CX: distância entre a intenção e a prática ainda persiste

Crédito: Fast Company Brasil

Fast Company Brasil 11 minutos de leitura

Qual consumidor já não se sentiu ao menos uma vez na pele – azul – de Fabio Porchat quando ele representou um cliente que tentava resolver ao celular um problema com a atendente Judite? Após longas e exaustivas tentativas, entremeadas de situações burocráticas e cheias de falhas, o cliente perde a paciência e não tem seu problema solucionado, o que leva o seu stress ao pico. O vídeo tem quase 10 anos e, até hoje, é lembrado em situações semelhantes.

De lá para cá, os consumidores tiveram melhoras significativas nesse atendimento, porém ainda há muito a ser aprimorado. As empresas, junto com o público, estão mais conscientes da importância da qualidade e da necessidade de eficácia nesse trabalho de relacionamento. A verdade, no entanto, é que há uma considerável distância entre a intenção e a prática quando se trata de Customer Experience (CX). Foi o que revelou um recente estudo da Zendesk, empresa de origem dinamarquesa que oferece softwares para o serviço de atendimento ao cliente.  

Realizada anualmente em diversos países, a pesquisa CX Trends 2022 analisa como consumidores, líderes de empresas e agentes de atendimento enxergam o serviço e apontam caminhos para impulsionar negócios tendo em vista a experiência do cliente. Afinal, está claro que isso conta muito para que o público continue com uma marca.

Um dos resultados deste ano indica que 82% dos consumidores brasileiros tomam decisões de compra com base na qualidade do atendimento que recebem. Para 89% das companhias pesquisadas por aqui, existe uma relação direta entre CX e o desempenho dos negócios. Apesar disso, 43% dos brasileiros sentem que o atendimento é algo secundário para as corporações.

“O atendimento ao cliente é um diferencial importante, mas o relatório deste ano revela que existem algumas lacunas entre a expectativa e a entrega”, pontua Adrian McDermott, CTO da Zendesk. Segundo ele, o público está percebendo essa distância e escolhendo suas preferências. Essa é uma demonstração clara para as companhias de que é preciso mudar. E rápido.

Para o estudo foram consultados 3.511 consumidores, 4.670 líderes, agentes de atendimento ao cliente e compradores de tecnologia de 21 países e companhias que variam de pequeno a grande porte entre 2020 e 2021. Com isso, é possível estabelecer comparações entre os mercados. Talvez surpreenda que o Brasil está entre as regiões mais maduras em CX no mundo. É o que conta Ivan Preti, gerente de contas técnicas da Zendesk para a América Latina. 

“Mas ser maduro não quer dizer que já nos consolidamos. Muitas lideranças estão enxergando desafios que precisam ser endereçados e entrar para as estratégias das empresas”, alerta.

O BRASILEIRO É EXIGENTE

Essa disposição é essencial porque os consumidores estão aguardando melhoras, principalmente depois da crise deflagrada pela pandemia. Um dos resultados da pesquisa mostra que a expectativa com a qualidade do atendimento ao cliente subiu 60,7% em termos globais. Fazendo o recorte para a América Latina, esse índice vai para 70%. No caso do Brasil, o percentual é 71%.

Outra descoberta do estudo em relação ao país mostra que as companhias enxergam CX mais como um motor de geração de receita (57%) do que um centro de custos (27,5%).

Ainda sob a ótica do consumidor, 98% dos brasileiros afirmam que estão dispostos a gastar mais para comprar de marcas que oferecem a chance de encontrar as respostas de que precisam por conta própria. Por outro lado, para um número significativo de pessoas uma única experiência negativa é capaz de levar à desistência de fazer compras na empresa. Entre os brasileiros, 75% tomariam essa atitude. O índice global para essa desistência após um atendimento ruim é de 61%. 

Vale observar os pontos para os quais os brasileiros esperam que as organizações dediquem mais atenção, com o objetivo de oferecer melhores experiências. Dos entrevistados, 87% desejam que as empresas colaborem internamente para que eles, os consumidores, não precisem repetir informações (o que ocorre quando canais não integram os dados da jornada do cliente ou departamentos não compartilham a base de dados). Outros 87% querem ter a opção de serviços de autoatendimento e conteúdos, como centrais de ajuda ou indicação de perguntas mais frequentes. E 74% esperam ter experiências personalizadas, resultantes da correta integração e do uso de dados para conhecer as preferências e necessidades de cada indivíduo. 

É necessário levar em conta que as pessoas estão fazendo mais compras online e, assim, esperam ser mais bem atendidas pelas empresas. A escolha de canais disponibilizados para esse serviço tem um peso crucial para cumprir essa expectativa. Ninguém quer perder tempo rodando de um meio para outro, seja pulando de um chat no site para uma conversa com bot no WhatsApp, ou mesmo acionando alguém pelo telefone.

