais riscos de serem as próximas a causar uma pandemia são as bem conectadas ao resto do mundo por meio de aeroportos.
“Nossa meta é identificar essas áreas onde a maior parcela da vida selvagem compartilha espaço com o maior número de pessoas. Nestes espaços, os seres humanos colocam uma grande pressão sobre as espécies selvagens e sobre seu ambiente, aumentando a própria exposição aos agentes patogênicos, devido ao maior contato com a vida selvagem”, explica Walsh. O resultado é um aumento do risco destes novos agentes patogênicos infectarem a população
Um relatório recente da Plataforma de Políticas Científicas Intergovernamentais sobre Biodiversidade e Ecossistemas adverte que o surgimento da COVID-19 foi “inteiramente causado por atividades humanas” e que há centenas de milhares de outros vírus em mamíferos e aves que poderiam potencialmente infectar humanos caso ações não sejam tomadas para proteger a natureza e limitar a possibilidade de transmissão entre espécies. Alguns poderiam ser ainda mais mortais que o SARS-CoV-2, o vírus que causa a COVID-19. Sem ações, as pandemias poderiam acontecer com maior frequência no futuro – hoje, novas doenças infecciosas surgem entre humanos a cada aproximadamente oito meses.
O novo estudo mostra que áreas da África e partes da Ásia correm maior risco, tanto pelo contato entre pessoas e animais como por outros fatores: ainda que seja possível que uma pandemia surja em um local com uma boa infraestrutura de saúde, é mais provável que ela aconteça em áreas onde o sistema de saúde é inadequado. “Se uma nova contaminação levar à transmissão de humano para humano, é mais provável que ela não seja detectada em áreas sem acesso a um bom sistema de saúde do que nas áreas onde este esteja presente”, afirma Walsh. Cidades como Mumbai, na Índia e Chengdu, na China, correm mais risco ainda, porque são grandes centros de viagens, o que pode fazer com que o vírus, um que surja entre humanos, seja espalhado para outras partes do mundo caso não seja detectado a tempo.
Os governos podem usar o estudo para começar a fazer melhorias nas cidades que correm mais risco, conservando os habitats, melhorando a infraestrutura de saúde para humanos e cuidados veterinários para os rebanhos e desenvolver melhores sistemas de monitoramento de doenças, que possam monitorar sistematicamente os agentes patogênicos (incluindo, como última defesa, monitoramento de doenças em aeroportos). A sociedade também precisa “pensar em formas de minimizar o contato, em outras palavras, formas de romper a interface entre humanos e vida selvagem, o que significa trabalhar com departamentos florestais e outras agências de administração das terras para pensar formar de reduzir o compartilhamento de espaço”, diz Walsh.