Como o monitoramento das redes de esgoto pode ajudar a evitar futuras pandemias

Crédito: Pisauikan/ Patrick Federi/ Unsplash

Susan De Long e Carol Wilusz 6 minutos de leitura

O esgoto de qualquer comunidade contém pistas sobre os seus níveis de infecção por Covid-19. Ao longo da pandemia, a vigilância de águas residuais tornou-se uma maneira cada vez mais popular de entender e de acompanhar as tendências locais de infecção.

Em abril de 2020, as microbiologistas Susan De Long e Carol Wilusz se conheceram e, juntas, se tornaram especialistas em águas residuais. Naquela ocasião, um grupo de base de operadores de estações de tratamento de águas residuais pediu que as duas desenvolvessem e implantassem um teste para detectar o vírus SARS-CoV-2 em amostras dos esgotos do estado norte-americano do Colorado. De Long é engenheira ambiental e estuda bactérias. Já a experiência de Wilusz é em biologia de RNA. A seguir, elas descrevem como funciona a vigilância de águas residuais e o como esse método pode ser útil em um futuro pós-pandemia.

COMO AS ÁGUAS RESIDUAIS SÃO MONITORADAS?

A vigilância de águas residuais se aproveita do fato de que muitos patógenos humanos e produtos metabólicos do uso de drogas acabam na urina, nas fezes ou em ambos. O vírus SARS-CoV-2, que causa a Covid-19, aparece em quantidades surpreendentemente grandes nas fezes de pessoas infectadas – embora essa não seja uma das principais vias de transmissão da doença.

Para descobrir se algum patógeno está presente, primeiro é necessário coletar uma amostra representativa diretamente do esgoto, ou no ponto em que o que os engenheiros chamam de “influente” – aquele que chega em uma estação de tratamento. Também podem ser utilizados os sólidos que se depositaram nas águas residuais.

As mesmas técnicas funcionam com outros patógenos, incluindo poliovírus, influenza e norovírus.

Os técnicos precisam remover grandes partículas de matéria fecal e concentrar quaisquer micróbios ou vírus. O próximo passo é extrair seus ácidos nucleicos – o DNA ou RNA, que contém as informações genéticas dos patógenos.

As sequências contidas no DNA ou RNA atuam como códigos de barras para os patógenos presentes. Por exemplo: se detectarmos genes exclusivos do SARS-CoV-2, saberemos que o coronavírus está nessa amostra. Abordagens baseadas em PCR, semelhantes àquela usada em testes de diagnóstico clínico, são utilizadas para detectar e quantificar sequências de SARS-CoV-2.

Caracterizar a sequência de ácido nucleico com mais detalhes pode fornecer informações sobre cepas virais – ajudando a identificar, por exemplo, variantes como omicron BA.2.

Atualmente, a maioria dos esforços de vigilância de águas residuais está focada no SARS-CoV-2, mas essas mesmas técnicas funcionam com outros patógenos, incluindo poliovírus, influenza e norovírus.

Antes da pandemia, um aplicativo já monitorava surtos raros de poliovírus em áreas onde a vacinação contra a poliomielite ainda está em andamento. As águas residuais também podem ser monitoradas quanto a sinais de várias substâncias, a fim de fornecer informações sobre o nível e o tipo de uso de drogas de uma população.

O QUE OS DADOS REALMENTE MOSTRAM?

Os níveis de SARS-CoV-2 em águas residuais de grandes populações são um excelente indicador do nível de infecção em uma comunidade. O sistema monitora automaticamente todos que moram em uma bacia de esgotamento sanitário (a área da comunidade servida por um sistema de coleta de esgoto) e, por isso, é anônimo, imparcial e equitativo.

A vigilância de águas residuais não depende da disponibilidade de testes clínicos ou de pessoas relatando resultados. Ela também detecta casos assintomáticos e pré-sintomáticos de Covid-19. Isso é fundamental, porque pessoas infectadas, mas que não se sentem doentes, ainda podem espalhar o vírus. 

O sistema monitora automaticamente todos que moram em determinada área, por isso é anônimo, imparcial e equitativo.

Até agora, não é possível prever com precisão o número de indivíduos infectados em uma comunidade apenas com base no nível de vírus nas suas águas residuais. O estágio da infecção da pessoa, como seu corpo responde ao vírus, a variante viral, a distância entre o doente e o local onde a amostra foi coletada e até mesmo o clima são variáveis que podem afetar as quantidades de SARS-CoV-2 medidas no esgoto.

Mesmo assim, os cientistas podem inferir mudanças relativas nas taxas de infecção. Observar os níveis virais subindo e descendo a partir do esgoto fornece uma indicação se os casos estão aumentando ou diminuindo na comunidade como um todo.

Como o vírus pode ser detectado em águas residuais dias ou mesmo semanas antes da ocorrência de surtos, o monitoramento desse material pode fornecer um alerta que justifique medidas precoces de saúde pública. Se os governantes sabem que os níveis virais estão subindo, pode ser um bom momento para reinstituir a obrigatoriedade do uso de máscara ou recomendar a volta ao trabalho de casa.

Atualmente, as autoridades de saúde pública usam dados de monitoramento de águas residuais juntamente com outras informações – como taxas de positividade de testes e número de casos clínicos e hospitalizações na comunidade – para tomar esse tipo de decisão.

Os dados do sequenciamento também podem ajudar a detectar novas variantes e a monitorar seus níveis, permitindo que as respostas de saúde pública levem em consideração as características da variante presente.

COMO SERÁ O MONITORAMENTO NO FUTURO?

O uso generalizado e rotineiro do monitoramento de águas residuais daria às autoridades de saúde pública acesso a informações sobre os níveis de uma série de infecções potenciais. Esses dados serviriam para orientar as decisões sobre para quais comunidades fornecer recursos adicionais, onde instalar postos de vacinação e a melhor forma de realizar testes. Também poderiam ajudar a determinar quando medidas coletivas, como uso de máscaras ou fechamento de escolas, são necessárias.

O monitoramento de águas residuais pode identificar um novo vírus assim que ele aparece em uma nova área.

Na melhor das hipóteses, o monitoramento de águas residuais pode identificar um novo vírus assim que ele aparece em uma nova área – e o isolamento antecipado de áreas mais bem delimitadas pode evitar uma futura pandemia. Curiosamente, pesquisadores detectaram o vírus SARS-CoV-2 em amostras de águas residuais arquivadas, coletadas antes mesmo que alguém fosse diagnosticado com a doença.

Se lá no final de 2019 o monitoramento já fizesse parte da infraestrutura de saúde pública, ele poderia ter fornecido um alerta de que o SARS-CoV-2 estava se tornando uma ameaça global.

Os esforços contínuos de pesquisa e desenvolvimento estão tentando simplificar e automatizar a amostragem de águas residuais. Do lado da análise, a adaptação de tecnologias de PCR e de sequenciamento para detectar outros patógenos, incluindo novos, será vital para aproveitar ao máximo esse sistema. Em última análise, a vigilância das amostras de esgoto pode contribuir para que, no futuro, as pandemias sejam muito menos mortais e tenham menos impacto social e econômico.


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