Por que o gelo em torno do Polo Sul está crescendo menos e como isso nos afeta

O aquecimento global está retardando a formação da camada de gelo durante o inverno antártico, essencial para a cadeia alimentar marinha

Crédito: Sebnem Coskun/ Anadolu Agency/ Getty Images

Kristin Toussaint 4 minutos de leitura

Embora seja inverno na Antártica, isso não significa que a região polar esteja imune às temperaturas extremas que estão afetando o mundo. Normalmente, o oceano ao redor congela no inverno, criando as condições essenciais para a cadeia alimentar marinha. Mas este ano o gelo não está crescendo como de costume.

“Se nada de dramático acontecer no final do inverno, este será o ano com o menor registro de gelo marinho já documentado”, afirma Oscar Schofield, chefe do Programa de Ciências Marinhas da Universidade Rutgers e um dos principais pesquisadores do Palmer LTER, um observatório de Pesquisa Ecológica de Longo Prazo na Antártica.

o oceano Antártico é responsável por 30% a 40% da absorção do carbono atmosférico que produzimos.

O gelo marinho cresce durante todo o inverno, historicamente atingindo seu pico em setembro, com cerca de 19 milhões de quilômetros quadrados. Mas este ano não está alcançando este nível.

O declínio é tão extremo que os pesquisadores o classificaram como um “evento de cinco sigmas”, que se refere a quantos desvios padrão está além da média. “É como se estivesse cinco vezes além dos desvios”, diz Schofield, “portanto, é um evento extremo”.

Até 27 de junho, o gelo marinho antártico estava 1,6 milhão de quilômetros quadrados abaixo do recorde anterior para essa data, estabelecido em 2022, e mais de 2,6 milhões de quilômetros quadrados abaixo da média de 1981 a 2010.

Desde 2016, tem havido uma “queda hemisférica” na quantidade de gelo. “Mas, neste ano em particular, há muito pouco gelo marinho se formando ao redor do continente”, alerta o cientista.

A linha amarela demarca a área que costumava ser coberta pelo gelo no inverno (média entre 1981 e 2010) Fonte: National Snow & Ice Data Center/ Universidade do Colorado

Essa tendência tem grandes implicações para o planeta. A Antártica já está aquecendo mais rápido do que o resto do mundo. Além disso, o oceano absorve grande parte do carbono atmosférico que produzimos, sendo o oceano Antártico (também chamado de Austral) responsável por 30% a 40% dessa absorção.

​“Se o estado do oceano Austral for alterado, isso pode ter grandes repercussões no carbono planetário, na biogeoquímica e em outros aspectos”, alerta Schofield. “Há muitas discussões acontecendo sobre o que significa ter um ano com tão pouco gelo marinho.”

Também há questões sobre o que a diminuição do gelo significa para a vida antártica que evoluiu em torno dele. No inverno, os ventos aumentam e podem misturar a água do oceano. O gelo marinho atua como um substrato que protege a superfície do mar.

A camada de água superior é importante para as plantas que precisam de luz solar. Em anos em que há muito gelo, os pesquisadores costumam observar grandes florescências de plâncton na primavera – que alimentam pequenos crustáceos, garantindo assim a alimentação de baleias, pinguins, peixes e outros organismos.

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“Uma das previsões é que, sem o gelo marinho, as florescências de plâncton poderiam ficar menores, o que teria efeitos em cascata na cadeia alimentar”, explica Schofield.

“Será que este será um desses anos em que o sistema muda fundamentalmente para um novo estado? Não temos a resposta”, diz ele. “Mas sabemos que esse nível extremo será como um experimento-chave para entender como os futuros ecossistemas antárticos podem vir a ser.”

Os ecossistemas também podem ser afetados pelo aquecimento das águas, e menos gelo marinho significa que o oceano absorve mais calor do sol. Enquanto o gelo branco reflete os raios solares, o azul do oceano absorve calor.

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“Quando o aquecimento se intensifica, a situação piora”, explica David Holland, professor de matemática e ciências climáticas da Universidade de Nova York, que estuda tanto o Ártico quanto a Antártica.

“Quando o verão chega às regiões polares, temos luz solar 24 horas por dia... e isso causa um impacto muito grande. A ausência de gelo faz com que o oceano absorva a luz solar de forma muito eficiente.”

Isso não afeta o nível do mar, já que o gelo derrete e se forma com frequência – mas pode fazer com que o planeta aqueça mais rápido do que os modelos atuais mostram, acrescenta Holland. E, se o oceano aquecido começar a derreter a camada de gelo que cobre o Polo Sul, pode haver um aumento do nível do mar.

Essas tendências certamente são resultado das mudanças climáticas causadas pela atividade humana e dos níveis mais altos de dióxido de carbono na atmosfera. Mas fenômenos climáticos naturais, como o El Niño, podem amplificar os efeitos desta crise.

Em essência, muitas coisas estão ocorrendo no planeta ao mesmo tempo. Mas a falta de gelo marinho e a condição da Antártica são extremas. “É surpreendente”, destaca Holland. “É uma mudança de proporções gigantescas.”


SOBRE A AUTORA

Kristin Toussaint é editora assistente da editoria de Impacto da Fast Company. saiba mais