Futuro do presente!

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 7 minutos de leitura

O avançar da tecnologia dialoga muito bem com a velocidade das necessidades das pessoas. Toda semana nasce um futuro unicórnio, que são as startups com avaliação de preço de mercado no valor de mais de 1 bilhão de dólares americanos, conceito  criado em 2013 por Aileen Lee. Entre alguns exemplos de empresas unicórnio brasileiras estão  Loggi, Nubank, 99, TFG e PagSeguro. Em um cenário brasileiro com 34 milhões de adultos desbancarizados – ou seja, pessoas que não possuem conta bancária ou utilizam com pouca frequência –, há dois unicórnios do setor bancário, sem contar a fintech Storm, que tomou conta do Brasil nesses últimos cinco anos. O número de desbancarizados é do levantamento do Instituto Locomotiva, realizado em janeiro de 2021.

Me lembro de um momento na faculdade em que o sonho da maioria dos alunos era criar uma startup e ser o novo Bill Gates. Acho que hoje ninguém fala mais em ser o novo Tio Bill, nomes de jovens como Mark Zuckerberg da Meta, Elon Musk da Tesla e tantos outros que criaram bancos, aplicativos de troca de mensagens, streams e afins.  

O mundo anda para frente e quem não se adaptar às novas tecnologias vai ficar para trás, a tecnologia não perdoa. É nesta perspectiva que abordo um conceito que tenho chamado de futuro do presente. Há uma distância social no mundo da tecnologia e essa distância pode ser percebida pelo fluxo temporal da inovação. Quanto tempo leva para uma inovação deixar de ser nova? 

O conceito de inovação é bastante variado, cabendo várias interpretações que estão certas mesmo sendo bem diferentes, dependendo, principalmente, da sua aplicação na vida real. A ABGI, consultoria em inovação presente em mais de 13 países,  considera que inovação é “a exploração de novas ideias com sucesso”, sendo a variável sucesso explicada como, por exemplo, aumento de faturamento, acesso a novos mercados, aumento das margens de lucro, entre outros benefícios.

Dentre as várias possibilidades de inovar, aquelas que se referem a inovações de produto ou de processo são conhecidas como inovações tecnológicas. Há outros tipos de inovações que podemos relacionar a novos mercados, inclusive a novos modelos de negócio, novos processos e métodos organizacionais, ou até mesmo novas fontes de suprimentos. O conceito de inovação é realmente bastante variado, a depender, principalmente, da sua aplicação. 

O processo de inovação, além de gerar muitos empregos, gera uma margem multifacetada de desempregados, além de precarizar algumas funções do trabalho. O filme Tempos Modernos, produzido e estrelado por Charlie Chaplin, é muito utilizado para mostrar o processo de mecanização do humano, e geralmente é utilizado para falar sobre como o humano passou a ter funções muito específicas – caso do personagem principal, Carlitos, que serve unicamente para apertar parafusos. 

Tempos Modernos é um filme que retrata a vida urbana nos Estados Unidos no ano de 1930, demonstrando os modos de produção industrial baseados na divisão e especialização do trabalho na linha de montagem. O Taylorismo e o Fordismo são modelos de produção baseados na divisão do trabalho, ou seja, cada operário fica responsável por uma etapa do processo produtivo. A produção em massa deve ser realizada no menor tempo possível, a repetição de exercícios por parte do operário causa a alienação dele e ele será facilmente substituído – como de fato foi, por uma máquina, inovação, que faz a mesmo coisa que o ser humano, numa velocidade espetacular e que, na melhor das hipóteses, realiza o trabalho do maior número de pessoas possível.  Anterior ao processo relatado em Tempos Modernos, a humanidade já tinha vivido um caso de inovação que deixou rastros, em 1785, quando Edmond Cartwright inventou o tear totalmente mecânico, utilizando o vapor num processo que dependia muito pouco da ação humana, então facilmente dispensada. Depois disso, vieram outras inovações como os teares elétricos e os cartões perfurados de Jacquard, possibilitando a variação de padronagens nas estruturas.