Por sinal, as consultas via plataformas de conversação, como WhatsApp e Facebook Messenger, aumentaram bastante no ano passado. E o grande destaque foi para o Brasil. No mundo, esse índice foi de 36%. No México, 53%. E por aqui… 87%.

O LADO HUMANO

O aumento das expectativas do consumidor em relação ao atendimento amplia a pressão sobre os agentes que atuam na linha de frente desse trabalho. De acordo com a pesquisa, quase 90% dos entrevistados concordam que esses profissionais são essenciais para impulsionar as vendas.

É natural que o público espere ser atendido por agentes prestativos e compreensivos, porém nem sempre essa é a realidade. Para 73% dos brasileiros, as empresas precisam melhorar o treinamento dos agentes de atendimento. Entretanto, enquanto houver muitas companhias enxergando o serviço como um centro de custo, os investimentos na área não irão acompanhar o crescimento da companhia. 

O resultado é que um número pequeno dos agentes se sentirá reconhecido e extremamente satisfeito com sua carga de trabalho. Segundo o estudo, esse quadro descrito corresponde à avaliação de apenas 36% dos agentes no Brasil.  

Por isso, na percepção da Zendesk, com base nos resultados da pesquisa, a capacitação do agente é um foco fundamental para 2022, já que o esgotamento da equipe continua sendo um desafio para a maioria das empresas. 

No Brasil, 37% desses profissionais estão extremamente satisfeitos com a qualidade do treinamento que recebem. Os demais, não. Por outro lado, 73% dos clientes acham que as companhias precisam melhorar o treinamento dos atendentes.

A Fast Company Brasil entrevistou Ivan Preti, da Zendesk para a América Latina, para aprofundar os resultados da pesquisa no mercado nacional.

Quais são as principais estratégias de CX adotadas no Brasil? Essas escolhas explicam por que os brasileiros sentem que o atendimento é secundário?

Ivan Preti, arquiteto de soluções e serviços da Zendesk para a América Latina (Crédito: divulgação)

De forma geral, o Brasil está entre as regiões mais maduras em CX no mundo. A pesquisa mostrou que a principal prioridade de negócios para os próximos 12 meses para 64,7% dos líderes empresariais é a experiência, acima da média global (55,7%). Mas ser maduro não quer dizer que já nos consolidamos, e muitas lideranças estão enxergando desafios que precisam ser endereçados e entrar para as estratégias das empresas. O estudo CX Trends identificou cinco destes desafios, ou armadilhas, para quem precisa investir em CX: o atendimento ao cliente não está impressionando os consumidores como deveria, e muito disto se dá na forma como ele é posicionado em termos de importância na empresa; a liderança fala da importância de CX, mas não está fazendo os investimentos necessários em equipe, tecnologia e novos processos para de fato priorizá-lo; os aportes atuais ainda não são suficientes – no Brasil, apenas 28,7% das empresas devem aumentar em 25% ou mais os investimentos em CX no próximo ano; os agentes de atendimento se sentem sobrecarregados e pouco valorizados na organização, o que necessita de um olhar atento à experiência também internamente. Além de treinamentos e tecnologias colaborativas, repensar o modelo de trabalho, como home-office, também precisa ser considerado pelas lideranças. Por fim, sistemas desconexos e áreas quebradas em silos são um desafio ainda existente. Isso confunde os clientes na jornada de atendimento, ao mesmo tempo em que impede o crescimento da equipe para lidar com novas demandas. Outra tendência que se destacou é que 81,5% dos líderes brasileiros estão buscando consolidar os sistemas existentes que possuem em uma plataforma unificada. Isso significa integrar todos os serviços e canais em uma única plataforma na nuvem, o que possibilita, por exemplo, adotar a omnicanalidade, em que as informações de toda a jornada do cliente são integradas independentemente dos canais que ele usou para se relacionar com a marca, físicos ou digitais.

Como a digitalização impacta a vida dos agentes de atendimento e sua percepção de valor? 

