Hábito – a palavra para quem quer resolver, no ano novo, velhos problemas

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 5 minutos de leitura

Adeus ano velho, feliz ano novo é a “melô” da virada de todo ano. É comum fazer planejamentos e renovar as velhas promessas. Impressionante como algumas pessoas têm imensa facilidade em realizar mudanças simples e/ou profundas, como parar de fumar e aprender um novo idioma, mas nem sempre são capazes de realizar mudanças estruturais.

 É comum ler histórias de uma pessoa que mudou de carreira, se reinventou, aprendeu um novo idioma, abriu seu próprio negócio e até mesmo, como sinaliza o samba de Zeca Pagodinho: “eu deixei de ser pé de cana, eu deixei de ser vagabundo, aumentei minha fé em Cristo sou bem visto por todo mundo (…)  provei para você que eu não sou mais disso, não perco mais o meu compromisso, não perco mais uma noite à toa, não traio e nem troco a minha patroa”.

Ao que tudo indica, mudanças profundas levam tempo e precisam desenvolver o que Pierre Bourdieu chamava de habittus. Colocar um novo hábito na vida nem sempre é fácil. Márcio Atalla, comentarista de saúde e bem estar da rádio CBN, sugere que você incorpore um exercício físico numa rotina que você já tem. Ele deu o exemplo de um estudo envolvendo mulheres idosas que foram incorporando agachamentos antes do momento de tomar banho e o resultado que se obteve foi que, três meses depois, boa parte delas tinham transformado um exercício programado na sua rotina diária – ou seja, virou um hábito. O ponto sugerido é aproveitar a hora do banho para implementar uma atividade como agachamento, flexões e abdominais – aproveitar o momento antes do banho para suar um pouco mais com atividades físicas. 

Me lembro de uma experiência que tive quando estudava um instrumento musical, no meu caso a bateria. Antes da primeira aula eu achava que seria muito fácil, eu só precisava sentar lá e repetir uns combinados de sons que eu ouvia. 

A história da humanidade é uma história de hábitos e de costumes, e são as mudanças de hábitos que nos trouxeram até aqui e formaram o que  somos. 

Pois bem, bastou uma aula para eu ver que, na prática, a teoria é bem diferente. Meu primeiro professor, Eliel Vieira, na primeira aula tratou de me apresentar a teoria musical, que é um outro idioma bem diferente dos comumente falados, e que continha uma complexidade que de fato trazia o brilho da canção. Depois que eu comecei a estudar música, nunca mais ouvi uma canção  como antes, e uma experiência que gosto de contar é a de quando pedi um exercício de salsa, pois queria tocar este ritmo latino que experimentei com maior profundidade quando estive na Colômbia.  

Lembro até hoje que quando recebi a partitura com o exercício da salsa, o título era Jazz Contemporâneo. Achei estranho, obviamente, e questionei o professor, e o que ele me disse foi: neste momento não questione, apenas toque as notas. Eu levei cerca de uma semana para começar a tocar salsa, e foi aí que uma frase dita por Douglas Las Casas, na época baterista do Frejat, fez todo sentido: “estudar música é treinar a paciência”. O estudo da música é feito de repetições à exaustão, até chegar naquilo chamamos de harmonia. Música é repetição, a repetição gera um hábito e o hábito te empurra para a perfeição. 

O diabo mora nos detalhes, já diz o provérbio, e por isso é de máxima importância buscar a perfeição. Sugiro uma busca sadia, não aquela que provoca danos físicos, ou males como a anorexia nervosa, encontrada em pessoas que também desenvolveram hábitos, porém hábitos  nocivos à sua própria saúde.  São pessoas que  sofrem e merecem nossa consideração, respeito e ajuda – primeiro psicológica, e depois dos amigos e familiares. 

 A palavra que eu escolhi para o ano de 2022 é a palavra Hábito. O Hábito é importante porque nos ajuda a correr na direção dos nosso propósitos. Hábitos podem ser definidos como costumes, manias, habitudes, praxes, rotinas, usanças, usos, vestimentas, vezos. Há hábitos bons e hábitos ruins, e se você jogar a palavra no google encontrará aproximadamente 23.300.000 resultados (em 0,40 segundos). E por que as pessoas falam tanto de hábitos? Porque essa palavra tem a ver com mudanças de ciclos, criação de tendências, processos decisórios e uma série de transformações que, sem ele, o hábito,  não se sustentam por muito tempo. 

Todas as vezes em que você disser que vai mudar alguém, alguma coisa ou até mesmo a si próprio, ainda que não pareça, se refere à criação de (novos) hábitos. Não há como para fumar sem passar pelo hábito, porque fumar é hábito/vício. Não há como falar em emagrecimento sem falar de hábito, porque certamente é  um hábito negativo que leva à condição de sobrepeso. Reeducação alimentar nada mais é do que criar o hábito de comer as coisas certas, na hora certa, na quantidade certa ,de acordo com o seu corpo e metabolismo. Reeducar é criar bons hábitos. 

Norbert Elias, sociólogo alemão de família judaica, escreveu dois livros chamados: O Processo Civilizador – Uma História dos Costumes, Partes I e II. Nesta obra-prima e fascinante, divertida e muito acessível e fácil de ler, Elias analisa a história dos costumes, dando muita mais atenção às mudanças das regras sociais e no modo como as pessoas as percebiam, modificando comportamentos, sentimentos e criando hábitos.

Norbert Elias buscou informações em livros de etiquetas e boas maneiras, desde o século XIII até o presente, para mostrar que nossos hábitos se colocam em um determinado estágio de uma evolução milenar, isso pensado como humanidade ocidental. Elias consegue, de certa forma, provar que desde a Idade Média, em que o controle das pulsões era bastante reduzido, até os nossos dias, as classes dirigentes foram lentamente modeladas pela vida social, e a espontaneidade deu lugar à regra e à repressão na vida privada.

 O que é processo civilizador segundo Norbert Elias?

Segundo ele, no decorrer do processo de civilidade, ocorre uma alteração, uma mudança no equilíbrio entre o controle externo e autocontrole do indivíduo, favorecendo o autocontrole. Para Elias, o processo civilizador constitui uma mudança a longo prazo na conduta e sentimentos humanos rumo a uma direção muito específica, baseada em novos hábitos em substituição aos antigos.

A história da humanidade é uma história de hábitos, de costumes e são exatamente essas mudanças de hábitos que nos trouxeram até aqui e formaram o que  somos. 

Boníssima semana á todes!

Sugiro ler esse texto ouvindo Paquito D’ Rivera:  


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais