Marcas apostam na diversidade e no potencial criativo dos videoclipes

Crédito: Fast Company Brasil

Claudia Penteado 7 minutos de leitura

Em uma época de grande transformação digital, os videoclipes se consolidaram como um formato ambicioso de divulgação para artistas – comparável, em possibilidades de alcance e escalabilidade, a nenhuma outra época na história da indústria da música. Por estar diretamente conectado à criação e consumo de conteúdo da sociedade, este também é um setor do audiovisual que representa uma aposta em inovação para as marcas, que buscam novas formas de se comunicar com o público.

Uma pesquisa realizada pelo YouTube em 2020 aponta que a plataforma foi acessada por 105 milhões de brasileiros mensalmente, e que a quarentena imposta pela pandemia de Covid-19 causou diversos impactos na forma como os usuários assistem a vídeos, em especial os vídeos musicais. Entre os entrevistados do relatório, 78% dos usuários afirmaram acessar o YouTube para fins de entretenimento, principalmente por conta do fenômeno das lives de música, que também abriram espaço para novos modelos de negócio, com investimentos em animação, direção remota e inteligência artificial (IA). 

Alguns gêneros como sertanejo, funk e pisero estão no topo da lista dos videoclipes mais assistidos no Brasil em 2021. No segmento de clipes musicais, o vídeo mais assistido do ano no país foi “Batom de Cereja”, da dupla sertaneja Israel & Rodolffo. Em seguida aparecem “Esquema Preferido”, de Os Barões da Pisadinha, e “Baby me Atende”, de Matheus Fernandes e Dilsinho. Os demais integrantes da lista do YouTube também são artistas de funk e piseiro.

Lia Vissoto, idealizadora do m-v-f- awards (Crédito: Eudes Santana)

Para Lia Vissoto, fundadora da produtora cultural Cinnamon e idealizadora do m-v-f- awards (segmento competitivo da plataforma Music Video Festival) a tendência é de que os artistas tenham uma abordagem multi-channel e que as fontes de receita fiquem mais difusas. “Existem artistas que têm um alto número de seguidores/visualizações no Tik Tok e não necessariamente no Youtube, e vice-versa, e isso tem um impacto no tipo de produto audiovisual que esse artista priorizará. Por essa razão, não falo mais tanto em ‘videoclipes’ e sim em ‘vídeos feitos para música’, que podem ter de 15 segundos a mais de uma hora, no caso dos visual álbuns, por exemplo.”

Em sua nona edição, o m-v-f- awards reconheceu os melhores vídeos musicais lançados entre 29 de novembro de 2020 e 10 de outubro de 2021 em 26 categorias, sendo 19 nacionais (com músicas de artistas brasileiros ou radicados no Brasil) e 7 internacionais (com músicas de artistas estrangeiros ou brasileiros radicados no exterior) — de acordo com o voto do público e do júri oficial. 

Acompanhando movimentos e tendências do mercado de arte e vídeo, a premiação abrange o trabalho de criativos, como diretores, fotógrafos, editores, e mais uma gama de profissionais envolvidos na criação de vídeos musicais, que frequentemente não são contemplados pelo modelo atual de monetização do YouTube (baseado em número de views). 

“Ainda que esses profissionais tenham sido remunerados na etapa de produção (o que acontece de forma devida em pouquíssimos casos, dado a escassez de recursos disponíveis no mercado para esse tipo de trabalho), aquela obra final é resultado de uma entrega criativa dessas pessoas também, que, assim como o artista, deveriam ter sua participação nos números de visualização/ performance desses vídeos nas plataformas digitais”, afirma Vissoto. 

É nesse contexto que categorias do m-v-f- awards como “Melhor Direção de Arte em Videoclipe”, “Melhor Vídeo em Formato Estendido”, “Melhor Narrativa em Videoclipe”, “Efeitos Especiais em Videoclipe”, entre outros, reconhecem o trabalho desses profissionais. Considerando o alto número e qualidade de inscritos na categoria de “Melhor Videoclipe Estreante”, a direção do festival decidiu ampliar o número de finalistas para fomentar produções com orçamentos menores e dar espaço a novos artistas.   

Como a captação de recursos ainda é um desafio, as iniciativas privadas exercem um papel importante como fonte de monetização para produtos artísticos, além de estarem cada vez mais conectadas com a agenda de diversidade do público e com a representação de uma identidade nacional que seja inclusiva e descentralizada. “Quem vier de uma iniciativa privada, com as marcas, tem muita gente disposta a embarcar, e eles querem diretores trans, diretores pretos. Esse lugar onde elas [as marcas] apoiam o que acreditam, tem um senso de propósito, e o audiovisual tem que entrar nesse lugar também. É uma demanda que existe de olhar para essas narrativas”, diz Fernando Nogari, o diretor brasileiro que venceu na categoria de melhor videoclipe internacional – escolha do público, com “Baila Conmigo”, de Selena Gomes e Rauw Alejandro.

