Hillary Clinton: calor extremo tem efeito desastroso sobre trabalhadoras

Ex-primeira dama divulga pesquisa sobre como o calor extremo afeta as mulheres trabalhadoras e como podemos agir para mitigá-lo

Créditos: David Gannon/ Joshua Fuller/ Unsplash

Talib Visram 4 minutos de leitura

Em fevereiro, enquanto a Índia enfrentava as temperaturas mais altas desde 1901, Hillary Clinton visitou o país para ver de perto o impacto do calor sobre as trabalhadoras. Nas planícies de sal do Rajastão, ela se encontrou com mulheres que colhem sal, trabalho árduo que envolve amontoar o material que se acumula no topo das lagoas. Tudo isso debaixo do calor escaldante do deserto.

As mulheres precisaram adiantar o horário de início da jornada para as 4 da manhã para evitar as temperaturas mais altas do dia. Como se não bastasse o calor recorde, os próximos anos prometem ser ainda mais quentes. “Como elas vão conseguir continuar trabalhando?” questiona Clinton.

A ex-secretária de Estado é a embaixadora global para assuntos relacionados a aquecimento, saúde e gênero do Centro de Resiliência da Fundação  Adrienne Arsht–Rockefeller (Arsht-Rock), um grupo que trabalha com resiliência climática. O novo relatório do grupo detalha como o calor extremo agrava a diferença de gênero existente no trabalho em todo o mundo, com foco em dados dos EUA, Índia e Nigéria.

Para as trabalhadoras não remuneradas, o calor gera trabalho extra, enquanto as remuneradas sofrem mais perdas de renda. Ambos os grupos experimentam perdas de produtividade relacionadas ao calor muito maiores do que os homens.

Trabalhadora em salina na região de Mumbai, na Índia (Crédito: iStock)

As mulheres já ganham 20% menos que os homens, mesmo antes das perdas relacionadas ao aquecimento, e muitas estão no chamado setor informal. Chamadas de trabalhadoras “invisíveis”, são pessoas que muitas vezes não têm emprego legal ou contrato oficial, mas que contribuem substancialmente para a economia.

Suas atividades incluem empregos pesados, como vendedoras de mercado, fabricantes de roupas, agricultoras e muitas são operárias da construção civil não treinadas formalmente.

DUPLA JORNADA, METADE DO SALÁRIO

Na Índia, Clinton visitou algumas dessas trabalhadoras informais, incluindo catadoras de lixo, recicladoras de papel, coletoras de sal e operárias da construção civil. Elas trabalham ao ar livre, debaixo do sol, e não recebem se não fizerem seu trabalho todo dia. “Elas estão achando cada vez mais difícil receber o suficiente para sustentar suas famílias em tempos de calor extremo”, diz Hillary Clinton.

Muitas chegam casa e ainda encaram horas de trabalho doméstico, como limpar e cozinhar, além de cuidar dos filhos. “Elas têm a tarefa desproporcional de cuidar de todos ao seu redor, que também ficam doentes com o calor”, acrescenta Kathy Baughman McLeod, diretora da Arsht-Rock.

As mulheres já ganham 20% menos que os homens, mesmo antes das perdas relacionadas ao aquecimento.

As mulheres fazem seis vezes mais trabalho não remunerado do que os homens, o que representa até 70% do trabalho delas. Isso não se reflete nas estatísticas do PIB, embora sua contribuição para a economia seja enorme: na Índia, dois terços das perdas de produtividade são relacionadas a mão-de-obra doméstica não remunerada. O PIB anual do país poderia crescer 60% até 2025 se as mulheres estivessem igualmente representadas no mercado de trabalho remunerado.

Além de destacar as perdas de renda, o relatório detalha os efeitos do calor na saúde das mulheres. Os mais comuns são náuseas, erupções cutâneas, bolhas, infecções do trato urinário e abortos espontâneos.

Trabalhadoras da Índia relatam sangramento nasal e sentem o calor do solo mesmo através das solas dos chinelos. Até 2050, o calor extremo pode tirar a vida de 204 mil pessoas a cada ano nos três países analisados no estudo.

DIREITOS DAS MULHERES

Hillary Clinton está trabalhando com a Arsht-Rock para encontrar soluções mais eficazes. Podem ser ideias simples, como incorporar o uso de luvas ou cobertura protetora para ferramentas, já que muitas, na construção civil, queimam as mãos nas ferramentas de metal. A organização distribuiu garrafas térmicas de água, porque o calor intenso faz com que o plástico das garrafas comuns se dissolva na água.

Além dessas soluções físicas, a Arsht-Rock iniciou um piloto de seguro na Índia que paga a diária às trabalhadoras quando a temperatura atinge um determinado ponto limite. Eles estão fazendo parceria com o SEWA, um sindicato indiano com dois milhões de membros, e lançaram o projeto piloto inicial para 21 mil pessoas.

Até 2050, o calor extremo pode tirar a vida de 204 mil pessoas a cada ano nos EUA, Índia e Nigéria.

Clinton considera que divulgar relatórios como este é crucial nos EUA, porque isso aumenta a conscientização entre os tomadores de decisão – para que os políticos não aprovem legislações como a chamada “Death Star Bill,” do Texas, que eliminaria o direito dos trabalhadores de fazer pausas para beber água em casos de calor extremo. 

Trabalhando em parceria com a Arsht-Rock, a Califórnia foi o primeiro estado norte-americano a aprovar um projeto de lei para criar um sistema de alerta de calor baseado na saúde dos trabalhadores e a fazer com que o departamento de seguros do estado quantificasse os custos exatos relacionados a eventos extremos na saúde.

Os direitos das mulheres trabalhadoras são um problema de longa data em todo o mundo. Talvez essa nova crise – o calor extremo – seja o fator que finalmente vai pressionar por uma solução. Clinton diz ainda que esse termo – “setor informal” – sempre a incomodou.

“Quando você está trabalhando na construção, carregando caixas, na barraca de um mercado ou está recolhendo sal diariamente, não há nada de informal nisso”, diz ela. “Esses são trabalhos de verdade. São trabalhos que mantêm famílias, comunidades e, literalmente, nações funcionando.”


SOBRE O AUTOR

Talib Visram escreve para a Fast Company e é apresentador do podcast World Changing Ideas. saiba mais