Os agentes de atendimento são os profissionais dedicados na linha de frente do relacionamento com clientes, atendendo a chamados de suporte. Eles são uma estratégia fundamental para as marcas se conectarem com seus clientes, especialmente se a preferência deles é de conversar com um atendimento humano. Com a digitalização, esses profissionais passam a ter em mãos recursos muito mais avançados para um bom atendimento, como visão completa da jornada do cliente, disponibilização e integração dos diferentes canais de atendimento e ferramentas de colaboração interna para buscar rapidamente respostas às dúvidas dos clientes. Atualmente, há muitas discussões sobre o papel da Inteligência Artificial e dos bots de atendimento na substituição dos agentes humanos. A verdade é que isso não é uma ameaça, dado que a IA é uma tecnologia promissora para aumentar a resposta imediata e reduzir o número de chamados simples que podem ser resolvidos rapidamente e sem interação humana, como dúvidas e problemas frequentes. Isso significa que o agente de atendimento passa a ter um papel muito mais estratégico na empresa, lidando com os casos mais complexos, gerando empatia com os clientes e usando a tecnologia para reduzir o tempo gasto com processos repetitivos e manuais.

O estudo indica que 73% dos clientes acham que as empresas precisam melhorar o treinamento de seus atendentes. Quais são os pontos que precisam ser melhorados?

Na visão dos próprios agentes de atendimento, praticamente metade deles (45,3%) se sente pouco eficaz para encontrar as informações necessárias para responder aos clientes, e 88% relatam que precisam de treinamentos para desenvolver ou melhorar habilidades específicas de atendimento, como saber trabalhar com os dados dos clientes de forma holística. Sob o ponto de vista dos líderes, 88% acreditam que o atendimento ao cliente desempenha um papel vital na retenção de clientes. Por isso, é importante investir em ferramentas e processos para que os agentes sejam mais eficientes na relação com os clientes. Entre os principais pontos de melhoria que estão projetando, estão: dar aos agentes uma visão completa dos clientes por meio de dados; possibilitar que os agentes possam alternar entre os canais de conversas para resolver um único problema, se necessário; e treinar e possibilitar que consigam verificar digitalmente quem é o cliente e seu histórico de jornada. Outro ponto importante é mostrar ao agente a importância de um atendimento empático, que entenda as dores específicas de cada cliente e, assim, possa atendê-lo de forma personalizada. Para isso, é cada vez mais necessário que as empresas invistam em tecnologias que permitam uma visão holística do cliente para a equipe de atendimento. Sem isso, o trabalho deles se torna muito mais difícil.

Que tecnologias e processos servem de base para uma cultura efetiva de CX?

Entre algumas das principais tendências que estamos vendo para este ano, seja de tecnologia ou de processos, podemos pontuar duas principais. A primeira é que a Inteligência Artificial e a automação estão sendo recebidas de braços abertos por empresas e consumidores. A pesquisa mostrou que 88% dos brasileiros concordam que a IA pode ser boa para a sociedade. Sete em cada 10 aprovam o uso da IA por reduzir o tempo gasto em solicitações para a companhia. Por consequência, o cenário também é otimista para as organizações. Hoje, 25,5% delas já alocam mais de 25% do orçamento de tecnologia em soluções de IA para o atendimento. A segunda tendência aponta a evolução de um atendimento transacional para um mais conversacional, que permite estabelecer melhores conexões e, consequentemente, um melhor relacionamento com o consumidor. Por isso, os canais de conversação deverão ganhar ainda mais importância. E foi isso que vimos, especialmente nos últimos dois anos, em que o isolamento social impulsionou a necessidade por novos canais digitais de comunicação. O uso desses canais, como WhatsApp, Facebook Messenger, chat e outros, para falar com as marcas aumentou no Brasil em 87% no último ano, bem acima da média global (36%). Entre as vantagens estão o atendimento rápido, personalizado e sem interrupções a poucos toques na tela do smartphone. Atualmente, no Brasil, 51% das empresas já oferecem esses recursos, e cerca de 29% apontam estar no caminho de tornar isso uma realidade. É importante lembrar que as corporações que forem implementar IA e chatbots precisam entender bem seus clientes para oferecer uma linguagem humanizada e personalizada, com a acessibilidade que os clientes esperam. Muitas vezes, o bot é uma porta de entrada para uma interação mais complexa entre o cliente e a empresa. Ele entra em ação durante alguns momentos, intercalando com o atendimento humano, para dar velocidade à resolução do problema. Importante também é ter o bot integrado com os principais serviços de suporte que a empresa oferece – como ‘Quero informações sobre meu pedido’; ‘Quero mudar meu endereço’; ‘Gostaria de realizar um agendamento’ – e que seja possível executá-los fim a fim. O que vemos, e que talvez interfira em uma boa experiência, é uma má implementação onde o bot acaba não ajudando na execução em si dos serviços, mas somente direcionando para outro canal de atendimento.


SOBRE O(A) AUTOR(A)

Fast Company é a marca líder mundial em mídia de negócios, com foco editorial em inovação, tecnologia, liderança, ideias para mudar o ... saiba mais