Empreendedorismo, o motor de transformação da favela

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Se fosse um estado, a favela ficaria em quarto lugar dentre os mais populosos, atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. São 17,1 milhões de brasileiros vivendo em comunidades espalhadas pelo país. É uma população maior do que a da Bélgica. 

Em 2010, eram 6.329 as favelas no Brasil, segundo o IBGE. Hoje, são 13.151. O número mais que dobrou em uma década, como mostra a pesquisa “Um país chamado favela”, um trabalho do Data Favela, do Instituto Locomotiva e da Cufa (Central Única das Favelas) apresentado recentemente. Apesar desse tamanho todo, pode-se dizer que as comunidades não são plenamente conhecidas pelo brasileiro do asfalto, como se costuma falar a respeito de quem não vive na quebrada. 

Um dos dados do estudo revela a veia empreendedora dessa população. Segundo a pesquisa, 76% dos moradores têm, tiveram ou pretendem ter um negócio próprio. Essa característica foi ressaltada por Renato Meirelles, fundador do Locomotiva e do Data Favela, no painel de abertura da Expo Favela, evento realizado pela Favela Holding que conectou empreendedores das comunidades com investidores do asfalto e que aconteceu entre os dias 15 e 17 de abril, em São Paulo.

Outros números da pesquisa indicam que 67% dos que vivem em favelas são negros. Vale ressaltar que as mulheres são maioria, compreendendo um universo composto por 8,7 milhões de pessoas. Além disso, do total de lares, 21% são formados por mães solteiras. 

Também merece destaque o fato de haver 10,8 milhões de eleitores nas comunidades. É mais do que concentra o município de São Paulo. 

Pode-se pensar que, fora o negócio próprio, um dos grandes desejos dessa população é mudar de endereço para um bairro com mais infraestrutura, capaz de oferecer melhor qualidade de vida. Não é bem assim: 60% dos moradores dizem que não deixariam a comunidade mesmo se ganhassem o triplo do que recebem por mês. Desse grupo, 36% continuariam na casa atual. 

60% dos moradores dizem que não deixariam a comunidade mesmo se ganhassem o triplo do que recebem por mês.

Isso não quer dizer que os serviços públicos dessas áreas sejam satisfatórios. Pelo contrário. Sobram críticas, principalmente em relação a postos policiais, segurança pública e hospitais públicos. Mas é que os moradores enxergam qualidades da vida em comunidades que quem é do asfalto não vê. Eles buscam melhorias nos locais que habitam e no entorno.  

PALAVRAS QUE VÊM À MENTE

De acordo com a pesquisa, a primeira palavra que vem à mente quando se fala em favela é “pobreza”. Isso acontece entre quem vive lá e entre os demais brasileiros. O estudo fez a pergunta a dois grupos: moradores e brasileiro médio. A segunda palavra que surge é “família” e “comunidade”, respectivamente. 

Já o terceiro termo evidencia a diferença de opiniões. Para o brasileiro médio, a terceira, a quarta e a quinta palavras associadas à favela são “violência”, “tráfico” e “assalto”. Para quem vive “do outro lado da ponte” são “alegria”, “amizade” e “felicidade”. 

Quem vive no morro, na periferia ou na quebrada, sente-se mais respeitado na comunidade do que em outros lugares da cidade. Quanto mais se distanciam de casa, mais desrespeitados são, conforme a pesquisa. Eles confiam mais em influenciadores da favela do que em personalidades famosas.

Por essas razões, gostam de fazer negócios na área onde residem. O estudo aponta que, entre os residentes que pretendem abrir um negócio, sete em cada dez pretendem lançá-lo dentro da favela. E há um dinheiro bom para fazer girar entre quem vive nas comunidades. Estima-se que os moradores movimentem R$ 180,9 bilhões com seus projetos de renda própria por ano.

NEGÓCIO PRÓPRIO. MESMO SEM CNPJ

O maior sonho profissional da favela é ter um negócio próprio. O estudo revela que há seis milhões de pessoas que desejam empreender, o que equivale a 35% dos moradores. Na segunda posição dentre as ambições profissionais está “passar em concurso público” (12% das respostas), seguida por “conseguir um emprego” (10%).

Quem vive no morro, na periferia ou na quebrada, sente-se mais respeitado na comunidade do que em outros lugares da cidade.

Atualmente, de acordo com o trabalho do Data Favela, 50% dos moradores se consideram empreendedores e 41% são donos de negócios. Mas apenas 37% deles têm CNPJ.

Embora 57% tenham aberto seus projetos por falta de outras alternativas de renda (contra 35% que afirmaram ter empreendido por uma questão de oportunidade), a maioria está otimista quanto ao futuro. Com isso, o empreendedorismo se apresenta como um valioso motor do potencial de transformação das comunidades.

O que poderia ajudar tanta gente a concretizar seus sonhos? Conseguir capital para investir é o primeiro ponto, na visão dos moradores. Depois, aparecem como desafios: ter equipamentos adequados para o negócio; fazer a gestão financeira; estabelecer preços para seus serviços ou produtos; usar a internet e as redes sociais para divulgação; e enfrentar a burocracia para gerir o negócio.

Idealizador da Expo Favela, Celso Athayde é CEO da Favela Holding, fundador da Cufa e um impulsionador de sonhos. Em fevereiro passado, lançou o FavelaS Fundo, com aporte de R$ 50 milhões para acelerar startups nascidas nas comunidades. O montante investido virá das mais de 20 empresas da Favela Holding, mas a expectativa é atrair parceiros para aumentar a captação de recursos. Com novos empreendimentos acontecendo nas comunidades, Athayde poderá reforçar o que vive dizendo: “Favela não é carência, favela é potência”.


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