A próxima imaginação do Bill Gates brasileiro
A última vez que Marcelo Lacerda recebeu um salário foi em março de 2002.
Na ocasião, a empresa que ele ajudou a fundar, o Terra Networks, o dispensou do posto de vice-presidente para a América Latina, fazendo-o perder o contracheque. Mas a situação mudará em 3 de maio, quando ele – quase no Dia do Trabalho – começará a atuar formalmente como executivo da Fbiz, agência da qual é sócio desde a fundação, em 1999.
Não que Lacerda tenha ficado exatamente desempregado nesses quase 20 anos. Nem que o hiato tenha sido inédito em sua carreira. Em 1987, ele largou um emprego na área de engenharia da Embraer para empreender, criando a Nutec – software house que depois virou provedora de acesso à internet NutecNet, que depois se tornou ZAZ e depois virou Terra. Logo depois concebeu em conjunto com Rogério Silberberg o portal Fulano, que veio a se tornar a Fbiz. De lá para cá, Lacerda criou outras duas empresas. Em 2008 fundou a Blue Telecom, uma operadora de TV por assinatura, vendida para a NET/Claro em 2015. E, logo depois, ajudou a construir a Magnopus, uma empresa de tecnologia de entretenimento baseada em Los Angeles (EUA) que, entre outras façanhas, ganhou três Oscars pelos efeitos especiais dos filmes O Curioso Caso de Benjamin Button, A Invenção de Hugo Cabret e o remake em live action de O Rei Leão.
As empreitadas – e, guardadas as devidas proporções, a conta bancária – fizeram Lacerda receber o apelido de “Bill Gates brasileiro” e se tornar uma lenda viva da internet verde-amarela. Agora sua trajetória profissional, um tanto peculiar, torna-se ainda mais intrigante quando se observa o cargo que ele ocupará na Fbiz: Chief Imagination Officer. “Meu job description é relativamente simples: trazer mais elementos de incerteza para o caos que já vivemos no mundo das comunicações”, disse ele em entrevista exclusiva à Fast Company Brasil.
Se a descrição do cargo não é óbvia, tampouco será a nova estrutura da Fbiz. Lacerda é um dos sócios da companhia, e ainda assim se reportará a Paulo Loeb, sócio e co-CEO, e a Fernand Alphen, também co-CEO da agência. Será cobrado regularmente, participará de reuniões com clientes, terá metas, plano de saúde e tudo mais. “Só ainda não sei dizer quais serão meus entregáveis, pois eles serão construídos a cada missão”, diz ele.
A seguir, os principais trechos da conversa.
FAST COMPANY BRASIL: Você é sócio da Fbiz, empreendedor serial e não precisa exatamente de um emprego. Por que aceitar um papel executivo neste momento da sua carreira?
LACERDA: Em toda a minha trajetória eu co-escrevi a história da Fbiz, mas nunca estive na gestão de fato da agência. Acho que chegou a hora de usar a minha experiência e trazer mais elementos para, vamos chamar assim, contribuir com o caos das comunicações. Estou com 60 anos. Vejo muitas pessoas da minha geração, grandes criadores e criativos publicitários brasileiros, saindo de cena da propaganda, mas não com um discurso exatamente aspiracional para os jovens. Eles saem de bolso cheio, mas com uma conversa de que a publicidade meio que “já era”. Não provocam inspiração nenhuma nos jovens talentos, e eu acho que essa não é a realidade atual. As pessoas que mexem com tecnologia, os protagonistas do mundo de hoje, são e sempre serão maravilhados pelos comunicadores. Os tecnologistas não dominam a capacidade de comunicar, de entreter, de criar discursos e histórias maravilhosas. Há uma simbiose entre os nerds e os storytellers, e ela tem um valor altíssimo, hoje e sempre. É essa perspectiva que eu quero trazer para esse momento da agência.
(Neste momento, Paulo Loeb interrompe a entrevista.)
LOEB: Se você me permitir, queria falar uma coisa sobre o Marcelo. Ele sempre teve essa característica de nadar contra a corrente. Acelerar quando todo mundo está com medo, investir nas crises, ir para o lado contrário da galera. É isso o que esperamos. Poder oferecer aos nossos clientes uma perspectiva nova, um olhar de uma personalidade que ajudou a construir nossa indústria, mas de outro ângulo, longe dos holofotes. Nossa indústria carece de uma reinvenção, e não enxergamos pessoa melhor para ser o protagonista dela. Daí até o nome do cargo do Marcelo. Queremos que ele nos ajude a imaginar o futuro.
FAST COMPANY BRASIL: E como se dará, na prática, essa reinvenção? O que fará o Chief Imagination Officer?
LACERDA: Vou entrar em conversas de alto nível com os clientes. Sou um cara hands on. Já participei de uma concorrência e de duas conversas bem aprofundadas. A ideia é conseguir conversar com todos os clientes que queiram fazer parte de uma reinvenção, e contar conosco para transformar seus negócios e resultados. Daí vamos sonhar juntos e direcionar as transformações, numa célula de Imagination. Quero tornar a Fbiz a companhia mais imaginativa do mercado.
FAST COMPANY BRASIL: Qual sua visão da publicidade e da comunicação hoje?
LACERDA: A comunicação para mim é algo essencial hoje em dia. E a Fbiz é um estudo humanista que não acaba nunca. A essência da comunicação passa por uma verdade libertadora e transformadora: marcas são narrativas. São storytelling. Você nunca comprou um iPhone, mas uma história. E as marcas, hoje, fazem parte do dia a dia das pessoas. Tanto que têm autoridade para criar conteúdos imersivos e extremamente significativos. Baseamos nossas escolhas num sistema de crenças, e as marcas estão inseridas nesse sistema de forma essencial.
(Nova interrupção, desta vez por Fernand Alphen.)
ALPHEN: Isso é muito significativo. O Marcelo vai agregar uma visão que vai além da comunicação. Ele é um visionário. Foi um dos primeiros apoiadores da Singularity University nos Estados Unidos, quando ainda não tinha esse hype todo. E vai participar conosco numa função de forças especiais, chamado em projetos onde há espaço para ir além da entrega convencional de uma agência. Estamos falando sobre disrupção, novos modelos de negócio, grandes conexões e quebras de paradigma.
FAST COMPANY BRASIL: Mas existe um desafio de negócio também…
LACERDA: Sem dúvida, e talvez seja esse um dos principais pontos da minha atuação. Quero criar projetos que consigam ter um impacto real na oferta de valor dos negócios dos clientes. É maravilhoso interagir com os clientes e buscar novas possibilidades. Além disso, o resgate do orgulho da indústria da comunicação, bem como ter uma prancheta em branco na minha frente, foi o que me motivou a aceitar esse desafio. Chegar até onde não conseguimos enxergar. Ainda.