Remoção de carbono podem evitar efeitos das mudanças climáticas

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Dois séculos de queima de combustíveis fósseis liberaram na atmosfera mais dióxido de carbono do que a natureza é capaz de remover. À medida que o CO2 se acumula, esse poderoso gás de efeito estufa retém o excesso de calor perto da superfície da Terra, causando o aquecimento global. Já há tanto CO2 na atmosfera que a maioria dos cenários mostra que acabar com as emissões, por si só, não será suficiente para estabilizar o clima – a humanidade também terá que remover ativamente o CO2 do ar.

O Departamento de Energia dos EUA tem um novo objetivo: ampliar o uso de uma tecnologia que usa reações químicas para capturar CO2 do ar. Embora o financiamento federal para captura de carbono muitas vezes atraia críticas, porque algumas pessoas o veem como uma desculpa para continuar usando combustíveis fósseis, a remoção de carbono provavelmente ainda será necessária de todo jeito – pelo menos é isso o que apontam os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. A tecnologia para remover o carbono mecanicamente está em desenvolvimento e ainda opera em uma escala muito pequena, em parte porque os métodos atuais são proibitivamente caros e consomem muita energia. Mas novas técnicas estão sendo testadas este ano que podem ajudar a reduzir a demanda e o custo de energia.

A Fast Company conversou com o professor Klaus Lackner, pioneiro em captura direta de ar e armazenamento de carbono e pesquisador da Arizona State University, sobre o estado dessa tecnologia e que rumos ela deve tomar nos próximos anos.

O que é remoção direta de carbono e por que ela é considerada necessária?

Quando me interessei pela gestão do carbono, no início dos anos 1990, o que me motivou foi a descoberta de que o carbono se acumula no meio ambiente. A natureza leva milhares de anos para remover esse CO2, e estamos em uma trajetória em direção a concentrações de CO2 muito além de qualquer dimensão que os humanos tenham experimentado.

A humanidade não pode se dar ao luxo de acumular quantidades crescentes de carbono flutuando no meio ambiente, então temos que compensar esse excesso.

Nem todas as emissões são oriundas de grandes fontes, como usinas de energia ou fábricas, onde podemos capturar CO2 à medida que ele é liberado. Portanto, precisamos lidar com a outra metade das emissões – liberada pelos nossos carros, aviões, chuveiros quentes e fornos a gás. Isso significa que é importante extrair CO2 do ar.

Como o CO2 se mistura rapidamente no ar, não importa em que parte do mundo o CO2 ele é removido – a remoção tem o mesmo impacto. Assim, podemos aplicar a tecnologia de captura direta de ar em qualquer ligar onde planejarmos utilizar ou armazenar o CO2.

O método de armazenamento também é importante. Armazenar CO2 por apenas 60 ou 100 anos não é suficiente. Se daqui a 100 anos todo esse carbono estiver de volta ao meio ambiente, tudo o que fizemos foi cuidar de nós mesmos, mas nossos netos terão que se virar novamente. Enquanto isso, o consumo mundial de energia está crescendo cerca de 2% ao ano.

Uma das reclamações recorrentes sobre a captação direta de ar, além do custo, é que ela consome muita energia. Esse consumo de energia pode ser reduzido?

Dois grandes usos de energia na captura direta de ar são os ventiladores para atrair o ar e, logo em seguida, o aquecimento para extrair o CO2. Mas já existem maneiras de reduzir a demanda de energia para ambos.

Por exemplo: descobrimos recentemente um material que atrai CO2 quando está seco e que o libera quando molhado. Percebemos que poderíamos expor esse material ao vento, porque ele carregaria CO2. Ou então, poderíamos molhá-lo e liberar o CO2 de uma maneira que requer muito menos energia do que outros sistemas. A adição de calor gerada a partir de energia renovável aumenta ainda mais a pressão de CO2 e, a partir daí, temos um gás CO2 misturado com vapor de água do qual podemos coletar CO2 puro.

Podemos economizar ainda mais energia se a captura for passiva – quando não é necessário ter ventiladores soprando no ar, porque ele se move sozinho.

Meu laboratório está criando um método para fazer isso, chamado de “árvores mecânicas”. São colunas verticais bem altas, feitas de discos revestidos com uma resina química, com cerca de 1,5 metro de diâmetro, estando os discos separados por cerca de 5 centímetros, como em uma pilha de discos. À medida que o ar sopra, as superfícies dos discos absorvem CO2. Após cerca de 20 minutos, os discos ficam cheios e afundam em um barril. Enviamos água e vapor para liberar o CO2 em um ambiente fechado e, a partir daí, temos uma mistura de baixa pressão de vapor d’água e CO2. Como é possível recuperar a maior parte do calor que foi usado para aquecer a caixa, a quantidade de energia necessária para o aquecimento acaba sendo bem pequena.

Ao aproveitar a umidade, podemos evitar cerca de metade do consumo de energia e usar energia renovável para o resto. Isso requer água e ar seco, por isso esse método não é ideal para todos os lugares, mas existem muitos outros métodos.

O CO2 pode ser armazenado com segurança a longo prazo, e esse tipo de armazenamento é suficiente?

Comecei a trabalhar nesse conceito de sequestro mineral na década de 1990, liderando um grupo em Los Alamos. O mundo pode realmente eliminar o CO2 permanentemente se aproveitarmos o fato de que é ele um ácido e de que certas rochas são básicas. Quando o CO2 reage com minerais ricos em cálcio, ele forma carbonatos sólidos. Ao mineralizar o CO2 dessa maneira, podemos sempre armazenar uma quantidade quase ilimitada de carbono.

Por exemplo: há muito basalto – rocha vulcânica – na Islândia que reage com o CO2 e, em poucos meses, o transforma em carbonatos sólidos. A Islândia poderia vender certificados de sequestro de carbono para o resto do mundo, porque ela libera CO2 para o resto do mundo.

Há também enormes reservatórios subterrâneos de produção de petróleo na Bacia do Permiano, no Texas. E existem grandes aquíferos salinos. No Mar do Norte, um quilômetro abaixo do fundo do oceano, a empresa de energia Equinor captura CO2 de uma planta de processamento de gás e armazena um milhão de toneladas de CO2 por ano desde 1996, que a Noruega pague impostos sobre as emissões de CO2. A quantidade de armazenamento subterrâneo onde é possível fazer o sequestro mineral é muito maior do que precisaremos para o CO2. A questão é: quanto pode ser convertido em reserva comprovada?

Klaus Lackner testa tecnologias de captura direta de ar em seu laboratório (Crédito: cortesia da Universidade Estadual do Arizona)

Também podemos usar a captura direta de ar para fechar o ciclo de carbono – o que significa que o CO2 é reutilizado, capturado e reutilizado novamente, para evitar que tenhamos que produzir ainda mais. Até agora, as pessoas usam carbono de combustíveis fósseis para extrair energia. Mas misturando o CO2 capturado com hidrogênio verde criado com energia renovável também é possível converter CO2 em combustíveis sintéticos – gasolina, diesel ou querosene – que não contêm carbono novo. Esse combustível pode ser facilmente transportado por dutos existentes e armazenado por anos, para que seja viável, por exemplo, produzir calor e eletricidade em Boston em uma noite de inverno usando a energia que foi coletada como luz do sol no oeste do Texas no verão passado. Um tanque cheio de combustível sintético (“synfuel”) não custa muito, e é mais econômico do que uma bateria.

O Departamento de Energia dos EUA estabeleceu uma nova meta para reduzir os custos de remoção de dióxido de carbono para US$ 100 por tonelada e para ampliá-lo rapidamente dentro de uma década. O que ainda tem que acontecer para que isso se torne uma realidade?

O DOE está me assustando, porque eles fazem parecer que essa tecnologia já está pronta! Depois de terem negligenciado a tecnologia por 30 anos, não podemos simplesmente dizer que existem empresas que sabem como fazê-lo, e que tudo o que temos que fazer é incentivá-las. Temos que admitir que esta é uma tecnologia em estágio embrionário.

A Climeworks, por exemplo, é a maior empresa comercial de captura direta ativa, e ela vende CO2 por cerca de US$ 500 a US$ 1.000 por tonelada. Isso é muito caro. Por outro lado, a US$ 50 por tonelada, o mundo já poderia apostar na captura. Acho que podemos chegar lá.

Os EUA consomem cerca de 7 milhões de toneladas de CO2 por ano em CO2 comercial – pense em refrigerantes, extintores de incêndio, silos de grãos que o usam para controlar o pó de grãos, que é um risco de explosão. O preço médio é de R$ 60 a R$ 150. Então, abaixo de US $ 100, você tem um mercado.

O que realmente precisamos é de uma estrutura regulatória que exija que o CO2 seja descartado, e só a partir daí o mercado passará dos quilotons de captura de CO2 hoje para uma escala de gigatons de CO2 capturados.

Como você enxerga essa tecnologia daqui a 10 anos?

Eu prevejo um mundo que abandonará os combustíveis fósseis, provavelmente gradualmente, mas tem que no longo prazo tem a incumbência de capturar e armazenar todo o CO2 que produzir.

Nossa recomendação é que quando o carbono sai do solo, ele já deve ser combinado com uma remoção equivalente. Ou seja: se você produz 1 tonelada de carbono associada a carvão, petróleo ou gás, precisa guardar 1 tonelada. Não precisa ser a mesma tonelada, mas tem que haver um certificado de sequestro que garanta o carbono foi capturado, e ele tem que durar mais de 100 anos. Se todo o carbono for obrigatoriamente certificado desde o momento em que sair do solo, será mais difícil enganar o sistema.

Uma grande incógnita é o quanto a indústria e a sociedade vão se esforçar para se tornarem neutras em carbono. É encorajador ver empresas como a Microsoft e a Stripe, por exemplo, comprando créditos e certificados de carbono para remover o CO2 e se mostrarem dispostas a pagar preços bastante altos por isso.

A nova tecnologia pode levar uma década ou duas para se popularizar, mas se a vontade econômica estiver a favor dela, as coisas podem caminhar rápido. O primeiro jato comercial estava disponível em 1951. Em 1965, eles eram onipresentes.


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