Os 3 estágios das emoções pandêmicas, segundo pesquisadores

Crédito: Fast Company Brasil

Ruth Reader 4 minutos de leitura

Durante a epidemia de AIDS na década de 1990, o psicólogo Philip Strong escreveu um artigo de pesquisa propondo um modelo de “Psicologia Pandêmica”. Ele traçou uma descrição do que pode ter acontecido com a psique humana durante períodos de contaminação em massa. A análise destaca que a peste bubônica e a crise da AIDS foram marcadas por constantes epidemias psicossociais de medo, pânico, suspeita e estigma. Quem transmitia essa incerteza e desconfiança coletiva era a própria comunicação. “A posse humana da linguagem significa que o medo de tais doenças pode ser transmitido rapidamente, ou até mesmo instantaneamente (como por meio da televisão) a milhões de pessoas, e de uma sociedade para outra”, escreveu Strong.

A pandemia de Covid-19 ofereceu uma rara oportunidade de vivenciar essa teoria. Em um novo artigo publicado na revista Nature, um grupo de pesquisadores descobriu que as ideias de Strong estavam corretas — e, sem a devida atenção, podem levar a uma “guerra de todos contra todos”, como no Leviatã.  

Para avaliar se o modelo de Strong se manteve durante a pandemia do coronavírus, cientistas analisaram 122 milhões de tweets entre janeiro e dezembro de 2020. Eles descobriram que os americanos estavam passando por um ciclo de emoções muito semelhantes àquelas originalmente identificadas no artigo de Strong. A primeira é o que ele chamou de “desorientação coletiva”, ou incapacidade de entender a gravidade de uma nova doença. A segunda é o medo e paranóia que transformam tudo e todos em um potencial vetor de contaminação. A faceta final é sobre como as pessoas reagem e resolvem responder à doença — o que muitas vezes envolve algum tipo de moralização.

O grupo criou uma lista de palavras-chave para representar cada uma das fases descritas por Strong. Em seguida, essas palavras foram mapeadas em quatro léxicos que os  ajudassem a compreender emoções, estados psicológicos e comportamentos. Para apurar esses dados, os 100 tweets mais retuitados em cada fase foram marcados com palavras-chave que representassem seus conceitos principais. Os pesquisadores também aplicaram métodos de pesquisa mais qualitativos para compreender temas proeminentes e as relações entre eles.

A pesquisa apontou que três fases mais específicas emergiram: negação, raiva e aceitação. Essas fases transcorreram constantemente ao longo da pandemia. A princípio, muitas pessoas se recusaram a acreditar que ela é real, mas, conforme as primeiras mortes e restrições chegaram, isso gerou muita raiva. Com o passar do tempo, a descrença foi gradualmente sendo substituída pela aceitação dessa nova realidade. Os pesquisadores apontam que, entre janeiro e julho de 2020, a raiva foi se agravando a cada nova onda de casos.

A popularidade de duas hashtags no início da pandemia evidencia como a reação moralista ao vírus predominava nesse período. A primeira, #WuhanVirus, estava associada a tuítes alegando que o vírus foi de alguma forma criado pelos chineses, ou que era um problema exclusivo da China. A segunda, #QAnon, estava frequentemente associada a tweets com conotações racistas. Off-line, os crimes de ódio contra asiáticos nos EUA aumentaram em 2020, embora o estudo não faça referência a esse fenômeno.

A ação moralizante e o medo generalizado são, talvez, as repercussões mais assustadoras da psicologia epidêmica, embora possam ter alcance limitado. Os pesquisadores perceberam que os usuários do Twitter se concentraram principalmente em si mesmos e em suas atividades diárias em resposta à pandemia. Na fase de aceitação, eles se inclinaram a uma ação construtiva voltada para o coletivo.

O ciclo de emoções que os pesquisadores testemunharam se assemelhava a estágios de luto. Embora uma espécie de agonia coletiva possa ser observada entre os americanos, esse modelo fornece os dados por trás dessa perspectiva. Eles propõem que estudos futuros examinem a relação entre as fases que identificaram e o luto.

Como em todas as pesquisas, o estudo teve limitações. Os usuários do Twitter representam um subconjunto específico de americanos que tende a ser mais jovem, liberal e com acesso à educação, e não refletem as atitudes de todos. As pessoas podem parecer mais positivas nas redes sociais do que realmente estão sentindo. Além disso, é possível que bots ou contas falsas tenham influenciado os resultados do estudo. Independentemente disso, os pesquisadores afirmam que a amostra é relevante, e a escala e consistência dos dados psicológicos disponíveis no Twitter são inexequíveis.

Em poucas palavras, o que os pesquisadores oferecem é uma forma de quantificar a resposta psicológica humana à pandemia por meio da linguagem. Talvez um dia, essa estrutura de mineração de dados sociais possa ajudar a entender epidemias psicológicas e direcionar campanhas de saúde pública.


SOBRE A AUTORA

Ruth Reader é redatora da Fast Company. Ela cobre a interseção de saúde e tecnologia. saiba mais