O terror de uma guerra nuclear, na visão de quem já passou por isso

Crédito: Fast Company Brasil

Chris Morris 4 minutos de leitura

Para grande parte do mundo, o crescente temor de um ataque nuclear é algo novo – ou, em alguns casos, algo que não sentiam há muito tempo. No entanto, para a população do Havaí, é tudo muito recente.

No dia 13 de janeiro de 2018, 1,4 milhão de pessoas em todo o estado receberam um alerta em seus celulares que transformou uma manhã tranquila de sábado em momento de caos e pânico: “Ameaça de míssil balístico rumo ao Havaí. Busque abrigo imediatamente. Isso não é um treinamento”.

Ler sobre uma ameaça nuclear repentina e inesperada é uma coisa, mas um grupo de cineastas produziu “On The Morning You Wake (to the End of the World)”. Trata-se de um filme de realidade virtual para o Oculus Quest 2 que faz um trabalho incrível ao transmitir a tensão e o caos daqueles 38 minutos, ao mesmo tempo em que defende mudanças na política nuclear.

Cena do filme “On the Morning You Wake” (Crédito: Archer’s Mark)

O filme não poderia vir em um momento mais oportuno. As tensões globais sobre um conflito nuclear continuam a crescer desde que o presidente russo, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia em fevereiro e colocou as armas nucleares de seu país em alerta máximo. Enquanto especialistas insistem que as chances de a situação se agravar e culminar em desastre são remotas, líderes mundiais reconhecem, pela primeira vez em muito tempo, que esta é uma possibilidade que não devemos descartar. 

“On the Morning You Wake” não é um típico filme documentário. Ele retrata vivências através de relatos e recursos visuais. É uma mistura coreografada de animações e imagens, que parecem hologramas em tamanho real de pessoas que viveram esta manhã de pânico. É tanto uma narrativa quanto uma ferramenta de ativismo, uma obra que nos coloca no centro de uma crise e habilmente conduz a uma possível solução.

Exibição do filme em VR (Crédito: Archer’s Mark)

“A realidade de uma guerra nuclear pode parecer incrivelmente abstrata, algo que a maioria das pessoas tem dificuldade em imaginar”, diz o produtor Mike Brett, da equipe criativa do documentário e cofundador da Archer’s Mark, a produtora responsável pelo filme. “Muitas vezes, vemos isso como algo que aconteceria apenas do outro lado do mundo ou em outra comunidade. Como criadores, esperávamos que, ao colocar as pessoas no centro dessa experiência e permitir que vivessem essa realidade, pudéssemos ajudá-las a entender a magnitude e a urgência da situação. Como nosso co-roteirista Jamaica Heolimeleikalani Osorio já afirmou várias vezes: ‘[O filme] é uma experiência que nos deixa desconfortáveis.’”

O filme é uma mistura de animações e imagens que parecem hologramas de pessoas que viveram aquela manhã de pânico.

E ele é bastante eficiente nisso. Seja assistindo pais enviarem seus filhos para os esgotos na esperança de protegê-los, ou ouvindo o relato de um sobrevivente de Hiroshima sobre como foi o fatídico dia 6 de agosto de 1945, apenas para enfrentar a possibilidade de revivê-lo novamente, 73 anos depois, é difícil não ser afetado. Embora seja, em grande parte, uma experiência passiva (ainda que em 360 graus), os momentos breves e inesperados de interatividade contribuem com o apelo emocional. Um relato contundente por meio de Realidade Virtual.

A parte final se concentra mais no ativismo, mas não deixa de provocar calafrios. Especialmente quando o responsável por enviar o falso alerta de mísseis para a ilha aborda o incidente e conta o que sentiu ao saber do pânico que causou naquele dia.

Os momentos chocantes não apenas transmitem o desamparo que os cidadãos do Havaí sentiram, mas também provocam uma sensação de indignação, especialmente quando o espectador vive na pele o desamparo da situação. É aí que o filme nos convida a entrar em ação.

“Muitas pessoas não se envolvem com a questão nuclear porque se sentem impotentes como indivíduos para causar qualquer impacto nas grandes decisões”, diz Brett. “Por mais que esperássemos que o filme fizesse com que as pessoas tomassem alguma atitude concreta, fazer com que se sentissem um pouco desconfortáveis também era vital para transmitir a mensagem de que, de fato, temos as ferramentas para exigir o fim das ameaças nucleares, empoderando o público a fazer algo a respeito e criando um senso de comunidade”.

Diversos grupos, como a Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN), estão liderando esforços para mudar o pensamento das potências nucleares. Em janeiro de 2021, o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares virou lei internacional e proíbe o uso, a ameaça de uso e o desenvolvimento/posse de armas nucleares (embora a Rússia, os Estados Unidos e outros países ainda não tenham aderido ao acordo).

Crédito: Archer’s Mark

Mas será possível que isso seja posto em prática justo em um momento em que governantes como Putin insistem em exibir seu poderio nuclear? Ray Acheson, diretora do Critical Will, programa de desarmamento da Liga Internacional de Mulheres pela Paz e Liberdade e membro da ICAN, acredita que sim.

“Veremos uma mudança quando pessoas comuns exigirem mais de nossos representantes e uns dos outros”, afirma Acheson. “Mesmo que pareça impossível, é extremamente importante que o façamos. Caso contrário, permaneceremos impotentes diante de nossa possível extinção pelas mãos de alguns pretensos líderes”.


SOBRE O AUTOR

Chris Morris é um jornalista com mais de 30 anos de experiência. Saiba mais em chrismorrisjournalist.com. saiba mais