Neurologista cria método para detectar fraudes em artigos científicos

Existe uma indústria de fabricação de artigos “inescrupulosamente corrupta” contribuindo para a disseminação de ciência falsa

Crédito: Rich Vintage/ iStock

Clint Rainey 3 minutos de leitura

Um estudo recente realizado por pesquisadores alemães afirma que um em cada cinco artigos acadêmicos pode conter dados falsificados por “fábricas” que são pagas para produzi-los.

A nova pesquisa aborda a preocupante percepção de que a academia está enfrentando um problema sério de pesquisas falsas, agravado pelo surgimento da inteligência artificial. “Como não se sabe a extensão exata de publicações falsas na área de biomedicina, desenvolvemos um método simples para identificá-las e estimar seu número”, explicam os autores.

Empresas na China foram responsáveis por 56% dos artigos falsos identificados pelos autores do estudo.

O estudo pré-publicado, disponibilizado no site medRxiv, analisou 15.120 artigos de 2020 encontrados no PubMed, um banco de dados com aproximadamente 35 milhões de citações na área de ciências biomédicas.

O modelo utilizado pelos pesquisadores identificou milhares de artigos potencialmente inventados ou plagiados, um número “considerável” e “em crescimento”, de acordo com eles.

“É simplesmente difícil de acreditar”, disse Bernhard Sabel, autor principal e diretor do Instituto de Psicologia Médica da Universidade de Magdeburgo, na Alemanha, à revista “Science”. Ele comparou os resultados a “alguém lhe dizer que 30% do que você come é tóxico”.

FILTRO DE SPAM

Sabel e seu coautor, o psicólogo Gerd Gigerenzer, da Universidade de Potsdam, observam que isso não prova de forma inequívoca que todos esses artigos sejam fraudulentos.

Seu método leva em consideração a possibilidade de alguns artigos genuínos terem sido erroneamente identificados como falsos pelo modelo e conclui que a proporção real está mais próxima de 20%, o que equivale a cerca de 300 mil dos 1,3 milhão de artigos biomédicos publicados anualmente.

O método utilizado para determinar se eram falsos se baseou em perguntas que funcionavam como um filtro de spam acadêmico:

- O autor utilizou um endereço de e-mail pessoal? (a resposta deveria ser “não”)

- Era afiliado a um hospital ou instituição de pesquisa real?

- Forneceu os dados originais ao editor?

- Estava disposto a responder à pesquisa de verificação de qualidade da revista? (a resposta para estas últimas três perguntas deveria ser “sim”.)

A equipe também levou em consideração onde os artigos foram publicados, presumindo que periódicos com menor visibilidade seriam menos competitivos e, portanto, mais desesperados por conteúdo.

Existem várias razões pelas quais uma revista científica ou um autor podem se submeter a publicar um artigo falso, mas a cultura de “publicar ou morrer”, presente em muitas universidades e instituições de pesquisa, é provavelmente a maior responsável.

Cientistas, estudantes de pós-graduação e professores, por vezes, precisam atingir um certo número de artigos como primeiro autor para se qualificarem para promoções.

AS FÁBRICAS DE FRAUDE

As chamadas “fábricas de artigos” (ou “serviços de edição”, conforme sua própria terminologia) surgiram para dar uma mãozinha. Mas “o drástico aumento no número de publicações falsas é impulsionado por uma indústria inescrupulosamente corrupta e cada vez mais bem-sucedida”, de acordo com os autores.

A proporção de artigos fraudados está próxima de 20% dos 1,3 milhão de artigos biomédicos publicados anualmente.

Essas fábricas muitas vezes contratam estudantes de pós-graduação, ou mesmo pesquisadores em busca de trabalho, para escrever os artigos. Em alguns casos, garantem inclusive a publicação em revistas renomadas. Tudo mediante o pagamento de uma taxa elevada (de até US$ 25 mil). Alguns serviços oferecidos podem incluir até a criação de dados por meio de “experimentos”.

O estudo também rastreou a localização dessas fábricas de artigos. Empresas na China foram responsáveis por 56% dos artigos falsos identificados pelos autores. Em seguida, vieram fábricas nos Estados Unidos (7,3%), Índia (6,8%) e Europa (6,6%).

Destacando como essa fraude se transformou em uma indústria lucrativa, o estudo acrescenta que entre 40% e 50% dos artigos publicados em revistas de biomedicina em países como Rússia, Turquia, Egito e China parecem ser falsos. A proporção nos EUA, segundo o estudo, foi de 3,2%.

Os autores concluem citando os “danos colaterais” causados por estudos falsos: experimentos e ensaios clínicos podem falhar, informações de saúde pública podem ser menos precisas, terapias presumidas como seguras e eficazes podem não surtir efeito ou ser prejudiciais e a área “corre o risco de perder a confiança do público”.


SOBRE O AUTOR

Clint Rainey é jornalista investigativo, mora em NYC e é colaborador da Fast Company. saiba mais