O videoclipe, estrelado pela atriz Ariane Aparecida, tem cenas gravadas no litoral leste do Ceará, onde ela “interage” com Selena Gomes por meio de uma televisão de tubo, imitando a dança da cantora, inspirada nas trends do TikTok. Em um dos takes é possível notar o que Nogari chamou de “parede de batatas Lay’s”, uma forma mais implícita e intuitiva de representar o patrocinador no vídeo. 

Em uma conexão mais íntima entre conteúdo e negócios, o clipe-commerce lançado pela Westwing com uma nova canção interpretada por Vanessa da Mata, conferiu ao diretor Fred Ouro Preto o prêmio de “Melhor Videoclipe para Marca ou Instituição”. A ação, assinada com o conceito “Viva o mundo mais bonito”, lança um olhar para o cruzamento do videoclipe com a publicidade. Utilizando ferramentas de venda do Google e Facebook, a cantora se apresenta em um cenário com objetos flutuantes clicáveis que levam o cliente diretamente para o site da loja de decoração.

O evento de premiação do m-v-f- awards ocorreu na última quarta-feira, 15, em uma cerimônia só para convidados no Museu da Imagem e do Som de São Paulo. O projeto contou com a direção artística de Caio Corsalette e curadoria de Duda Leite, além do patrocínio da Spcine, UK Music Video Awards, Buenos Aires Music Video Festival, Canal Curta, Trip e Tpm, Canadian Prism Prize e Directors’ Library.

Por meio de seu próprio sistema de votação, o m-v-f- alcançou mais de 80 mil votos do público e reuniu em seu júri oficial Ana Garcia, Criolo, Gustavo Von Ha, Mariangela Jesus, Rafael Kent e Suyane Ynaya. A cerimônia foi apresentada pela modelo, performer e diretora Aisha Mbikila. Também se apresentaram o cantor e compositor Hodari, o performer L’Homme Statue, e a artista Bruxa Cósmica, que venceu na categoria de “Melhor Coreografia em videoclipe” – escolha do júri.

Com o clipe “Reza Forte”, de BaianaSystem feat bnegão, a diretora Belle de Mello levou para casa dois prêmios nas categorias de melhor direção e melhor edição em videoclipe nacional. “Nem um pouquinho”, de Duda Beat feat Trevo, dirigido pela dupla de diretores Alaska, ganhou em melhor videoclipe nacional – escolhas do júri. O júri ainda concedeu um prêmio especial para o clipe de “Visceral”, de Fran, Bibi Caetano e Carlos do Complexo, dirigido por Pedro Alvarenga. 

Entre os resultados já esperados, “Girl From Rio”, de Anitta, dirigido por Giovanni Bianco, venceu nas categorias de melhor videoclipe nacional – escolha do público, e melhor figurino em videoclipe – escolha do júri. Cantada em inglês e utilizando um sample de “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim, a música foi a mais pesquisada no Google pelos brasileiros esse ano.

Em uma quadratura de desmonte da cultura no Brasil, a premiação resgata o poder de ocupar um espaço comum. Apelos de resistência e amor à diversidade se fazem presentes no contar e escutar histórias. “Eu sinto que o Brasil e a América Latina são lugares de efervescência, de novos rostos, novos corpos, e no momento que a gente passar essa mensagem e acreditar nisso sem olhar para os EUA e tentar reproduzir o que é feito lá, assumimos a identidade daqui sem medo”, Nogari diz ao lado de Aparecida. Ele completa: “Se inspirar na cadeira de plástico (brincam), no leite de rosas, nessas narrativas periféricas e com autorias periféricas, eu acho que é o mais importante.”

Apesar de ter perdido 30% das verbas de incentivo à cultura entre 2015 e 2019, o Brasil continua explorando novas possibilidades estéticas e trânsitos por entre as indústrias da música e da publicidade — e está avançando na cena do audiovisual internacionalmente. “É esse ecossistema de videoclipes feitos para música mainstream versus videoclipes independentes (que em número absoluto representam a grande parcela da produção audiovisual para a música nacional) que faz esse cenário ser vibrante, dinâmico e relevante”, Vissoto completa. 


SOBRE A AUTORA

Claudia Penteado é editora chefe da Fast Company Brasil. saiba mais