Nova fábrica de chips ameaça aprofundar tensões entre China e EUA

As novas fábricas devem aliviar parte da tensão de produção da TSMC, mas também sinalizam mais conflitos globais sobre chips nos próximos anos

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Wilfred Chan 4 minutos de leitura

A Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) está investindo pesado em suas relações com os EUA. Em uma cerimônia com a presença do presidente Joe Biden, executivos da multinacional taiwanesa – que continua incomparável em sua capacidade de produzir os chips de ponta exigidos por empresas como Apple, Toyota e Lockheed Martin – anunciaram que vão abrir uma segunda grande fábrica no estado do Arizona, elevando seu investimento total para US$ 40 bilhões.

Os chefes da TSMC aliaram-se aos CEOs da Apple, Nvidia e AMD, todos os quais asseguraram seu apoio às novas instalações, onde a produção anual total deve chegar a 600 mil wafers por ano – wafers são fatias finas de silício, que produzem centenas de chips.

As novas fábricas vão ajudar a aliviar as tensões que a TSMC sofre na produção por conta da escassez contínua de chips. Mas o anúncio também refletiu uma decisão difícil da empresa taiwanesa, já que as políticas do governo Biden aumentaram a pressão sobre os fabricantes de chips para que eles escolhessem os EUA em vez da China. E isso pode acirrar os conflitos globais sobre chips nos próximos anos.

“A TSMC é uma empresa que faz algo que tanto os EUA quanto a China desejam, e que mantém operações em ambos os lados”, diz Jason Hsu, ex-legislador de Taiwan que agora pesquisa a geopolítica da política de semicondutores na Universidade de Harvard.

O presidente Joe Biden cumprimenta trabalhadores na nova fábrica da TSMC no Arizona (Crédito: Brendan Smialowski/ AFP/ Getty Images)

Durante décadas, a TSMC traçou um equilíbrio delicado entre as duas superpotências. Mas agora, à medida que a empresa se aproxima mais dos Estados Unidos, “acho que estamos caminhando para uma rota de colisão”, analisa Hsu.

Os executivos da TSMC não esconderam sua relutância em aumentar as operações nos EUA. Em abril, o fundador aposentado (mas influente) de 91 anos, Morris Chang, descartou a ideia de expandir a presença na costa norte-americana como “um exercício muito caro em futilidades”, mencionando os altos custos de mão-de-obra nos EUA e a “falta de talento na fabricação”.

Mas desdobramentos políticos posteriores podem ter mudado sua opinião. Em outubro, o governo Biden ordenou amplos controles de exportação que visam impedir as empresas chinesas de usar chips fabricados com tecnologia dos EUA que poderiam ser aplicados em armas avançadas, citando interesses de segurança nacional.

A TSMC, que também tem fábricas na China, recebeu isenção de um ano dessa regra. “Mas prevejo que, depois de um ano, eles serão solicitados a aderir às sanções”, diz Hsu. A empresa está abrindo novas fábricas nos EUA “principalmente porque precisam se proteger contra a China”.

GUERRA FRIA 2.0?

Como parte do anúncio, a TSMC revelou que comprou terras suficientes no Arizona para seis fábricas – em um sinal claro de que pretende continuar sua expansão no país. Chang não mencionou suas preocupações com a capacidade de fabricação local em seu discurso na cerimônia, dizendo que sempre sonhou em abrir uma fábrica nos Estados Unidos.

Mas incluiu um comentário em tom de indireta: “A globalização está quase morta e o livre comércio está quase morto. Muitas pessoas gostariam de voltar atrás, mas não acredito que voltarão.”

Hsu diz que a mudança da TSMC para o Arizona é um reconhecimento de que o mundo está caminhando para um “sistema de dois chips”: os Estados Unidos e seus aliados usando produtos fabricados pela TSMC e o resto do mundo usando chips de fábricas chinesas, como a SMIC, de Xangai.

os EUA estariam transformando semicondutores em uma arma, como ogivas nucleares, como forma de deter a China.

Sob o que Hsu chama de mentalidade de “Guerra Fria 2.0”, os EUA estão “transformando semicondutores em uma arma, como ogivas nucleares, como forma de deter a China”. É por isso que ele suspeita que os chips fabricados no Arizona irão não apenas para empresas de tecnologia de consumo, mas também para a indústria de defesa norte-americana.

“Provavelmente, os EUA estão se preparando para estocar chips de ponta. Se houver algum tipo de conflito com a China, eles vão querer fábricas o mais próximas possível do solo americano.”

Não é um bom presságio para Taiwan, que a China reivindica como uma província separatista e que repetidamente tem ameaçado invadir. Nos últimos 40 anos, a demanda chinesa por chips os tornou uma espécie de “escudo de silício” que ajudou a proteger Taiwan.

Mas quando a China não contar mais com a produção da TSMC, pode atacar a pequena nação sem aviso prévio, prevê Hsu. A esperança é que a empresa possa se afastar dos chineses de forma elegante, mas é como andar na corda bamba. A fabricação de chips pode até parecer fácil, mas, na melhor das hipóteses, “o processo será longo e doloroso”.


SOBRE O AUTOR

Wilfred Chan é jornalista em Nova York e escreve para o jornal The Guardian e a revista New York Magazine, entre outras publicações. saiba mais