A exclusão digital é o maior obstáculo para um futuro real de diversidade e inclusão

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Empreender tendo como norte a tecnologia sempre foi uma peça chave na minha vida profissional. Hoje, finalmente me encontro em um lugar almejado por muitos, mas destinado a poucos. Eu, mulher negra, sou co-fundadora de uma startup de tecnologia. Minorias sociais se deparam com uma carga dobrada nesse ecossistema, não pela falta de talento ou potencial criativo, mas por razões de exclusão racial e de gênero que são sistêmicas na nossa sociedade.

Pensar sobre essa exclusão hoje em dia é urgente. Estamos vivenciando a consolidação de uma nova estrutura socioeconômica, profundamente ligada à tecnologia: a sociedade da informação. A fonte de produtividade está agora na geração e processamento de dados, o que traz enormes benefícios: caem barreiras geográficas, temos maior possibilidade de acesso ao conhecimento, nossa comunicação é facilitada e a liberdade de expressão caminha por vias largas.

Porém, será que a tecnologia consegue conectar todos em uma sociedade com discriminações de raça e de gênero ainda latentes? Uma análise mais de perto sobre esse mosaico cultural é importante para construirmos uma sociedade da informação realmente democrática.

Nohoa Arcanjo é Co-founder & Chief Growth Officer da Creators.LLC (Crédito: divulgação)

A expansão e a valorização da informação criam uma nova exigência social: o domínio da tecnologia. E, sem o devido conhecimento para utilizá-la, o indivíduo fica à margem de uma série de benefícios, desde a expansão dos próprios conhecimentos – como, por exemplo, aulas EAD – até vagas no mercado de trabalho. Ambos ainda se tratam de acessos privilegiados.

De acordo com a pesquisa TIC Domicílios, 65% da população negra possui acesso à internet apenas via smartphones, percentual expressivamente maior que o da população branca – 51%. Limitando a análise apenas aos efeitos da pandemia do Covid-19 sobre esse dado, o home office – para os quais estão inseridos em trabalhos onde esse regime é possível – e estudos à distância foram negados principalmente à negros. 

A exclusão tecnológica constitui uma forma de pobreza e exclusão social ao privar uma parte da população de recursos essenciais para se desenvolver e gerar riqueza. “Promover o acesso à tecnologia para pessoas minorizadas é essencial para garantirmos um futuro realmente inclusivo e diverso!”

Tal constatação é consequência da importância de saber utilizar gadgets tecnológicos e estar inserido no mundo digital hoje em dia. Ao agravar a condição de pessoas que estão à margem da evolução tecnológica, automaticamente forma-se uma massa de analfabetos tecnológicos, que estarão condenados a um ciclo de exclusão social, cultural e financeira contínuo.

“Promover o acesso a tecnologia para pessoas minorizadas é essencial para garantirmos um futuro realmente inclusivo e diverso!”

Esse ciclo já acontece há muito tempo: uma pesquisa de 2019 da Feira Preta com o Instituto Locomotiva evidenciou que, por mais que pessoas negras movimentam R$ 1,7 trilhão por ano no Brasil, grande parte do lucro financia projetos de pessoas brancas. Além disso, negros são três vezes mais rejeitados em pedidos de empréstimos bancários para investir nos seus negócios. Agora, a exclusão tecnológica reforça esse ciclo. 

Dentro de um recorte de gênero, as mulheres saem em desvantagem – o que não é novidade. De acordo com a Universidade de Oxford, mulheres têm menos acesso a celulares em 17 dos 23 países da América Latina e Caribe analisados. E, quanto maior a lacuna entre gêneros na posse dos aparelhos de celular, pior a inserção no mercado de trabalho.

Os reflexos de toda essa conjuntura já está sendo sentido na tecnologia: os algoritmos que regem nossas redes sociais e processos de empresas e governos replicam o comportamento do humano que o criou. Segundo uma pesquisa da PretaLab e ThoughtWorks, uma em cada cinco equipes de tecnologia no Brasil não possui sequer uma mulher. Em 32% delas não há colaboradores pretos ou pardos. Ou seja, há um desequilíbrio enorme de raça e gênero sobre o perfil de pessoas que produzem tecnologia no país. 

De forma a tentar solucionar tais problemas, a ONU sugeriu que países assegurem que o uso de inteligência artificial pelos serviços de segurança, especialmente os que utilizam para reconhecimento facial ou controle policial, não reforcem preconceitos estruturais. Mas essa é só a ponta do iceberg.

Cidadãos com conhecimento digital e tecnológico podem acessar empregos melhores com maior remuneração. Desse modo, o poder de consumo aumenta, fazendo a economia girar, contribuindo para o aumento do PIB nacional. A tarefa de quebrar o ciclo da exclusão tecnológica contra minorias deveria ser de interesse público, pois resulta em condições melhores de vida para todos. 

Felizmente, são cada vez maiores os exemplos de organizações e empresas que lançam projetos e ações que visam minar as discrepâncias encontradas no setor de tecnologia. A Programaria empodera mulheres através da tecnologia diminuindo o gap de gênero no mercado de trabalho; já a AfroPython oferece oficinas de programação para profissionalizar pessoas negras; a iFood fundou a Potencia Tech, plataforma que oferece bolsas de estudo para pessoas que buscam iniciar a carreira em tecnologia; e a Google criou o Black Founders Fund Brasil, fundo de investimentos destinado à startups lideradas por pessoas negras.

Em uma sociedade que se reordena frente a tecnologia, temos a oportunidade de trilharmos um caminho mais democrático e justo a partir da plena inserção tecnológica de todos. Não podemos aceitar que a exclusão socioeconômica de minorias que há tanto se faz presente se transponha para esse novo arranjo social, cultural e profissional. É hora de lembrarmos o preceito sob o qual a era da informação se estabelece: uma oportunidade de maior inclusão, comunicação, liberdade e direito ao conhecimento.


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