É inegável que é bom para humanidade o avanço da tecnologia, mas precisamos negociar com os mais pobres o que vamos fazer com a distância que estamos criando entre aquilo que é passado, presente e futuro.

Quem melhor problematiza essa evolução da tecnologia com um olhar para as relações trabalhistas é o sociólogo Manuel Castells no livro A Sociedade em Rede. Para Castells, “os avanços em direção à sociedade da informação geram impactos e mudanças sobre a economia e a sociedade, e constituem uma tendência dominante tanto em economias industrializadas quanto de países menos desenvolvidos, uma vez que o poder da informação perpassa a vida em sociedade instaurando uma dinâmica na qual as práticas sociais e o espaço físico passam a ser reconfigurados a partir das novas tecnologias de comunicações e da formação de espaços virtuais nos quais se dá a troca de conhecimentos e de informações, intitulados redes sociais “.  

Naturalmente, saúde, educação e segurança são diretamente beneficiadas pela tecnologia. Com sistemas mais eficientes de gestão da informação, é possível observar a ascensão das cidades inteligentes, ou smart cities, que integram plataformas e diferentes recursos para promover o bem-estar social. São câmeras de segurança inteligentes, pontos de rede Wi-Fi etc.

É inegável que é bom para humanidade o avanço da tecnologia, é imperativo que isso aconteça, nós só precisamos negociar com os mais pobres e menos educados do ponto de vista do conhecimento o que vamos fazer com a distância que estamos criando entre aquilo que é passado, presente e futuro. É nítido que em nível de inovação tecnológica, há um hiato social entre o que é experimentado como novo e aquilo que já caiu no esquecimento. Milhares de pessoas jamais ouviram falar em blockchain, criptografia, e quando o hype do momento – o NFT –  chegar a elas, certamente terá deixado de ser inovação. Nosso conceito de normalidade em relação a tecnologia e sociedade provém de um grupo de pessoas muito pequeno e homogêneo, e o problema é que todos têm vieses inconscientes. As pessoas incorporam esses vieses na tecnologia.

Em sociologia, trabalha-se a ideia de que o humano precede a sociedade, sendo ele, o humano, criador da sociedade e não o contrário. Portanto, tudo que nós temos são representações do Eu na vida cotidiana. O mais perigoso na ideia de inovação é a ideia de poder. O machine learning tem nome, endereço, cor e status social, e as pessoas, na sua maioria pretas, estão sofrendo danos algorítmicos, que têm levado pessoas inocentes à prisão. Segundo a PHD Virginia Eubanks, autora do livro “Automating Inequality”, há uma velha máxima na ficção científica:  uma ideia de que o futuro já está aqui, só não está bem distribuído, o que significa que os ricos obtém primeiro as melhores ferramentas e os pobres por último. A outra lógica é que as ferramentas mais punitivas, invasivas e controladoras são utilizadas primeiro nos mais pobres, e se os resultados forem satisfatórios, são implementadas em outras comunidades como mecanismo de controle – e uma delas é o reconhecimento facial. 

Existem pessoas que vivem no futuro do presente e se relacionam com o velho, achando que é o futuro, quando na verdade aquilo já foi superado. Nosso trabalho é de encurtar distâncias objetivas e simbólicas, no que tange à inovação, nas suas mais diferentes definições, e assim salvar o planeta de nós mesmos. 

Queremos saber

O que vão fazer

Com as novas invenções

Queremos notícia mais séria

Sobre a descoberta da antimatéria

E suas implicações

Na emancipação do homem

Das grandes populações

Homens pobres das cidades

Das estepes dos sertões

Queremos saber

Quando vamos ter

Raio laser mais barato

Queremos, de fato, um relato

Retrato mais sério do mistério da luz

Luz do disco voador

Pra iluminação do homem

Tão carente e sofredor

Tão perdido na distância

Da morada do senhor

Queremos saber

Queremos viver

Confiantes no futuro

Por isso se faz necessário prever

Qual o itinerário da ilusão

A ilusão do poder

Pois se foi permitido ao homem

Tantas coisas conhecer

É melhor que todos saibam

O que pode acontecer

Queremos saber, queremos saber

Queremos saber, todos queremos saber

(Cássia Eller)

 


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais