Como a obsolescência programada está matando o nosso planeta

E como os designers podem tornar os produtos mais “consertáveis” por princípio

Crédito: Lya_Cattel/ iStock

Dave Hoffer 4 minutos de leitura

Outro dia, abri a secadora e dei de cara com todas as roupas completamente retorcidas em um grande nó. Elas tinham se prendido em um pedaço quebrado do invólucro do filtro. Sou razoavelmente habilidoso, então peguei minhas ferramentas e comecei a tentar consertar. Logo percebi que remover aquelas peças não seria fácil: foi preciso ser flexível como no yoga enquanto segurava uma lanterna e xingava a máquina.

Depois de identificar as peças que precisava repor, fui pesquisar na internet e o Google me enviou a um determinado site. Encomendei as duas, mas elas chegaram em horários diferentes e o filtro estava errado. Refiz a compra do item errado, troquei o que veio correto e torci para que a secadora não destruísse mais roupas.

Um produto pode ser projetado desde o início para ser consertado e a tecnologia pode facilitar o reparo ao longo do seu ciclo de vida.

Ao longo do século 20, a obsolescência programada foi responsável por um enorme crescimento econômico. Mas, em meio ao agravamento da crise climática e à turbulência econômica, é hora de as empresas focarem novamente na longevidade planejada.

Aqui estão algumas ideias de como se pode fazer do design que prevê futuros reparos uma parte da própria estratégia de produto:

PENSE NOS CONSERTOS COMO UM RECURSO

“As empresas nunca quiseram que as pessoas consertassem seus próprios produtos e nossos projetos fazem mais para impedir a desmontagem do que para facilitá-la”, analisa o designer industrial Andy Logan. Quando perguntei a ele por que era tão difícil acessar os parafusos para chegar ao conjunto do filtro da secadora, ele admitiu: “tentamos esconder os fixadores, não expô-los”.

Alguns dos princípios de design mais famosos são os de Dieter Rams, que dedicou dois de seus 10 princípios à ideia de longevidade e sustentabilidade do produto. Rams acreditava em design duradouro, mas nem ele chegou a defender a durabilidade.

A longevidade deve ir além da estética e algumas empresas já estão trabalhando nisso. A consultoria de design 42T estabeleceu alguns princípios excelentes para reparabilidade. Eles incluem durabilidade, desmontagem, modularidade, emoção e comunicação.

Mas tudo isso só funciona se a empresa os adotar como parte da proposta de valor dos produtos que fabrica.

APROVEITE A IA NO PROCESSO DE DESIGN

Existe uma oportunidade de usar novas tecnologias, especificamente IA generativa, para fabricar produtos mais “consertáveis”. Trabalhar com inteligência artificial para otimizar um projeto pode reduzir a quantidade de material e proporcionar maior resistência.

Se os projetistas puderem otimizar um projeto para reparabilidade, a IA poderia revisar o projeto dos componentes para permitir acesso fácil à estrutura interna do produto, para que seja possível consertá-lo conforme necessário.

PENSE NO CONSERTO INTELIGENTE

Se o produto foi projetado para ser facilmente desmontado, ele abre muito mais oportunidades para reparos, tanto em casa quanto em assistências técnicas autorizadas. Mas também é possível contar com uma ajuda adicional da IA.

O pessoal da KungFu.ai trabalha com uma visão diferente do ciclo de vida do produto. Com análises preditivas e prescritivas, a manutenção e o reparo podem ser previstos e aplicados. No caso da minha secadora, se fosse mais provável que uma correia quebrasse (ou o filtro, no caso), o fabricante poderia me enviar uma notificação no tempo certo.

FACILITE CONSERTOS DOMÉSTICOS

Fornecer um manual de instruções e disponibilizar peças é um passo importante, mas as empresas podem fazer mais. Primeiro, podem disponibilizar conteúdo na forma de vídeos envolventes sobre como consertar seus produtos, em vez de deixar isso para serviços de terceiros ou criadores de conteúdo.

Em segundo lugar, os fabricantes podem fazer parceria com empresas como a Home Depot. Existem atualmente 2,7 mil Repair Cafes em todo o mundo. Repair Cafes (cafés para consertos, em tradução livre) são locais onde as pessoas se encontram para consertar coisas juntas.

Nesses locais estão disponíveis ferramentas e materiais que podem ajudar a fazer reparos em roupas, móveis, eletrodomésticos, bicicletas, brinquedos etc. Mas, e se uma gigante varejista como a Home Depot oferecesse seu próprio serviço de conserto ou aulas e descontos em ferramentas?

Por fim, por meio da aplicação inteligente da IA, os fabricantes poderiam oferecer serviços automatizados por meio de seus sites, que contariam com informações específicas sobre o reparo necessário. Nos EUA, empresas como Instacart, Shopify e Buzzfeed já estão usando grandes modelos de linguagem (LLM) para atendimento ao cliente. Portanto, esse seria o próximo passo lógico para os fabricantes.

É claro que a possibilidade de consertar aparelhos danificados é algo que as pessoas desejam. Com o surgimento de iniciativas como os Repair Cafes, com o crescimento da cultura do “faça você mesmo” e depois dos problemas da cadeia de suprimentos que surgiram nos últimos anos (por causa da Covid), podemos estar na vanguarda de uma mudança cultural. Uma mudança que remete à época em que as pessoas tinham que ser mais resilientes e consertar as coisas elas mesmas. Mas também sugere um futuro mais sustentável.

Olhando para o passado, podemos encontrar inspiração em algo como o Kintsugi, a arte japonesa de fixar a cerâmica com uma costura de ouro ao longo da rachadura e destacar a quebra. Se os fabricantes projetassem linhas inteiras de produtos considerando o conserto e a durabilidade, e se eles centralizarem a fabricação localmente, para reduzir a possibilidade de cadeias de suprimentos interrompidas, alcançaríamos a longevidade planejada.


SOBRE O AUTOR

Dave Hoffer é designer, com uma carreira de mais de 20 anos em design digital, físico e de serviço. saiba mais