O que uma população em declínio significa para a China – e para o mundo

A população da China diminuiu pela primeira vez desde 1961. Quais são os custos sociais, econômicos e políticos de uma sociedade menor e envelhecida?

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Feng Wang 5 minutos de leitura

Durante a maior parte de toda a história de que se tem registro, a China ostenta o título de nação mais populosa do mundo – e com larga vantagem. Até que, agora, recebemos a notícia de que a população chinesa está entrando em declínio, e de que em breve será superada pela da Índia. Essa é uma notícia importante, embora prevista há muito tempo.

Os números divulgados pelo governo chinês no último dia 17 de janeiro mostrando que, pela primeira vez em seis décadas, as mortes no ano anterior superaram os nascimentos, não são uma mera curiosidade.

Segundo a Organização das Nações Unidas, até o final do século a população chinesa deverá encolher em cerca de 45%.

O ano anterior de encolhimento havia sido 1961, durante o fracasso econômico do Grande Salto Adiante de Mao Tsé-Tung, quando cerca de 30 milhões de pessoas morreram de fome. Ou seja: 2022 representa uma virada em uma tendência que só havia sido interrompida em tempos de crise. E este é o início do que, provavelmente, será um declínio populacional de longo prazo.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), até o final do século a população chinesa deverá encolher 45%. Isso supondo que o país vai manter sua atual taxa de fertilidade de cerca de 1,3 filhos por casal, o que pode não acontecer.

Esse declínio nos números vai estimular uma tendência que já preocupa os demógrafos chineses: uma sociedade que envelhece rapidamente. Em 2040, prevê-se que cerca de um quarto da população local terá mais de 65 anos. Em suma, é uma mudança sísmica, que terá enormes impactos simbólicos e substantivos na China em três áreas principais.

ECONOMIA

No espaço de 40 anos, a China completou em grande parte uma transformação histórica: de uma economia agrária para uma baseada na manufatura e na indústria de serviços. A transição foi acompanhada por aumentos no padrão de vida e nos níveis de renda.

Mas o governo chinês há muito reconhece que o país não pode mais contar com esse modelo ultrapassado de crescimento econômico intensivo baseado em mão-de-obra. Os avanços tecnológicos e a concorrência de países que podem fornecer uma força de trabalho mais barata, como o Vietnã e a Índia, tornaram esse modelo obsoleto.

uma população envelhecida e cada vez menor não se encaixa nos propósitos de um modelo econômico de mão-de-obra intensiva.

Este ponto de virada histórico na tendência populacional da China serve como mais um alerta para mover o modelo do país mais rapidamente para uma economia pós-manufatura e pós-industrial – uma população envelhecida e cada vez menor não se encaixa nos propósitos de uma economia de mão-de-obra intensiva.

O declínio da população e o envelhecimento da sociedade certamente trarão a Pequim desafios de curto e longo prazo. Por um lado, haverá menos trabalhadores capazes de alimentar a economia e de estimular mais crescimento econômico. Por outro, uma crescente população aposentada precisará de mais investimento em redes de apoio.

SOCIEDADE

A crescente proporção de idosos é mais do que uma questão econômica – também deverá remodelar a sociedade chinesa. Muitos desses idosos têm apenas um filho, devido à política de filho único que esteve em vigor por três décadas e meia, antes de ser flexibilizada em 2016.

O enorme número de pais idosos com apenas um filho para cuidar deles provavelmente vai impor restrições severas, principalmente para os pais, que precisarão de apoio financeiro, emocional e social por mais tempo, já que estamos em uma época de maior expectativa de vida. As restrições vão se estender aos filhos, que precisarão simultaneamente cumprir obrigações com sua carreira, sustentar seus próprios filhos e os pais idosos.

a mudança foi tão rápida que as reformas para melhorar a rede de segurança social parecem estar sempre tentando recuperar o atraso.

A responsabilidade de fornecer cuidados de saúde e pensões adequadas recairá sobre o governo. As democracias ocidentais tiveram muitas décadas para desenvolver redes de segurança social, mas, na China, a velocidade da mudança demográfica e econômica fez com que as o governo precisasse lutar para manter o ritmo.

Como a economia por um rápido crescimento após 2000, o governo respondeu investindo em educação e instalações de saúde, bem como na cobertura universal de pensões. Mas a mudança demográfica foi tão rápida que as reformas políticas para melhoria da rede de segurança social parecem estar sempre tentando recuperar o atraso.

Mesmo com a grande expansão da cobertura, o sistema de saúde do país ainda é altamente ineficiente, distribuído de forma desigual e inadequado diante da necessidade crescente. Os sistemas de aposentadoria também são altamente segmentados e distribuídos de forma desigual.

POLÍTICA

A forma como o governo chinês vai responder aos desafios apresentados por essa mudança demográfica será crucial. O fracasso em atender às expectativas do público em sua resposta à situação pode resultar em uma crise para o Partido Comunista Chinês, cuja legitimidade está intimamente ligada ao crescimento econômico. Estará em jogo, ainda, a competência do Estado para adequar o sistema de apoio social.

O estímulo ao crescimento da população veio tarde demais para evitar que a China perdesse o status de maior nação do mundo.

De fato, já existe um forte argumento de que o governo chinês teria agido devagar demais. A regra do filho único, que desempenhou um papel significativo na desaceleração do crescimento e no declínio da população, foi mantida como política pública por mais de 30 anos.

Sabe-se desde a década de 1990 que a taxa de fertilidade chinesa era muito baixa para sustentar os números populacionais atuais. No entanto, foi apenas em 2016 que Pequim agiu e relaxou a política para permitir que mais casais tivessem um segundo filho. Em 2021, foi permitido um terceiro filho.

Essa ação para estimular o crescimento populacional, ou pelo menos para retardar seu declínio, chegou tarde demais para evitar que a China perdesse o status de maior nação do mundo.

A perda de prestígio por, eventualmente, descer uma posição no ranking populacional é uma coisa. Mas o impacto político da desaceleração econômica resultante de uma população cada vez menor é outra bem diferente.


SOBRE O AUTOR

Feng Wang é professor de sociologia na Universidade da Califórnia, em Irvine. saiba mais