Berlim e a luta global por cidades acessíveis

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Adele Peters 3 minutos de leitura

Em Berlim, os aluguéis mais do que dobraram na última década. A cidade costumava ser conhecida como um lugar acessível para se viver. Mas, agora, alguém que ganha um salário médio precisa gastar mais de 60% de sua renda líquida para morar, por exemplo, no famoso bairro de Mitte.

No último domingo, dia 26, mais de um milhão de eleitores votaram ‘sim’ em um referendo decisivo. O voto favorável defende que o governo deveria expropriar prédios de grandes proprietários e transformá-los em propriedade pública, para que os aluguéis possam ser mantidos em níveis acessíveis.

“Berlim é uma cidade de locatários”, diz Joanna Kusiak, socióloga urbana da King’s College de Londres, que mora em Berlim e estuda mercado imobiliário, transformação da propriedade e a forma como movimentos sociais utilizam estratégias legais. Kusiak também é uma ativista e está envolvida na campanha por trás do referendo. Ela afirma que “85% dos residentes de Berlim são inquilinos” e cita que “já que a habitação é um problema universal, essa é uma pauta que recebe apoio de todos os partidos políticos e de diferentes segmentos sociais.”

Os aluguéis aumentaram, em parte, porque a cidade vendeu alguns de seus prédios públicos – que totalizam mais de 200 mil apartamentos – quando estava tendo problemas financeiros no início dos anos 2000. Grandes proprietários agora são donos de uma parte considerável da cidade, em especial uma empresa chamada Deutsche Wohnen, que possui cerca de 113 mil apartamentos. O plebiscito pede que a cidade tome medidas apenas contra grandes proprietários que possuem mais de 3 mil unidades residenciais, algo que chega a afetar mais de 200 mil moradias em toda a cidade.

(Crédito: KP Ivanov/Unsplash)

Este conceito ainda enfrenta obstáculos políticos e jurídicos. O referendo foi consultivo, então o governo da cidade, que está em transição de mandato, terá que decidir se dá o passo no sentido de criar uma nova lei de “socialização” que force proprietários a venderem os edifícios. “Legalmente falando, essa compensação deve ser inferior ao preço de mercado. Mas isso não configura uma estatização, as propriedades não serão do Estado”, afirma Kusiak. “Trata-se de uma socialização que prevê o controle democrático dos recursos.” Entretanto, o maior partido político na capital se opõe à ideia.

Somado a isso, há problemas de interpretação legal. A base para o processo seria um artigo da constituição alemã, nunca antes usado, que diz que a propriedade pode ser transferida ao Estado para o bem público, com alguma compensação para os proprietários. Mas a interpretação que os autores do referendo usaram certamente será contestada. A tentativa anterior da cidade de tornar a habitação mais acessível, através da implementação de um limite temporário para o aluguel, não durou, já que o tribunal alemão a rejeitou por entrar em conflito com a lei nacional. Mas, desta vez, os ativistas trabalharam com especialistas jurídicos para elaborar a proposta e acreditam que ela se sustenta. “Fizemos nosso dever de casa. Sabemos que é constitucional”, diz Bronwyn Frey, outra ativista que trabalha na campanha.

Nos EUA, algumas cidades também estão trabalhando em suas próprias propostas inovadoras de política habitacional, embora nenhuma seja tão firme ou tenha a escala da posposta alemã. Em Los Angeles, o conselho municipal propôs o uso do “domínio eminente” para confiscar um conjunto habitacional afim de impedir que os aluguéis aumentassem de acordo com as taxas de mercado. Já em São Francisco, eleitores aprovaram uma proposta em 2020 que tributa transações imobiliárias acima de US$ 10 milhões, para que a cidade tenha fundos para comprar (ou construir) prédios para habitação social. “Assim, criamos habitações cujas receitas podem ser usadas para a manutenção da propriedade e não para o lucro dos investidores”, disse Dean Preston, supervisor distrital de São Francisco que escreveu a proposta. “E isso, portanto, muda completamente a economia de aluguel residencial.” Ele afirma que o programa ainda precisará de mais apoio federal e estadual para ser ampliado, mas o imposto arrecadado pode gerar até US$ 200 milhões por ano para a cidade.

(Crédito: KP Ivanov/Unsplash)


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais