Sem querer, Rússia pode acelerar a transição para fontes de energia limpa

Crédito: Fast Company Brasil

Adele Peters 5 minutos de leitura

Quem viaja hoje ao Havaí tem grandes chances de se hospedar em um hotel onde toda a iluminação funciona com gás de origem russa. A  maior parte  da eletricidade local é gerada a partir do petróleo, e cerca de um terço desse petróleo vem da Rússia. Esse é só um dos muitos exemplos do emaranhado de conexões que o mundo mantém com o petróleo e o gás russos.  Os combustíveis respondem pela maior parte das exportações do país e são uma das principais fontes do dinheiro que está sendo usado para atacar a Ucrânia.

No final de fevereiro, em uma reunião climática global, Svitlana Krakovska, a representante da Ucrânia, fez questão de destacar essa conexão. “As mudanças climáticas induzidas pelo homem e a guerra na Ucrânia têm as mesmas raízes – combustíveis fósseis – e a nossa dependência deles”, afirmou. Combustíveis fósseis ajudaram a tornar a guerra possível, pois a Rússia ameaçou cortar o fornecimento do insumo do qual países como a Alemanha dependem para os sistemas de aquecimento e de que outros lugares, como o Havaí, dependem para a geração de eletricidade.

Muitas das sanções que o Ocidente estabeleceu contra a Rússia abrem exceções para o petróleo e o gás, já que países como os Estados Unidos acreditam que ainda precisam continuar comprando esses combustíveis. Mas será que a crescente reação global à invasão da Ucrânia poderia, em última análise, acelerar a transição para energias renováveis?

A Alemanha, cuja metade do gás natural que consome vem da Rússia, já estava se movimentando para migrar para a energia renovável. Agora, sob pressão, pode ser que esse movimento seja mais rápido. O país planejava atingir a meta de 100% de eletricidade renovável até 2040. Agora, o governo supostamente quer  antecipar isso para 2035.

EM 2020, PELA PRIMEIRA VEZ, MAIS DA METADE DAS NOVAS MORADIAS NA ALEMANHA FORAM CONSTRUÍDAS COM ENERGIA LIMPA PARA AQUECIMENTO.

Em 2020, pela primeira vez, mais da metade das novas moradias na Alemanha foram construídas com energia limpa para aquecimento. Diversos grupos também estão pressionando para que casas mais antigas sejam reformadas rapidamente, a fim de economizar energia e substituir os aquecedores e fogões que ainda funcionam com combustíveis fósseis. O país também tem investido no incentivo aos carros elétricos. Protestos em massa contra a invasão russa, combinados com a pressão política generalizada para que se avance mais rapidamente no combate às mudanças climáticas, podem desencadear novas políticas ainda mais robustas.

EM BUSCA DE ALTERNATIVAS

De toda forma, a instalação de novos sistemas e equipamentos de energia renovável não são imediatos. Como a crise na Ucrânia é muito grave, diversos países começam a considerar outras soluções, para o caso de a Rússia cortar o fornecimento de combustível. Depois de paralisar o recém-construído oleoduto Nord Stream 2, projetado para distribuir combustível russo, o governo alemão anunciou que construiria dois novos terminais de gás natural liquefeito que seriam abastecidos por  outras fontes. Mas isso não será suficiente para resolver a crise climática. O país pode levar mais tempo para parar de usar carvão como fonte de energia. 

Por causa da invasão na Ucrânia, “as pessoas são lembradas desse problema, mas depois acabam recorrendo a soluções rápidas, que não funcionam realmente no longo prazo”, alerta Rolf Wüestenhagen, diretor do Instituto de Economia e Meio Ambiente da Universidade de St. Gallen, na Suíça. Em países como a Dinamarca, onde mais da metade do fornecimento de eletricidade vem de fontes renováveis ​​e onde governo planeja chegar a 100% de eletricidade e calor renováveis ​​até 2035, o caminho a seguir é mais claro. Mas Wüestenhagen aponta que, em países mais dependentes de combustíveis fósseis, existe o risco de que as pessoas simplesmente recorram a fornecedores alternativos e, assim, acabem deixando passar uma grande oportunidade de migrar mais cedo para a energia renovável.

AS PESSOAS SÃO LEMBRADAS DO PROBLEMA, MAS DEPOIS ACABAM RECORRENDO A SOLUÇÕES RÁPIDAS, QUE NÃO FUNCIONAM NO LONGO PRAZO.

Em texto publicado no The Guardian, Bill McKibben vislumbra como seria um futuro mais seguro baseado na energia renovável:

“Imagine uma Europa que funcionasse com energia solar e eólica, cujos carros rodassem com eletricidade fornecida localmente e cujas casas fossem aquecidas por bombas de calor elétricas com fonte de ar. Nesse caso, o  continente não estaria financiando a Rússia de Putin e teria muito menos medo dela. Poderia impor todo tipo de sanção e mantê-las em vigor até que o país cedesse. Imagine também uma América onde o custo do gás não fosse uma armadilha política – porque, se as pessoas precisam tanto ter um carro SUV para se sentirem suficientemente bem-sucedidas, que pelo menos essa picape funcione com eletricidade vinda do sol e do vento. Nesse caso, seria preciso um gênio mais malvado do que Vladimir Putin para descobrir como embargar o sol.

O Havaí foi o primeiro estado dos EUA a estabelecer a meta de atingir 100% de eletricidade renovável até 2045 e, em seguida, a declarar que o estado se tornaria neutro em carbono no mesmo ano. A quantidade de energia solar em uso no Havaí dobrou entre 2015 e 2020. Mas ainda não está claro com que rapidez ele abandonará o petróleo. Os Estados Unidos compram diariamente mais de 200.000 barris de petróleo bruto da Rússia, mais meio milhão de barris de produtos petrolíferos adicionais. Para os norte-americanos, está ainda menos claro se a guerra vai acelerar a política climática federal, atualmente paralisada. Mas talvez possa convencer alguns consumidores a  reformar suas próprias casas.”

Como o especialista em energia Saul Griffith postou em seu Twitter, “cozinhar por indução elétrica é se livrar de Putin”.


SOBRE A AUTORA

Adele Peters é redatora da Fast Company. Ela se concentra em fazer reportagens para solucionar alguns dos maiores problemas do mundo, ... saiba mais