Depois da fast fashion, chegou a vez das roupas biodegradáveis

Uma série de marcas vem lançando linhas de roupas biodegradáveis, mas ainda há muito o que fazer para tornar a moda mais sustentável

Crédito: Freepik/ Istock

Bridget Shirvell 5 minutos de leitura

Quando Katie Lopes se dispôs a criar uma marca de roupas íntimas femininas, resolveu que seus produtos seriam modernos, confortáveis e que, um dia, se dissolvessem na terra como as cascas de ovo, a borra de café e os restos de batata que ela usa para adubar seu jardim.

“Estava começando a me tornar mais consciente do dano ambiental causado pela indústria da moda. Seria uma falta de responsabilidade não levar isso em conta”, disse a cofundadora da Stripe & Stare na ocasião do lançamento da marca, em 2017.

Segundo ela, o foco no segmento de roupa íntima foi escolhido porque as pessoas não se sentem confortáveis comprando esse tipo de peça de segunda mão. “Produzir direitinho de modo a evitar que os produtos acabassem no aterro sanitário era muito importante para mim.”

A Stripe & Stare é um exemplo entre o número cada vez maior de fabricantes de vestuário – como H&M e Stella McCartney – que estão investindo em materiais biodegradáveis, com peças que podem ser descartadas no lixo comum.

A indústria da moda é responsável por mais de 8% das emissões globais de CO2, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). É um volume maior do que o emitido pelo transporte marítimo e aéreo juntos. Cerca de 84% das roupas produzidas acabam em aterros sanitários ou são incineradas.

Não precisa ser assim, diz Natalie Patricia, fundadora da Harverst & Mill, marca cujas roupas são feitas apenas com algodão orgânico. “Ele é cultivado em fazendas, exatamente como as frutas, verduras e legumes que comemos. Portanto, pode e deve ir para compostagem e retornar ao solo “, defende ela.

UM PROBLEMA DE DIFÍCIL SOLUÇÃO

Compostagem é o processo de reciclagem de material orgânico. No caso do lixo doméstico, seriam cascas, restos de comida e folhas de árvores, por exemplo, que podem virar fertilizante. Como se trata de um processo aeróbico, não produz metano, um gás de efeito estufa que é emitido pelo material que se decompõem nos aterros sanitários.

No entanto, não basta que o tecido seja feito de fibras naturais, como algodão, seda ou lã, para ser compostável. Muitas empresas usam tratamentos químicos para tornar o tecido à prova d’água, de manchas ou para que não amasse.

“Existem muitas marcas que dizem que são sustentáveis, mas que estão apenas usando algodão, ou linho, ou cânhamo. A tintura e os acabamentos usados em cada peça não são compostáveis”, explica Katherine Quigley, dona da Sustain, confecção que usa tinturas à base de plantas.

Mas mesmo que cada acabamento seja feito de material orgânico, poucas instalações de compostagem recebem material têxtil. É difícil verificar a composição do tecido e não se pode correr o risco de contaminação, detalha Paul Foulkes-Arellano, fundador da  Circuthon, consultoria que auxilia empresas na transição para a economia circular.

Muitas marcas que dizem que são sustentáveis, mas a tintura e os acabamentos usados em cada peça não são compostáveis.

“Eles não querem tecidos, nem calçados, nem nada que tenha a ver com a indústria da moda porque estão focados em trabalhar com embalagens e alimentos”, explica.

Para a compostagem de vestuário fazer uma diferença significativa, seria preciso ser realizada em grande escala. Por exemplo, a nível de política pública, e não por cada marca, isoladamente. “A menos que o fabricante garanta que vai coletar todos os acabamentos, ficará tudo no campo das boas intenções”, diz Arellano, que vem estudando o sistema de descarte de têxteis na Europa.

Patricia, da Harvest & Mill, diz que sua companhia está trabalhando com a organização sem fins lucrativos Fibershed para testar as possibilidades em instalações de compostagem públicas e privadas na Califórnia. Se conseguirem fazer com que essas empresas se juntem ao processo, será possível criar um programa de logística reversa para processamento de tecidos.

EXCESSO DE PRODUÇÃO

“São poucas as peças de roupa que podem ir para a compostagem com segurança”, diz Alden Wicker, autora do livro (ainda não lançado) “To Dye For: How Toxic Fashion is Making Us Sick” (Como a indústria da moda está nos deixando doentes, em tradução livre). Segundo ela, quando a roupa se decompõe, há o risco de contaminação do solo por elementos tóxicos presentes nas tinturas.

Adotar padrões universais de compostagem para produtos têxteis poderia ser uma forma de ajudar os consumidores a descartar suas roupas de maneira responsável. Arellano diz que está otimista quanto ao aumento na reciclagem de tecidos. “Acredito no reaproveitamento de materiais, e o algodão é um que pode ser reciclado.”

Na Suécia, uma empresa de reciclagem de têxteis recentemente adaptou uma fábrica de papel para o processamento de roupas. “Eles conseguem aproveitar jeans, camisetas e meias de algodão com as máquinas de reciclagem de papel, que transformam todo esse material em tecido de algodão”, conta Arellano.

O fato é que a quantidade de roupas recicladas, compostadas ou enviadas para aterros sanitários, na verdade, aponta para a raiz do problema: o excesso de produção, que é prejudicial não só ao meio ambiente. Esse volume de produção demanda trabalhadores mal remunerados (e, muitas vezes, irregulares). Estima-se que 98% dos trabalhadores de confecções mal ganhem para viver.

Uma camiseta de algodão da Sustain custa cerca de US$ 48, ou quase o dobrode uma similar da GAP. Kathrine Quigley acredita que novas políticas públicas poderiam equiparar a disputa entre as empresas de fast fashion e companhias como a dela. A empresária defende impostos mais altos para as marcas de moda rápida poluentes ou incentivos para as manufaturas domésticas.

“Uma coisa que poderia ajudar é se o governo começasse a fazer com que as fabricantes de roupas se responsabilizassem pelo ciclo completo do produto. Se uma peça de poliéster realmente incorporasse o custo da reciclagem ou do seu descarte correto, ela fatalmente custaria mais”, diz a sócia da Sustain.

Quando o consumidor desembolsa US$ 56 por uma camiseta da Stripe & Stare, ele está pagando por eliminação de carbono, remuneração justa para os trabalhadores e o melhor que há hoje em dia em termos de materiais biodegradáveis, diz Katie Lopes.

As pessoas podem não gostar muito de ter que gastar mais, admite ela. “Estamos tentando, com todo empenho, difundir a ideia de comprar menos, mas comprar melhor.”


SOBRE A AUTORA

Bridget Shirvell é jornalista e consultora editorial especializada em temas como alimentação e mudanças climáticas. saiba mais